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26/05/2020

Evento aborda avanço de mortes por Covid-19 nas prisões

Informe Ensp


Apesar de ser um tema ausente dos debates públicos, até mesmo dos gabinetes de crise e planos de contingência para enfrentamento do novo coronavírus em grandes estados do país, a Covid-19, na população carcerária, está avançando. Com menos de um 1% das pessoas presas com acesso a diagnóstico, celas superlotadas, acesso restrito à água, ventilação e grande presença de doenças como tuberculose, diabetes e HIV/Aids, os efeitos do novo coronavírus podem ser devastadores nas prisões do Brasil. Embora apresente grande subnotificação, o aumento de mortes por pneumonia grave e síndrome respiratória aguda grave ligou o alerta dos pesquisadores. O debate sobre esse importante tema para a saúde pública marcou o retorno do Centro de Estudos (Ceensp) da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), em formato virtual, na última quarta-feira (20/5).

A pesquisadora da Ensp/Fiocruz e coordenadora do grupo de pesquisa Saúde nas Prisões, Alexandra Sanchéz, conduziu a sessão on-line, que contou com participação da promotora de Justiça do RJ, Madalena Junqueira Ayres, e da integrante do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura do RJ, Natália Damázio. 

Até a data do evento, a pesquisadora da Ensp afirmou que o Rio de Janeiro tinha, oficialmente, cinco óbitos notificados por Covid-19; São Paulo com doze óbitos; Pernambuco apresentava três; e Espírito Santo com dois óbitos. Os dados oficiais, segundo ela, não representam a realidade das unidades prisionais e, para comprovar sua afirmativa, citou uma revisão das mortes no Rio de Janeiro a partir de março.

“Fizemos uma revisão dos óbitos a partir do mês de março, quando começou a pandemia. Somente reclassificando as mortes que não têm confirmação pelo teste diagnóstico, mas foram por pneumonia grave ou síndrome respiratória aguda grave, atingimos uma taxa de 49 em mil, ou seja, cinco vezes superior à taxa oficial só com a reclassificação dos óbitos em revisão de boletim. Isso é bastante importante”, admitiu.

Após elogiar a atuação do Distrito Federal sobre a testagem da população encarcerada, a pesquisadora lamentou a falta de transparência dos dados no Rio de Janeiro e o isolamento do Comitê de Crise da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do RJ. O aumento na taxa dos óbitos do estado reforçou a preocupação, uma vez que os meses de março e abril de 2020 mostraram elevação em relação a janeiro e fevereiro deste ano. 

“A taxa de mortalidade em abril foi 48/100 mil, enquanto, em fevereiro, foi de 19/100 mil. Em março, a Covid-19 contribuiu com 35% da taxa de óbito nos presídios, enquanto, em abril, ficou em 54%. Isso mostra uma tendência importante de aumento, uma vez que a taxa de mortalidade, excluindo a Covid-19, fica em torno de 20 a 25% por 100 mil”, alertou a pesquisadora.

Alexandra apresentou dados sobre a mortalidade por faixa etária no Sistema Prisional. Segundo ela, a população presa é majoritariamente jovem, e há cerca de 700 a 800 pessoas com mais de 60 anos. Apesar de a Covid-19 causar mais risco na população idosa, mais de 60% dos óbitos ocorreram em pessoas com menos de 60 anos. “Nessas pessoas mais jovens, principalmente entre 18 a 39 anos (correspondem a 50% dos óbitos pelo vírus), mais de 70% são homens com comorbidades como diabetes, Aids e tuberculose. Esses são os jovens que estão morrendo.”

Covid-19 expõe fraquezas da assistência e da saúde prisional

A promotora de Justiça do RJ, Madalena Junqueira Ayres, falou sobre a ausência de cuidados básicos necessários à população carcerária, principalmente num cenário de pandemia. A falta de atendimento básico, de condições adequadas para isolamento dos presos, de regulação entre as unidades prisionais e o pronto-socorro geral para atendimento fora do sistema prisional (seja pelo estado ou município) e a não priorização nas campanhas de vacinação comprometem as ações de enfrentamento à covid-19 no sistema prisional, segundo ela.

A promotora lembrou que a higienização é uma das principais recomendações para prevenção do coronavírus. Nos presídios, entretanto, o cenário de precariedade das condições de higiene do próprio preso e das instalações, somados ao fornecimento inadequado de água e ausência de álcool em gel, a realidade é diferente. “Desde o início, o Ministério Público percebeu que não havia um plano de contingência para enfrentamento da covid no sistema prisional do Rio de Janeiro. O plano de resposta da Secretaria de Saúde não tinha uma linha sobre o sistema prisional. No dia 1 de abril, acrescentaram a implantação de um hospital de camapanha para 60 leitos, com respiradores do Ministério da Saúde, mas não havia uma linha sobre esse enfrentamento”, detalhou.

No âmbito nacional, há a Portaria Interministerial Nº 7, que regulamenta as medidas de prevenção para a população carcerária, tendo como premissa que todas as recomendações do Ministério deveriam ser adotadas dentro das unidades prisionais. A rigor, não deveria haver distinção de tratamento, mas isso não é observado. Há uma enorme violação de direitos dentro do sistema prisional”.

Na última apresentação, a integrante do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura do RJ, Natália Damázio, criticou a falta de transparência das ações de enfrentamento da pandemia e a falta de informação sobre a situação dos presos aos seus familiares. Ela afirmou que, mesmo com a impossibilidade de inspecionar as unidades, o Mecanismo está oficiando os resídios e o Gabinete de Crise para pensar, de forma cooperativa, em melhorar as coisas. “Foram 25 ofícios, mas só tivemos reposta total para um deles”, comentou.

Apesar da necessidade das medidas de isolamento nos presídios, a palestrante reforça que a incomunicabilidade absoluta, ou seja, quando se cria uma ruptura do laço dos presos com seus familiares, é uma violação de direitos. “Foi estipulado o isolamento, que é uma medida importante para prevenção da disseminação do vírus, mas não foi pensada uma alternativa para superar, de forma alternativa, o que está posto. Uma estratégia interessante proposta pela Defensoria Pública de SP foi a instalação de telefones públicos e visitas virtuais.

A redução emergencial da superlotação das celas, medida uniformemente prescrita por todos os órgãos de direitos humanos e de saúde internacionais para discutir a possibilidade de prevenção eficaz da covid-19 também foi defendida por todos os palestrantes do Ceensp.

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