11/04/2024
Ricardo Valverde (Agência Fiocruz de Notícias)
A Fiocruz promoveu, nesta quinta-feira (11/4), o seminário Arboviroses: desafios e perspectivas na abordagem. O evento, na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), no Rio de Janeiro, reuniu pesquisadores e gestores das três esferas de governo na área da Saúde, além de representantes de instituições parceiras, como a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). A coordenadora de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Fiocruz, Tânia Maria Peixoto Fonseca, afirmou, na mesa de abertura do seminário, que o cenário das arboviroses, amplamente conhecido pelos presentes, apresenta numerosos desafios, alguns que persistem há décadas e outros mais recentes, como os provocados pelas mudanças climáticas.
Seminário reuniu pesquisadores e gestores das três esferas de governo na área da Saúde, além de representantes de instituições parceiras, como a Opas (foto: Peter Ilicciev)
“A resposta, infelizmente, não está apenas no nosso campo. Conhecemos as estratégias para enfrentar os problemas de saúde, mas a infraestrutura não depende apenas de nós. Temos conhecimento, mas temos falhas na Atenção Básica. Temos conhecimento, mas mesmo assim o manejo vetorial muitas vezes é feito de maneira equivocada. Temos conhecimento, mas mesmo assim a infraestrutura de coleta de lixo, de saneamento e de abastecimento de água em nossas cidades é, em geral, insuficiente”, disse Tânia.
Citando dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), ela disse que os impactos do clima e das mudanças ambientais poderão levar cerca de metade da Humanidade a desenvolver dengue. “É uma doença socioambientalmente determinada”. Por isso, segundo a coordenadora, é tão importante manter uma estratégia de parceria e sinergia entre as gestões federal, estaduais e municipais, em conjunto com as instituições de ensino e pesquisa, permitindo a ampliação das respostas às emergências sanitárias.
Coordenadora de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Fiocruz, Tânia Fonseca destacou que o cenário das arboviroses apresenta numerosos desafios, alguns que persistem há décadas e outros mais recentes, como os provocados pelas mudanças climáticas (foto: Peter Ilicciev)
Em seguida, houve a intervenção do coordenador da Unidade de Vigilância, Preparação e Resposta às Emergências e Desastres da Opas no Brasil, Alexander Rosewell. Ele disse que o continente americano vive um momento sem precedentes em relação à dengue, com o número de casos ultrapassando a marca de 4,5 milhões e o de mortes chegando a 1,5 mil. “É um número três vezes maior que o de 2023, com curvas epidêmicas em ascensão”.
Rosewell afirmou que 83% dos casos estão no Brasil e que o país historicamente tem desenvolvido muitas inovações no combate às arboviroses, grande parte delas na Fiocruz, como o PCR multiplex, além de muitas abordagens adotadas pelo Ministério da Saúde (MS) e que estão em conformidade com o que a Opas preconiza. Segundo ele, é preciso reforçar a coordenação das ações para otimizar recursos nos três níveis (federal, estaduais e municipais) do Sistema Único de Saúde (SUS).
A secretária estadual de Saúde do Rio, Claudia Maria Braga de Mello, relatou os avanços obtidos a partir da maior cooperação com o governo federal e as administrações municipais fluminenses. Ela disse que a inauguração, com o apoio da Opas, do Centro de Inteligência em Saúde (CIS), em 2023, ajudou bastante nas projeções epidemiológicas, na capacitação de equipes e na parceria com instituições como o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) visando o enfrentamento das arboviroses.
O presidente da Fiocruz, Mario Moreira, observou que o mundo enfrenta uma séria crise, com doenças eclodindo – ou se agravando – em diversos pontos devido às mudanças climáticas e à degeneração do meio ambiente. “Situação que, no Brasil, reverbera com muito mais força tendo em vista a histórica e persistente desigualdade social”. Ele disse que a Fiocruz tem um papel importante no enfrentamento às arboviroses e que está no DNA da instituição o combate às crises sanitárias e às endemias. “O aparato que compõe a Fiocruz, constituído por produção, pesquisa, vigilância, inovação, ensino e comunicação está inteiramente à disposição do país para o desafio das arboviroses”.
Presidente da Fiocruz, Mario Moreira destacou que a Fundação vai ampliar o projeto Wolbachia (foto: Peter Ilicciev)
Ele destacou que a Fundação vai ampliar o projeto Wolbachia para os estados do Paraná, Ceará e Minas Gerais em 2025. A tecnologia Wolbachia consiste em introduzir nos mosquitos uma bactéria – chamada Wolbachia – que os impede de transmitir a dengue e outros vírus transmitidos pelo Aedes aegypti. Com eficácia comprovada, o método protege mais de 3 milhões de pessoas no Rio de Janeiro, em Niterói, Campo Grande, Belo Horizonte e Petrolina (PE). E também citou a negociação com uma empresa japonesa para produzir a vacina contra a dengue no Brasil.
