Adelstano Soares de Mattos Porto d’Ave. Um nome que era quase uma incógnita, mesmo entre estudiosos da área de saúde. Mas a partir da curiosidade de dois pesquisadores do Departamento de Patrimônio Histórico da Casa de Oswaldo Cruz (COC) da Fiocruz, Renato Gama-Rosa e Gisele Sanglard, a história do engenheiro-arquiteto e seus feitos em arquitetura hospitalar, da década de 20 a meados da de 30, obteve visibilidade. Além da recente publicação de um artigo na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Gama-Rosa e Gisele são curadores da exposição Projetos para a saúde pública: a contribuição do arquiteto Porto d’Ave, que será inaugurada no 8º Encontro de História e Saúde.
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Vitral do Instituto de Pesquisa do Hospital Gaffrée e Guinle. Da direita para esquerda, Louis Pasteur, Oswaldo Cruz e Robert Koch (Foto: Roberto Jesus Oscar e Vinícius Pequeno de Souza/Acervo COC) |
Segundo Gama-Rosa, os anos 20 marcaram uma época de transição da arquitetura hospitalar européia, que distribuía as especialidades médicas por pavilhões, para o modelo americano, que concentrava as especialidades em monoblocos. “Talvez este período de transição tenha sido o motivo que levou a historiografia brasileira ao esquecimento dos trabalhos feitos por Porto d’Ave. Foi um momento crítico, em que havia falta de leitos hospitalares no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que a adoção da tradicional estrutura de pavilhão estava em cheque frente aos avanços introduzidos pela moderna estrutura em monobloco”, diz Gama-Rosa.
A exposição conta a trajetória profissional e de vida de Porto d’Ave, com ênfase na produção de projetos em arquitetura hospitalar. Traz também uma coleção fotográfica composta por 124 imagens, doada pela família, e que atualmente encontra-se sob a guarda do Departamento de Arquivo e Documentação da COC, onde recebe tratamento técnico para a conservação e a preservação. Esse trabalho integra o projeto O Hospital das Clínicas, a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e os projetos de Porto d’Ave e foi viabilizado pela Fiocruz.
Arquitetura hospitalar e política pública de saúde
O Hospital Gaffrée e Guinle, inaugurado em 1929 para o combate à sífilis e às doenças venéreas, foi a primeira construção assinada por Porto d’Ave. Está intimamente relacionada à reforma sanitária liderada por Carlos Chagas à frente do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNPS). A assistência médica, na época, passava por momento crítico. Faltavam hospitais gerais destinados a atender a um grande público empobrecido e os que existiam (irmandades e ordens terceiras, hospitais dos militares etc) ofereciam atendimento restrito. O hospital da Santa Casa da Misericórdia não supria a quantidade de atendimentos e então ocorreram pequenas mudanças, como a criação do Hospital São Francisco de Assis, em 1922.
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Projeto do Hospital Gaffrée Guinle, de Porto dAve, de 1924 (Acervo COC) |
O projeto do Hospital, sob a fiscalização e orientação dos médicos Eduardo Rabello e Gilberto de Moura Costa, era composto por um prédio principal de quatro pavimentos, onde se localizavam serviços como pronto-socorro, ginecologia, obstetrícia, sífilis visceral, salas de operação, serviço das mulheres contagiantes etc. No campus foram projetados pavilhões especiais para abrigar o Instituto de Pesquisa, o biotério, uma capela, as oficinas de conservação, o dormitório dos empregados e a lavanderia.
Segundo Gama-Rosa e Gisele, o Instituto de Pesquisa do Gaffrée e Guinle foi pensado como uma homenagem à bacteriologia moderna. Nos vitrais de sua escadaria principal encontram-se Louis Pasteur e Robert Koch, os dois maiores nomes da bacteriologia mundial, ao lado do bacteriologista Oswaldo Cruz. A orientação técnica do Instituto coube a Gomes de Faria, pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz.
Após a construção do Gaffrée e Guinle, Porto d’Ave projetou e construiu o Hospital do Câncer e o Hospital das Clínicas. Também fez os projetos do Hospital Espanhol, do Hospital Regional de Niterói – todos na década de 20 – e, por fim, o Hospital dos Servidores do Estado, seu último projeto, em 1935.
A influência da arquitetura americana já se fazia sentir naquela época, embora a década de 30 é que seja considerada o período moderno da arquitetura hospitalar. O estilo arquitetônico adotado por Porto d’Ave não era totalmente europeu, mas misto, o que foi motivo de grandes contestações. No projeto do Hospital das Clínicas, por exemplo, Porto d’Ave criou quase uma cidade-hospital, onde cada uma das especialidades médicas teria seu próprio pavilhão e eles interligariam-se uns aos outros, tanto pela parte externa quanto pelos corredores subterrâneos. Foi somente com o Hospital dos Servidores, nos anos 30, que Porto d’Ave adotou a tipologia americana, projetando um monobloco de dez pavimentos.
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Adelstano Soares de Mattos Porto dAve (Acervo COC) |
A exposição sobre Porto d’Ave pretende contribuir para a história da arquitetura brasileira, em uma época fortemente caracterizada pela passagem de um tipo de arquitetura a outro – do pavilhão ao monobloco. Os projetos de Porto d’Ave são a prova desse processo, que teve longa duração. “O estudo dos trabalhos também nos permite refletir sobre o papel, nem sempre notado, do arquiteto no desenvolvimento de projetos hospitalares”, conclui Gama-Rosa.
A exposição sobre Porto d'Ave, no 8º Encontro de História e Saúde, será inaugurada em 15 de maio, no Castelo da Fiocruz.