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28/05/2013

Fiocruz investiga o papel de canídeos e felinos silvestres na transmissão de doenças

Isadora Marinho


Uma das savanas mais ricas em biodiversidade do planeta, o Cerrado brasileiro constitui o segundo maior bioma da América do Sul e permanece como guardião de patrimônios naturais de relevância econômica e genética. Porém, ao mesmo tempo em que abriga riquezas naturais – as nascentes das maiores bacias hidrográficas nacionais, 5% de todas as espécies do mundo e um terço das brasileiras – o território é habitado por parasitos causadores de doenças tropicais e seus respectivos vetores. Em municípios como Araguari (MG) e Cumari (GO), que apresentam casos de leishmanioses e ciclo silvestre de transmissão do Trypanosoma cruzi, agente etiológico causador da doença de Chagas, poucos quilômetros separam raposas, cachorros-do-mato e jaguatiricas de homens, cães e gatos domésticos. Nesse circuito, todos se tornam importantes elementos da cadeia de transmissão, sendo os animais possíveis reservatórios de parasitos. Essa arriscada coabitação é resultado de décadas de intensas intervenções humanas, envolvendo a agricultura, o desmatamento, a pecuária e a urbanização, que reduziram o Cerrado à metade de sua vegetação original e o fragmentaram em porções que, hoje, estão dispersas em oito estados brasileiros. Confira aqui o blog do repórter fotográfico Adriano Gambarini, da revista National Geographic, que acompanhou a expedição.

Raposa-do-campo capturada durante a campanha: o canídeo é o menos estudado da América Latina e recebe atenção especial no programa (Foto: Carolina Oliveira)

 

Realizado desde 2009 com a participação de diversas instituições – dentre elas, o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), por meio do Laboratório de Biologia de Tripanossomatídeos – o Programa de Conservação Mamíferos do Cerrado (PCMC) monitora a saúde, o comportamento, níveis de stress e aspectos genéticos dos animais vivendo em habitats antropizados, ou seja, transformados pela ação humana. A primeira atividade em campo no ano de 2013, o Projeto Raposa-do-Campo, teve início em abril e vem levantando informações a respeito deste e de outros canídeos da região. Pela primeira vez, pesquisadores do IOC participaram do processo de coleta do sangue, medula e fragmentos de pele dos animais capturados em armadilhas. Em busca de parasitos intestinais, protozoários do gênero Leishmania ou T. cruzi, os especialistas André Roque e Fabiana Lopes vêm se revezando em viagens a Cumari.

“O objetivo é entender o papel de cachorros-do-mato, lobos-guará e raposas-do-campo no ciclo de transmissão destes parasitos e fazer um levantamento sobre a saúde dos animais, contribuindo com o desenvolvimento de estratégias de conservação”, explica Fabiana, uma das responsáveis por criar o protocolo de coleta de amostras biológicas para análise. A atuação em campo é uma novidade: até pouco tempo, o IOC apenas recebia as amostras sorológicas para processamento.

Roque e Fabiana (à direita) colhem amostras da raposa batizada de Flávia: pesquisadores colaboram desde 2009 e participam, agora, das expedições ao Cerrado (Foto: Adriano Gambarini)
 

De acordo com Roque, a equipe investiga, ainda, como verminoses podem modular as infecções. “Sabemos que o mico-leão-dourado infectado por determinada carga de helmintos sofre modificações na saúde, que o tornam menos capaz de controlar infecções por T. cruzi, por exemplo. Ele não somente desenvolve a doença como também se torna mais infectivo para os vetores, uma vez que a presença de protozoários na circulação sanguínea aumenta”, esclarece. A chefe do Laboratório de Biologia de Tripanossomatídeos do IOC, Ana Maria Jansen, também participa da iniciativa e ressalta a importância do estabelecimento de uma interface entre pesquisadores da área de ecologia e da saúde. “Quando você estuda biodiversidade, precisa incluir o estudo dos parasitas – afinal, eles fazem parte dela e atuam como poderosos moduladores”, destaca. Das campanhas e pesquisas de campo realizadas pelos pesquisadores do Laboratório nos últimos quatro anos, nasceu um artigo científico que compila informações sobre a infecção de carnívoros pelo T. cruzi em diversos biomas brasileiros, como o Pantanal e vegetações de transição entre a Mata Atlântica e o Cerrado. O estudo acaba de ser aceito pela revista Plos One e deverá ser publicado em breve.

Parcerias para seguir em frente

A primeira análise do material coletado é realizada em uma estação laboratorial montada em meio à mata nativa, de forma colaborativa. “Cada parceiro levou um equipamento, porque o processamento básico das amostras e a hemocultura devem ser realizados imediatamente. Depois, levamos o material para o laboratório, onde o submetemos a uma série de análises ao longo de mais 60 dias”, explica Fabiana. De acordo com a especialista, a raposa-do-campo é um dos canídeos menos estudados da América Latina e este projeto configura o maior do gênero realizado até então. “Essa etapa do estudo termina em junho e, em setembro, daremos início ao Projeto Onça-Parda, o primeiro monitoramento deste felino a ser realizado com auxílio de aparelhos de GPS no Brasil. Cinco animais já estão com o rastreio”, pontua. A especialista ressalta que as expedições do PCMC ao Cerrado são realizadas com autorização do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) e sob rígido controle de biossegurança.

Raposinha liberada da consulta: o fotógrafo da National Geographic, Adriano Gambarini, registrou o dia-a-dia da equipe de campo em seu blog (Foto: Adriano Gambarini)
 

Além de Fabiana, Roque e Ana Maria, estão envolvidas a pesquisadora Alena Iñiguez, do Laboratório de Biologia de Tripanossomatídeos e a mestranda Daniela Vallim, cujo tema da dissertação será desenvolvido com base no Projeto Onça-Parda. O PCMC constitui um grupo de pesquisa junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), liderado pelos biólogos Frederico Gemesio Lemos (Universidade Federal de Goiás) e Fernanda Cavalcanti de Azevedo (Universidade de Viçosa). Dentre os parceiros estão a Fundação Parque Zoológico de São Paulo; Instituto Smithsonian, nos Estados Unidos; Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); Universidade Federal de Goiás (UFG); Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e Universidade de São Paulo (USP). O PCMC recebe, ainda, o apoio do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros, vinculado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Cenap/ICMBio). Também oferecem suporte à iniciativa as entidades americanas Cleveland Metropark Zoo, o Idea Wild e o Neotropical Grassland.

 

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