Depois houve a apresentação da secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA) do Ministério da Saúde, Ethel Maciel. Ela agradeceu a parceria do sistema InfoDengue, de monitoramento de arboviroses desenvolvido por pesquisadores da Fiocruz e da Fundação Getulio Vargas (FGV), e da Rede Genômica Fiocruz, que têm abastecido o MS com dados. “E os governos estaduais e as prefeituras também estão usando essas tecnologias elaboradas na Fiocruz. Em janeiro já havíamos recebido os informes sobre o cenário do aumento de número de casos de oropouche”.
Segundo ela, o Ministério da Saúde retomou o papel de planejar, coordenar e prover recursos aos entes federados no enfrentamento das crises sanitárias. Ela listou todas as ações do governo federal sob o guarda-chuva da campanha Brasil Unido contra a Dengue, que este ano incluiu zika e chikungunya. “Depois de seis anos de não-cumprimento de acordos federativos com estados e municípios por governos anteriores, o Ministério está novamente articulando as três esferas de governo. A situação era muito difícil. Quando assumimos não havia testes de diagnóstico e nem inseticidas disponíveis. Todos os estoques estão reconstituídos”.
A secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, Ethel Maciel, ressaltou a importância da parceria do sistema InfoDengue, que monitora arboviroses, desenvolvido por pesquisadores da Fiocruz e da FGV (foto: Peter Ilicciev)
Ela disse que em setembro de 2023 foi feita uma previsão, a partir de dados do InfoDengue, levando em conta os efeitos do fenômeno climático El Niño e do aumento da quantidade de chuvas em alguns estados. “A partir daí convocamos todas as coordenações de vigilância de arboviroses dos estados, das capitais e de determinados municípios com grande incidência de dengue. No entanto, tivemos em 2024 uma epidemia que foge ao padrão. Normalmente o aumento do número de casos ocorre a partir da Semana Epidemiológica 15. Este ano o pico se deu entre as SE 9 e 11”, comentou a secretária.
Ethel também ressaltou a compra da vacina contra a dengue e a distribuição aos estados. “Adquirimos 95% da produção da empresa japonesa, cerca de 6,5 milhões de doses. Sendo que a distribuição das doses foi amplamente discutida com os secretários estaduais e municipais de Saúde. Também distribuímos 645 mil testes de sorologia e 540 mil testes de biologia molecular. E para o controle vetorial enviamos 76 toneladas de larvicida BTI, 8 toneladas de adulticida para pontos estratégicos e 118 mil litros de adulticida para UBV (fumacê)”.
De acordo com a secretária, os recursos do MS destinados ao enfrentamento da dengue envolvem as ações de vigilância e controle do vetor (R$ 256 milhões), a compra de vacinas (R$ 135 milhões) e de componentes da assistência farmacêutica (R$ 312 milhões), o projeto Wolbachia (R$ 30 milhões) e mais R$ 1,5 bilhão em decretos de emergência. “Outra frente importante foi a parceria com o Ministério da Educação para a conscientização do problema nas escolas”.
Em seguida, o subsecretário de Promoção, Atenção Primária e Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Renato Cony, apresentou o plano de enfrentamento à dengue da cidade. Segundo ele, a taxa de incidência de dengue por 100 mil habitantes, no município, subiu de 359,07 em 2023 para 1.377,24 em 2024. Foram 22.695 casos no ano passado, com 9 mortes, e 87.048 neste ano, com 7 mortes, até 8 de abril. No caso da chikungunya, o número de casos de 2024 (658) está bem próximo do de 2023 (661). Não foram registrados casos de zika no município nos dois anos citados.
O consultor Carlos Frederico Campelo de Albuquerque e Melo, do escritório da Opas no Brasil, discorreu sobre a dengue nas Américas. Ele disse que a situação brasileira influencia bastante o número de casos no continente. O Brasil lidera esse ranking, seguido por Paraguai, Argentina, Peru e Colômbia. Sendo que em relação à incidência o Paraguai está na frente do Brasil. Ele chamou a atenção para os altos níveis de incidência nas pequenas ilhas do Caribe. Em relação ao número de mortes, o Brasil está em primeiro lugar, seguido por Argentina, Peru, Paraguai e Colômbia. E, na questão da letalidade, os cinco primeiros colocados são Panamá, Guatemala, Peru, Bolívia e Honduras.
A coordenadora-geral de Vigilância de Arboviroses do Departamento de Doenças Transmissíveis da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, Livia Carla Vinhal Frutuoso, abordou os desafios e perspectivas das arboviroses. Segundo ela, as arboviroses são um problema de saúde pública em mais de 100 países e metade da população mundial está sob risco. Houve um aumento de dez vezes nos casos notificados, de 2000 a 2019, passando de 500 mil para 5,2 milhões, com casos até em países da Europa, como Espanha, França e Itália. “E aqui no Brasil vimos o aumento do número de casos de oropouche, que passaram de 832 em 2023 para 3.324 em 2024”.
