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15/07/2019

Evento debate desafios da ciência aberta na Fiocruz

Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)


A importância da participação dos pesquisadores e estudantes do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) na construção da política de gestão e abertura de dados para pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) foi destacada (5/7) no Centro de Estudos da unidade. Coordenadora de Informação e Comunicação da Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, a palestrante Paula Xavier ressaltou que o movimento pela ciência aberta não está só no campo dos debates, mas é uma realidade que vem alterando práticas. À frente do Grupo de Trabalho em Ciência Aberta da Fundação, ela lembrou que financiadoras e editoras científicas já colocam a abertura de dados como condição para custear ou publicar estudos.

“Precisamos ter uma política até porque há instituições internacionais que estão demandando isso dos pesquisadores. Ao mesmo tempo, queremos chegar cada vez mais perto da sociedade e a perspectiva da ciência aberta tem como fundamento ser mais transparente, colaborativa e participativa. Devemos ter a ousadia de pensar novas formas de produzir e disseminar o conhecimento na Fiocruz”, apontou. A Fundação está mobilizada para o debate sobre o assunto: uma consulta entre trabalhadores e estudantes coleta, até 30 de agosto, contribuições da comunidade interna para o Termo de Referência: Gestão e Abertura de Dados para Pesquisa. Este documento vai subsidiar a proposta de diretrizes a ser discutida pelo Conselho Deliberativo da Fundação, com foco na criação da nova política institucional sobre o tema. Clique aqui para saber mais.

A mesa de abertura do evento contou com a participação da vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Cristiani Vieira Machado, e do diretor do IOC, José Paulo Gagliardi Leite. O editor da revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Adeilton Brandão, atuou como debatedor. “Quero ressaltar a importância desse debate. A ciência aberta é uma nova perspectiva, uma nova forma de ver e fazer ciência. Por isso, a preparação institucional foi iniciada há dois anos, com a realização de estudos sobre o panorama internacional e marcos legais. Agora, avançamos com a elaboração das diretrizes, que estão em consulta interna, seguindo a tradição da Fiocruz de processo participativo”, afirmou Cristiani. “Já tivemos discussões nas Câmaras Técnicas de Pesquisa e Ensino e no Conselho Deliberativo do IOC. Esse tema é importante para toda a comunidade do Instituto”, declarou José Paulo.

Contexto global

Na palestra Ciência Aberta: construção de diretrizes para gestão, abertura e compartilhamento de dados para pesquisa na Fiocruz, Paula Xavier delineou o contexto de surgimento do debate. Ela lembrou que 80% da pesquisa científica mundial são financiados com recursos públicos, logo a divulgação do conhecimento produzido deve considerar o interesse público. A ciência aberta pode ser compreendida como uma evolução das políticas de acesso aberto. “Não somente os resultados, mas os dados produzidos durante a pesquisa também têm caráter público, lembrando que dado é toda informação coletada e gerada para ajudar na resposta à pergunta de pesquisa”, ressaltou a coordenadora. Ela acrescentou que a abertura de dados é mais do que apenas disponibilizar acesso às informações. “Para serem considerados abertos, os dados precisam ser passíveis de uso e compartilhamento por qualquer pessoa, sendo legíveis por máquinas. Por exemplo, um arquivo no formato PDF não é um dado aberto”, esclareceu.

Pelo menos quatro grandes agências de fomento internacionais, que apoiam diversos projetos desenvolvidos na Fiocruz, já começaram a demandar a abertura de dados como condição para financiamentos: a Comissão Europeia, braço executivo da União Europeia; o fundo britânico Wellcome Trust; a fundação norte-americana Bill e Melinda Gates; e os Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês), dos Estados Unidos. Para obter recursos de linhas com esse requisito, os pesquisadores precisam criar um plano de gestão de dados e, ao final do estudo, depositar as informações em um repositório aberto. Segundo Paula, é no plano de gestão de dados que o pesquisador deve atribuir o grau de sigilo das informações. “Cada tipo de dado implica em questões diferentes, como tempo de exclusividade, privacidade, propriedade intelectual e industrial. Por isso, existem gradações no processo de abertura. Os dados devem ser tão abertos quanto possível e tão fechados quanto necessário”, explicou a coordenadora. No meio do caminho entre a abertura e o sigilo, existe a prática de compartilhamento. Nesse caso, são publicados metadados, que descrevem o conjunto de informações disponíveis. Os interessados devem entrar em contato com o pesquisador para negociar o acesso.

Considerando o cenário de assimetrias globais da ciência, com a distribuição desigual de recursos entre os países, Paula ponderou que a política institucional de gestão e abertura de dados deve contemplar as questões estratégicas para Fiocruz e o Brasil. “A curadoria da Fiocruz não deve olhar somente para os aspectos legais e técnicos. Ela pode avaliar também se os dados são estratégicos para a saúde pública”, enfatizou a coordenadora. Ponto focal da discussão sobre as diretrizes para gestão e abertura de dados no IOC, Adeilton Brandão, reforçou que as questões ligadas à competitividade da ciência brasileira devem ser analisadas frente aos limites e benefícios potenciais do processo de abertura de dados. “Há uma gradação entre o que tem que ser aberto e o que pode ser compartilhado ou negociado. O IOC gera uma imensa quantidade de informações que, muitas vezes, não estão nos artigos. Para além da questão dos dados que devem ser sigilosos por questões de privacidade, sensibilidade e propriedade intelectual, temos o compromisso com a reprodutibilidade dos estudos e uma forma de garantir isso é a abertura de dados”, comentou o pesquisador.

