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06/08/2007

Fiocruz aposta na parceria com MST

Cátia Guimarães


Apostar na cooperação técnica e na força dos movimentos sociais: é isso que vem fazendo a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) da Fiocruz ao investir nas relações institucionais com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Já são mais de dois anos de trabalho conjunto. “A proximidade com os movimentos sociais é importante porque nos permite lidar diretamente com as demandas das camadas populares sobre educação e saúde. No caso do MST, é interessante também porque nos aproxima da discussão sobre essas questões em relação à população do campo”, explica a vice-diretora de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da EPSJV, Isabel Brasil.


 Integrantes do MST visitam o Castelo da Fiocruz. Parceria entre o Movimento e a Escola Politécnica da Fundação já dura mais de dois anos (foto: Ana Limp/Fiocruz) 

 Integrantes do MST visitam o Castelo da Fiocruz. Parceria entre o Movimento e a Escola Politécnica da Fundação já dura mais de dois anos (foto: Ana Limp/Fiocruz) 





Representante do MST do Rio de Janeiro, Fernanda Matheus também acha importante para os movimentos sociais acompanhar e fazer parte do processo educacional, porque isso garante que a sociedade, de alguma forma, participe na formação dos profissionais. “Quando começamos a organizar atividades relacionadas à saúde, como projetos de discussão e prevenção do HIV e cursos de técnicos em saúde comunitária, buscamos instituições que pudessem nos auxiliar. A EPSJV apareceu como referência na área da saúde pública e uma oportunidade de termos acesso à produção tecnocientífica que a Escola desenvolve”, afirma Fernanda.



A cooperação tem se dado, principalmente, por meio de oficinas sobre questões relativas ao ensino e cursos. Em 2005 e 2006, Isabel e a coordenadora da Pós-graduação em Educação Profissional em Saúde da EPSJV, Marise Ramos, promoveram assessorias junto ao setor de educação do MST. Já este ano, Isabel participou do seminário Que Educação, Para que Trabalho e Para que Campo, promovido pelo Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (Iterra) com o objetivo de discutir a formação profissional realizada e desejada pelo movimento da Reforma Agrária do Campo na região Sul do país. “Temos organizado debates que buscam a troca de conhecimentos e percepções em torno da educação. Tanto o MST como a EPSJV trabalham na perspectiva da formação técnica integral e da iniciação científica nos ensinos médio e técnico. Nossos projetos institucionais se assemelham também na construção coletiva do processo educativo, na preocupação com a formação docente e no entendimento de que essas questões não são apartadas da crítica ao capital e da possibilidade de se construir um outro projeto de sociedade”, diz.



Em 2007, com o ingresso da pesquisadora Virginia Fontes na EPSJV, a parceria se estendeu para a Escola Nacional Florestan Fernandes, instituição criada pelo MST em Guararema (SP)  para a formação política de quadros do Movimento. Professora da Pós-graduação em Educação Profissional, Virgínia já trazia uma larga experiência de trabalho com o MST: ela participa de convênios do Movimento com universidades públicas e é responsável pela implantação de cursos conjuntos como, por exemplo, o Realidade Brasileira, desenvolvido na Universidade Federal Fluminense (UFF). Na opinião da pesquisadora, os projetos do MST e da EPSJV se cruzam na medida em que buscam explorar a relação entre trabalho, educação e saúde. “É importante estabelecer a interface entre situações que são semelhantes, embora, à primeira vista, pareçam diferentes. Um exemplo é o exercício de pensar a saúde coletiva junto com a socialização dos serviços públicos”, conta a pesquisadora, que representou a EPSJV no 5° Congresso Nacional do MST.



Outro tema que tem mobilizado a cooperação entre o MST e a Escola Politécnica é a pesquisa. Recentemente, Isabel Brasil foi convidada a discutir com eles o desenvolvimento da iniciação científica no ensino técnico, tendo como referência principal o projeto Trabalho, Ciência e Cultura da EPSJV, por meio do qual os alunos são formados para produzir uma monografia de conclusão de curso. O Iterra -- que coordena as atividades de ensino e pesquisa do MST e abarca o Instituto de Educação Josué de Castro, voltado para a formação de técnicos, e a Escola Nacional Florestan Fernandes, de educação política não-formal -- já tem um termo de referência em pesquisa, mas está debatendo caminhos para aperfeiçoá-lo. A EPSJV também tem aproveitado essas discussões para sistematizar o seu próprio termo de pesquisa. “O maior ganho da parceria com o MST se dá na troca de concepções em torno desses pontos em comum nos projetos, o que ajuda a Escola a pensar a questão do trabalhador de nível técnico da saúde e do campo”, comenta Isabel.



A mesma preocupação com as condições da população rural e com os profissionais em saúde para o campo levou o Laboratório de Vigilância em Saúde (Lavsa) da EPSJV a desenvolver o projeto Demandas de Saúde do MST: Elementos para a Formulação de Proposta Didático-pedagógica Voltada para a Promoção à Saúde da População do Campo. O objetivo é elaborar uma proposta didático-pedagógica para a formação de profissionais de nível médio em saúde para o trabalho no campo. Para traçar as ações mais eficazes na melhoria da saúde do campo, o projeto de pesquisa se concentra nas condições e demandas de saúde dos assentados do MST. “O MST é a melhor representação que poderíamos ter, pois é o movimento mais expressivo na luta pela reforma agrária e pela melhoria das condições de vida da população do campo. Além disso, ele visa romper com o modelo econômico vigente, que exclui a parcela rural da sociedade das riquezas produzidas, não privilegia o desenvolvimento sustentável e acarreta subemprego, êxodo rural, desemprego nas cidades e formação de periferia, ou seja, um modelo atrasado e sem infra-estrutura”, explica o co-coordenador do projeto, José Paulo Vicente.



Os integrantes do projeto realizam pesquisas qualitativas que englobam a análise de bibliografia sobre o tema, trabalho de campo e entrevistas em assentamentos e acampamentos do MST do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul. “Na formulação do projeto está a noção de olhar para o sujeito para o qual se dirige a política pública - aquele cuja visão, historicamente, não é levada em conta. Por isso, é importante incorporar os movimentos sociais. O projeto se dispõe a olhar de forma diferente para o campo, buscando estabelecer políticas públicas focadas nessa população e ainda reunir elementos necessários para pensar políticas de vigilância e promoção da saúde para o campo”, avalia José Paulo.

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