A superintendente de Informação Estratégica em Vigilância e Saúde da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, Luciane Velasque, comentou sobre a atuação do Centro de Inteligência em Saúde (CIS). Ela disse que a Secretaria tem feito uma série de ações, como treinamento com profissionais da rede estadual, especialmente médicos, oferecendo orientações sobre manejo clínico dos pacientes, além de distribuir kits com medicamentos e insumos aos municípios e avaliar e ajudar na elaboração dos planos de Contingência das cidades. Também foram criadas brigadas contra o mosquito e de controle ambiental.
A infectologista Otília Lupi, do Laboratório de Doenças Febris Agudas do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), abordou a questão do manejo clínico de adultos e idosos com dengue. Contando em detalhes sua experiência de médica na Fiocruz, ela relatou casos de atendimento, mostrou como médicos podem reconhecer sinais de alarme de dengue, avaliar indicações para internação hospitalar e ilustrou com fotos de pacientes (não-identificados).
O pesquisador Rivaldo Venâncio da Cunha, da Fiocruz e da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), fez comentários sobre o espectro clínico da chikungunya, que segundo ele mata na mesma proporção da dengue, e os desafios na assistência da enfermidade. Ele destacou a dificuldade inicial de diagnóstico e enfatizou o comprometimento extra-articular, que pode afetar olhos, coração, rins, pulmões, pele e outros órgãos.
Pesquisador da Fiocruz, Rivaldo Venâncio fez comentários sobre o espectro clínico da chikungunya, que segundo ele mata na mesma proporção da dengue (foto: Peter Ilicciev)
Cunha afirmou que a doença pode evoluir em três fases; aguda (até 14 dias), pós-aguda (até 90 dias) e crônica (mais de 90 dias). Ele também listou os sinais e sintomas mais frequentes, de acordo com as fases em pessoas adultas. Na fase adulta, febre, artralgias/artrites e manifestações cutâneas. Na fase pós-aguda, poliartrite, dores aticulares, tenossinovite hipertrófica em punhos e tornozelos e síndrome do túnel do carpo. E na fase crônica, dores recorrentes/intermitentes em mãos, pinhos, joelhos, tornozelos, edema, rigidez matinal e comprometimentos cervicais e em ombros.
O pesquisador Filipe Naveca, chefe do Laboratório de Arbovírus e Vírus Hemorrágicos do IOC/Fiocruz e coordenador do Núcleo de Vigilância de Vírus Emergentes, Reemergentes ou Negligenciados da Fiocruz Amazônia, abordou o vírus oropouche, que teve um grande aumento no número de casos na região em 2024. Ele disse que esta semana também foram confirmados casos de oropouche em Teresina. De acordo com a Secretaria de Saúde do Piauí, até esta quinta-feira (11/4), são oito casos, sendo três em Teresina e cinco em Amarante.
Naveca citou o protocolo de diagnóstico por PCR em tempo real para a detecção do oropouche, desenvolvido na Fiocruz Amazônia, e citou as capacitações em detecção de arbovírus que estão sendo feitas para profissionais da saúde em estados da região e também no Mato Grosso do Sul e no Suriname – neste caso, a partir de uma demanda da Opas. O pesquisador comentou também sobre o artigo O surgimento de um novo vírus oropouche recombinante impulsiona surtos persistentes na região amazônica brasileira de 2022 a 2024, publicado pela Virological.org.
O pesquisador da Fiocruz Filipe Naveca abordou o vírus oropouche, que teve um grande aumento no número de casos na região Norte em 2024 (foto: Peter Ilicciev)
Naveca disse que a vigilância genômica ajudou a responder outra pergunta: de onde veio o oropouche que está causando o aumento recente de casos? “O primeiro evento se deu na linhagem 1955-2003, que rearranjou com o vírus Perdões de 2012. Em paralelo, outro rearranjo ocorreu, com o Orov da década de 1990 e o Iquitos de 1999, ambos no Peru, gerando a linhagem que chamamos de Peru/Colômbia/Equador 2009-2021. E, finalmente, estes dois vírus rearranjam, levando ao surgimento da linhagem 2015-2024. Assim como os vírus da influenza, os vírus segmentados, como os do oropouche, dão saltos evolutivos”, explicou.
O seminário teve ainda a participação da médica Daniela Vidal, da Comissão de Óbitos de Interesse em Saúde Pública da subsecretaria de Vigilância e Atenção Primária em Saúde da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro. Ela comentou sobre a atuação do setor na análise de mortes suspeitas por arboviroses.