Consulta interna

O Termo de Referência: Gestão e Abertura de Dados para Pesquisa é considerado um ponto de partida para o debate e as contribuições da comunidade da Fiocruz serão fundamentais para a construção da política institucional. “As contribuições do IOC na consulta interna são muito importantes porque temos grande diversidade de linhas de pesquisa, o que vai exigir um olhar particularizado”, destacou Adeilton. As informações sobre a consulta interna estão disponíveis no Portal Fiocruz. As contribuições serão consolidadas pelo Grupo de Trabalho em uma proposta final de diretrizes, que será encaminhada ao Comitê de Regulação da Ciência Aberta e, posteriormente, apreciada pelo Conselho Deliberativo da Fiocruz para criação da política de gestão, compartilhamento e abertura de dados da Fiocruz.

Questões abertas

As demandas atuais de financiadores e revistas científicas para abertura de dados e os riscos para a ciência brasileira no cenário de assimetria internacional foram alguns temas destacados no debate realizado em seguida à palestra. “Esse é um assunto sensível que temos discutido há anos, mas as revistas estão cada vez mais agressivas pedindo a abertura dos bancos de dados para publicação de artigos. Para responder a essas solicitações, nos falta uma política institucional”, apontou a pesquisadora aposentada Mariza Morgado, do Laboratório de Aids e Imunologia Molecular. “Frequentemente recebemos solicitações de bancos de dados por parte de pesquisadores estrangeiros que baseiam toda sua produção na análise de dados de terceiros, sem nunca gerar informações originais. Como vamos lidar com esse tipo de ‘pesquisa safari’?”, questionou Joseli Lannes, chefe do Laboratório de Biologia das Interações. “A ciência aberta é uma perspectiva fantástica de interação. Mas nós mesmos fazemos novas descobertas revisitando nossos dados”, citou Ana Maria Jansen, chefe do Laboratório de Biologia de Tripanosomatídeos.

O impacto da abertura de dados na área de inovação tecnológica também foi pontuado. “Temos uma grande defasagem, não apenas no artigo de ponta, mas sobretudo no depósito de patentes. Na área de fármacos, uma publicação precoce pode inviabilizar uma linha de pesquisa que poderia resultar em novo medicamento”, indicou Marco Aurelio Martins, chefe do Laboratório de Inflamação e coordenador da Câmara Técnica de Pesquisa do IOC. “Será que, cada vez mais, aqueles que têm mais recursos vão impor que disponibilizemos dados que trarão benefícios muito pequenos para nossa instituição e nosso país em comparação com os benefícios que eles vão ter?”, interrogou o diretor do Instituto, José Paulo Leite.

Respondendo aos questionamentos, Paula citou dados do governo australiano, que implantou uma política de abertura de dados há cinco anos. Considerando 14 projetos de pesquisa com abertura de dados, a reutilização das informações produziu impacto além da publicação de artigos, resultando em novos protocolos de assistência e novas políticas de saude. “Não rechaçando as questões críticas colocadas, pode ser antiético não abrir os dados. O impacto pode ser a falta de políticas públicas que atendam os interesses da sociedade”, ponderou ela, citando como potenciais benefícios iniciativas de ‘open pharma’ – desenvolvimento de medicamentos a partir de dados compartilhados sem patenteamento. “Não queremos virar provedores de dados. Mas existe uma margem. O mundo todo está abrindo suas informações e também podemos utilizá-las”, acrescentou. Adeilton destacou ainda que os modelos de publicação científica e de métricas de avaliação da ciência estão em transformação. “O artigo é um formato tecnológico do século 20, estático e sem interação. A tendência é que os dados e a análise dos dados adquiram vida própria, sendo citado e referenciado o pesquisador que disponibilizou as informações. Quem abrir os dados vai ter algum benefício”, afirmou.

Além da questão ligada às assimetrias na pesquisa, Ada Alves, chefe do Laboratório de Biotecnologia e Fisiologia de Infecções Virais, chamou atenção para os desafios de gestão da abertura de dados na rotina dos pesquisadores. “São diversas preocupações, e uma delas é que tenhamos que preencher uma quantidade enorme de formulários, além do que já fazemos atualmente”, apontou. Integrante da comissão de pós-graduação do Programa de Biodiversidade e Saúde, Luis Cláudio Muniz Pereira, do Laboratório de Helmintos Parasitos de Vertebrados, destacou a necessidade de incluir os estudantes no debate. “Boa parte da pesquisa desenvolvida hoje passa pela pós-graduação. Precisamos avaliar como a abertura de dados vai impactar os estudantes, que têm dois e quatro anos para desenvolver seus projetos de mestrado e doutorado”, alertou.

A coordenadora do Grupo de Trabalho em Ciência Aberta reconheceu que a gestão de dados será mais uma etapa no processo de pesquisa. Entretanto, ponderou que essa atividade já está no foco de debates sobre boas práticas de pesquisa e os editais que exigem abertura de dados devem prever verba para o trabalho. O editor da revista ‘Memórias’ comentou a defasagem no atual modelo da pós-graduação brasileira, que data da década de 1960. “É o momento de discutir isso. O movimento de abertura de dados somente vai avançar se a pós-graduação se envolver”, disse Adeilton. Paula encerrou o encontro ressaltando a importância de continuidade do debate sobre a gestão e abertura de dados. “Vamos realizar projetos piloto em diferentes áreas de pesquisa da Fiocruz, incluindo pesquisa clínica, saúde pública, pesquisa biomédica, epidemiologia, ciências sociais e humanas e inovação tecnológica. Também queremos trazer para debates os pesquisadores que já avançaram nesse processo de forma a abordar as experiências práticas”, adiantou ela.

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