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22/06/2022

Fiocruz e Lacens concluem novos sequenciamentos do vírus da dengue

Vinicius Ferreira (IOC/Fiocruz)


A Fiocruz e Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacens) do Centro-Oeste concluíram novos sequenciamentos do vírus da dengue. O trabalho de vigilância genômica na região foi intensificado depois da identificação inédita do genótipo cosmopolita do sorotipo 2 do patógeno no Brasil, realizada em maio, em Goiás. As novas análises detectaram a linhagem em mais 14 amostras, de Goiás (7), Mato Grosso do Sul (4) e Mato Grosso (3), elevando para 15 o total de registros na região.

Os sequenciamentos genéticos foram realizados pelo Laboratório de Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) em parceria com os Lacens dos três estados. Os relatórios referentes ao trabalho foram enviados para as Secretarias estaduais de Saúde, o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

O genótipo cosmopolita é a linhagem mais disseminada do sorotipo 2 do vírus da dengue em todo o mundo, com presença na Ásia, Pacífico, Oriente Médio e África. Nas Américas, a primeira identificação ocorreu em 2019, durante um surto no Peru. No Brasil, além das notificações no Centro-Oeste, seis casos foram detectados em análises realizadas pelo Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, no mês passado.

 

Arte: Jefferson Mendes

 

O pesquisador do Laboratório de Flavivírus do IOC/Fiocruz, Luiz Alcântara, que coordenou o estudo no Centro-Oeste, afirma que os novos dados confirmam a circulação sustentada da linhagem na região. “Considerando o aumento do número de casos de fevereiro até hoje, vemos que o genótipo cosmopolita do sorotipo 2 do vírus da dengue está sendo transmitido de maneira ativa”, declara o virologista.

Dos 15 achados, dois ocorreram em amostras referentes a casos de 2021: um registrado em julho, no Mato Grosso do Sul, e outro, em novembro, em Goiás (sendo este o primeiro caso detectado no país, durante uma ação de vigilância genômica efetuada em maio no estado). As identificações restantes foram realizadas em amostras referentes a casos ocorridos a partir de fevereiro de 2022. Em dois casos, registrados em Goiás, a linhagem cosmopolita foi detectada em amostras referentes a casos de óbito por dengue.

De acordo com Alcântara, os achados reforçam a importância das ações de vigilância para mapear a disseminação da linhagem no Brasil. “É necessário que se faça a vigilância em todos os estados do país”, aponta.

Rotas do vírus

A ampliação do número de sequenciamentos genéticos no Centro-Oeste permitiu apontar que a introdução da linhagem cosmopolita no Brasil teve origem a partir do Peru. Além disso, embora o genótipo tenha sido detectado primeiro em Goiás, a circulação viral ocorreu antes no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul. “Na nossa análise evolutiva, vemos que o vírus saiu do Peru e entrou no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul e, posteriormente, foi para Goiás”, diz Alcântara.

Segundo o pesquisador, o sequenciamento de mais amostras será necessário para esclarecer em qual estado o patógeno circulou primeiro e se houve passagem por outros países antes da chegada ao Brasil. Uma das suspeitas é de que o vírus possa ter chegado ao Mato Grosso pela fronteira com o Paraguai, tendo em vista que o país vem registrando altos números de casos de dengue.

“Para responder a isso, estamos trabalhando em parceria com o Laboratório Central de Saúde Pública do Paraguai. Em julho, eles devem vir ao Laboratório de Flavivírus do IOC/Fiocruz, no Rio de Janeiro, onde realizaremos o sequenciamento de amostras coletadas no país”, antecipa Alcântara.

Também no primeiro semestre deste ano, os cientistas devem realizar sequenciamentos genéticos em parceria com o Lacen do Paraná. Além da fronteira com o Paraguai, o estado faz divisa com Mato Grosso do Sul e São Paulo, duas unidades da federação onde o genótipo cosmopolita foi detectado.

Genótipo mais disseminado

O genótipo cosmopolita do sorotipo 2 do vírus da dengue é o mais disseminado e de maior impacto no mundo. Porém, não há dados suficientes para confirmar que a linhagem é mais transmissível ou pode levar a casos de maior gravidade do que outras.

Neste cenário, os pesquisadores planejam outra etapa de pesquisa, com o objetivo de investigar, em laboratório, as características da infecção causada pela linhagem. “Estamos fazendo o isolamento dos vírus e vamos fazer experimentos para avaliar, em modelo experimental, se há aumento da gravidade da doença ou não”, esclarece o virologista.

O pesquisador acrescenta que, por si mesmo, o aumento da diversidade dos vírus da dengue em circulação no país pode elevar o risco de casos graves da doença.

“Os casos de dengue severa, que podem levar a óbito, estão muito relacionados à reinfecção com sorotipos diferentes. À medida que temos mais um genótipo em circulação, cresce a população de um determinado sorotipo. Isso aumenta a possibilidade dos casos de reinfecção e, consequentemente, de casos graves de dengue”, explica.

O pesquisador reforça ainda que o combate ao mosquito Aedes aegypti, vetor da doença, é a principal forma de conter a disseminação do vírus, independentemente dos sorotipos ou linhagens em circulação.

“É muito importante que a população saiba que tem mais um genótipo do vírus da dengue no país e que as medidas de controle do vetor devem continuar. Mesmo com a proximidade do inverno, é preciso evitar o acúmulo de água parada nas residências, o que sempre foi preconizado pelo Ministério da Saúde”, diz Alcântara, lembrando que, apesar das baixas temperaturas reduzirem a proliferação do vetor, o cuidado semanal de verificação dos criadouros precisa continuar.

Projeto de vigilância genômica

Para investigar a circulação da linhagem cosmopolita no Centro-Oeste, os pesquisadores realizaram o sequenciamento genético de todas as amostras armazenadas nos Lacens da região referentes a casos de infecção pelo sorotipo 2 do vírus da dengue registrados desde 2019. Ao todo, foi possível decodificar 100 genomas do patógeno, sendo 87 de Goiás, 10 do Mato Grosso do Sul e três do Mato Grosso.

Todas as 72 amostras de 2019 e 2020 foram identificadas como pertencentes ao genótipo asiático americano (também chamado de genótipo III do sorotipo 2), que há anos circula no Brasil. Entre as 15 amostras de 2021 analisadas, duas apresentaram o genótipo cosmopolita. Já em 2022, entre 16 amostras decodificadas, 13 pertenciam a essa linhagem.

“Essas amostras representam apenas uma parte dos casos de dengue registrados nesses estados, pois nem sempre é possível coletar amostras no volume necessário para o sequenciamento genético”, esclarece Alcântara.

A identificação inédita do genótipo cosmopolita do vírus da dengue no Brasil e os novos sequenciamentos genéticos foram realizados a partir de um projeto de vigilância genômica de arbovírus em tempo real, liderado por Luiz Alcântara, pesquisador do Laboratório de Flavivírus do IOC/Fiocruz. Na iniciativa, os pesquisadores se deslocam para os estados para realizar a decodificação de genomas.

Desde 2020, o trabalho contempla também a vigilância genômica do Sars-CoV-2, causador da Covid-19, recebendo o nome de UWARN (United Word Antiviral Research Network). O projeto tem colaboração do Ministério da Saúde, através das coordenações Gerais das Arboviroses (CGArb) e de Laboratórios de Saúde Pública (CGLab), e Organização Pan-americana da Saúde (Opas), sendo financiado pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês), dos Estados Unidos.

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