28/11/2016
Alexandre Matos (Farmanguinhos/Fiocruz) e Renata Moehlecke (Agência Fiocruz de Notícias)
O Brasil se tornou referência mundial no enfrentamento da Aids em função de sua sólida política de combate a essa doença, e o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) é um parceiro estratégico do Ministério da Saúde para assistência farmacêutica ao paciente brasileiro. Há 17 anos, a unidade começava a produção do primeiro antirretroviral, o AZT, mais conhecido como zidovudina. Desde então, não parou de ampliar seu portfólio. Em 2016, a unidade da Fiocruz vem trabalhando no desenvolvimento de um medicamento inovador voltado para crianças que vivem com HIV/Aids: o efavirenz pediátrico dispersível em água, elaborado a partir de nanotecnologia.
Antirretroviral lamivudina+zidovudina saindo da compressora: equipamento que transforma pó em comprimido (foto: Edson Silva / Farmanguinhos / Fiocruz)
Atualmente, Farmanguinhos/Fiocruz produz sete dos 23 medicamentos que compõem o coquetel antiaids oferecido pelo Ministério da Saúde: atazanavir, efavirenz, lamivudina, nevirapina, zidovudina, lamivudina+zidovudina e tenofovir+lamivudina. A estimativa é de que, até o fim de 2016, sejam produzidas mais de 150 milhões de unidades farmacêuticas dessa categoria de medicamentos.
Para ampliar sua lista de antirretrovirais, o Instituto participa ainda de Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDP). Uma delas é o triplivir, que reúne três fármacos em um único comprimido (tenofovir, lamivudina e efavirenz). Os acordos envolvem a produção do medicamento e a do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA), principal substância, responsável pelo efeito terapêutico. Além de ofertar produtos de primeira linha no Sistema Único de Saúde (SUS), outro objetivo da PDP é nacionalizar novas tecnologias e, com isso, fortalecer também a indústria farmoquímica nacional. No momento, a unidade aguarda o registro junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para iniciar a fabricação.
Tratamento infantil
Além da produção, o Instituto trabalha no desenvolvimento de antirretrovirais pediátricos, atendendo a política da Organização Mundial da Saúde (OMS) de estimular formulações mais adequadas para as crianças. Dessa forma, um dos estudos usa nanotecnologia na elaboração do efavirenz. Trata-se de um comprimido com sabor mais agradável, que se dispersa em água para facilitar a ingestão pelas crianças.
Técnico de produção coloca os insumos em pós no misturador: pó se torna comprimido no equipamento (foto: Edson Silva / Farmanguinhos / Fiocruz)
Segundo o coordenador do estudo, Helvécio Rocha, já foram realizados testes prévios em cobaias na escala micrométrica (mil vezes maior do que a nano), comprovando a biodisponibilidade in vivo, ou seja, ficou confirmado que houve liberação da substância ativa no organismo. “Os resultados significam que uma menor dosagem poderia ser utilizada na formulação. No caso específico de crianças, é um benefício enorme, uma vez que poderia facilitar a fabricação de comprimidos menores, portanto, mais fáceis de serem deglutidos”, explica o pesquisador. A previsão é de que em dois anos comecem os testes em humanos.
De acordo com o Ministério da Saúde, a maior diferença entre antirretrovirais pediátricos e adultos está na apresentação farmacêutica, sendo líquidos para crianças de até seis anos de idade, e comprimidos para os demais pacientes. Sob este aspecto, outra importante vantagem é que a administração deste efavirenz é também mais fácil e segura do que as opções líquidas disponíveis, já que o comprimido é feito na dosagem exata para o tratamento, sem a necessidade de medir a quantidade a ser ingerida.
Além disso, os pesquisadores da unidade desenvolvem ainda um antirretroviral que associa três princípios ativos em um único comprimido: lamivudina 30mg + zidovudina 60mg + nevirapina 50mg. O medicamento foi elaborado com uma formulação edulcorada, ou seja, de sabor agradável para disfarçar o gosto amargo dos três fármacos. Além disso, o comprimido deverá ser dissolvido em uma pequena quantidade de água a fim de facilitar a ingestão pelas crianças. No momento, estão sendo realizados estudos clínicos.
Cooperação internacional
O Brasil tem intensificado seus esforços na ajuda ao continente africano. Um exemplo desta iniciativa é a implantação da fábrica de antirretrovirais e outros medicamentos em Moçambique, em ação conjunta de Farmanguinhos/Fiocruz com a Sociedade Moçambicana de Medicamentos (SMM). Primeira instituição pública no setor farmacêutico do continente africano, a fábrica iniciou as operações em 2012, e produzirá 226 milhões de unidades de antirretrovirais por ano. Esta quantidade deverá beneficiar cerca de 2,7 milhões de pessoas vivendo com HIV/Aids em Moçambique.
Imagem do projeto da fachada da fábrica de produção de antirretrovirais em Moçambique
Desde 2012, a SMM já produziu cerca de 18 milhões de unidades farmacêuticas de antirretrovirais e outras tipos categorias de medicamentos. Está prevista a produção de antibióticos, antianêmicos, anti-hipertensivos, anti-inflamatórios, hipoglicemiantes, diuréticos, antiparasitários e corticosteróides. A tecnologia para desenvolvimento e produção dos medicamentos será transferida gradualmente por Farmanguinhos à instituição moçambicana.
Todas essas ações reafirmam a missão de Farmanguinhos em atuar com responsabilidade socioambiental na promoção da saúde pública por meio da produção de medicamentos, pesquisa, desenvolvimento tecnológico, geração e difusão de conhecimento.