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12/06/2013

Fundação sedia debate sobre uso de antirretrovirais como estratégia de prevenção do HIV

Danielle Monteiro e Priscila Sarmento


Um dos principais pesquisadores na área da transmissão e prevenção do HIV, o professor americano Myron Cohen ministrou palestra na Fiocruz na terça-feira (11/6), sobre o uso de antirretrovirais como estratégia de prevenção do HIV. Antes da conferência, o professor se reuniu com pesquisadores da Fundação que fazem estudos sobre Aids para apresentar algumas das inciativas em busca da prevenção e cura da doença conduzidas pela Rede de Estudos de Prevenção do HIV (HIV Prevention Trials Network – HPTN) dos Institutos Nacionais de Saúde (National Institutes of Health – NIH) dos Estados Unidos e de outras instituições do mundo. Copesquisador principal da rede, Cohen tem como linha central de pesquisa a transmissão e prevenção do HIV.

Myron Cohen na palestra na Fiocruz (Foto: Peter Ilicciev)

 

Autor de mais de 500 artigos sobre o tema, Cohen destacou o papel desempenhado pela Fiocruz, por meio do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec), no estudo HPTN 052, no qual o professor atuou como investigador principal. Trata-se de um ensaio clínico que apontou que, quando o soropositivo adere a um esquema eficaz de terapia antirretroviral, o risco de transmissão para seu parceiro sexual não infectado pelo HIV pode ser reduzido em até 96%. “A Fiocruz exerceu um papel crítico e muito importante nos ensaios clínicos e participou do projeto de diferentes formas, mostrando um grande potencial na condução de futuros estudos. Sem a Fundação o projeto não teria sido possível”, disse. A pesquisa HPTN 052 foi eleita a maior inovação científica do mundo no ano de 2011 pela revista americanaScience, considerada uma das melhores publicações científicas do mundo.

Um dos estudos destacados pelo professor, e que também teve participação do Ipec/Fiocruz, foi o iPrEX (sigla para Iniciativa Profilaxia Pré-Exposição – PrEP), que testou a eficiência do uso do antirretroviral Truvada, uma combinação de dois medicamentos (Emtricitabine e Tenofovir), na redução do risco de transmissão do HIV. Também entre as iniciativas abordadas está o HPTN 068 – que analisou se a ajuda financeira, bem como a frequência escolar, podem ser fatores de redução da disseminação de HIV em jovens mulheres na África do Sul – e o HPTN 069, que avalia a segurança e tolerância de quatro regimes com antirretrovirais na prevenção do HIV em homens homossexuais.

Outra ação destacada foi o estudo HPTN 071, que investiga se o aconselhamento e fornecimento de testes, junto com a oferta imediata de tratamento antirretroviral, pode ajudar na redução da incidência de HIV no sul da África; e ainda o HPTN 073, que vai atestar a iniciação, aceitabilidade, segurança e viabilidade da Profilaxia Pré-exposição para homens homossexuais negros, em três cidades dos EUA. Já o HPTN 075 consiste na detecção de indivíduos soropositivos que não estão em tratamento e não têm acesso aos serviços de saúde nos EUA. Segundo Cohen, há milhões de pessoas infectadas naquele país, mas somente 800 mil sabem que são soropositivas. Deste total, 500 mil buscam por tratamento e 300 mil se tratam da forma correta. “Muitos não tomam o coquetel, pois acham que estão saudáveis ou porque estão muito estressados com seu trabalho ou outro motivo a ponto de não se dar conta do problema que têm já que se sentem saudáveis”, explicou.

Cohen ainda fez um breve histórico das tentativas não acertadas feitas mundo afora na busca por uma vacina contra o HIV. Segundo ele, uma das grandes dificuldades na criação de uma vacina contra a doença é que o organismo geralmente começa a produzir os anticorpos contra o HIV somente de oito a dez anos após a receber a dose. Ele contou que uma das pesquisas internacionais em busca da imunização contra o HIV acompanhou 300 mil pessoas no Malaui e na África do Sul e conseguiu detectar todos os indivíduos a partir do dia em que foram infectados. Destas pessoas, 16 produziram anticorpos neutralizantes já nos primeiros meses de infecção, ao contrário do que comumente ocorre.  Além de se conectar ao vírus e alertar ao sistema imune que destrua aquele corpo estranho, os anticorpos neutralizantes podem evitar que o vírus complete a infecção. “A esperança é que a vacina contra o HIV contenha esses anticorpos. Para isso, precisamos entender como fazer uma vacina que convença as células B (tipo de linfócito que constitui o sistema imune que tem como principal função produzir anticorpos contra antígenos) a produzir os anticorpos em poucas semanas. E mais: precisamos convencer as células B a continuar a fabricar os anticorpos de uma forma concentrada para que possam prevenir o HIV por muitos anos”.

Pesquisadora da Fiocruz e coordenadora do estudo HPTN 052 no Brasil, Beatriz Grinsztejn disse que a visita de Cohen abre caminho para o estabelecimento de novas parcerias com a Rede de Estudos de Prevenção do HIV no campo de prevenção e tratamento do HIV. “Cohen é hoje uma das pessoas mais importantes no mundo na área. Esta é uma grande oportunidade para a Fiocruz mostrar seu potencial na condução de estudos no campo da prevenção e tratamento da Aids e assim nos colocarmos disponíveis para novos desafios”, declarou Beatriz. Ela também falou sobre o papel da Fundação no estudo HPTN 052. “A iniciativa nos exigiu uma interação grande com vários centros de testagem anônima. Tivemos que desenvolver uma série de estratégias para identificar indivíduos soropositivos que tivessem parceiros HIV negativos e tivessem uma alta contagem de CD4 (células do sistema imune que protege indivíduos contra infecções). Para isso, aumentamos a testagem, fizemos entrevistas no local e tomamos uma série de outras medidas”, contou.

Pesquisa brasileira é pioneira

Realizada pelo Grupo Hospitalar Conceição (GHC), em Porto Alegre, e coordenada pelo Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec/Fiocruz), no Rio de Janeiro, a pesquisa brasileira HPTN 052 é considerada um ensaio clínico pioneiro da Rede de Testes para Prevenção de HIV que demonstrou que, se indivíduos HIV positivos aderem a um esquema eficaz de terapia antirretroviral, o risco da transmissão do vírus ao parceiro sexual sem infecção pode ser reduzido em até 96%. Myron Cohen comentou os resultados do estudo e sua satisfação com os resultados.

“O estudo 052, para mim, tem duas coisas muito importantes. A possibilidade de ter a chance de falar com os pesquisadores e a segunda, era quando encontrava com os casais da pesquisa e perceber que ajudamos, contribuímos e o mais gratificante, ver os bebês nascendo”. O estudo mostrou que o tratamento com antirretrovirais, também pode diminuir a transmissão do vírus, servindo como um método para a prevenção da doença. Os antirretrovirais são medicamentos que controlam a ação do vírus HIV no organismo. O estudo 052 foi iniciado em 2005 e envolveu 1.763 casais sorodiscordantes, sendo 97% heterossexuais, em 13 centros de saúde que fazem parte da Rede de Testes em três continentes (Ásia, Américas e África).

A HPTN é uma rede colaborativa criada em 2000 e formada por instituições de diversos países que desenvolve ensaios clínicos focados no estudo da transmissão do vírus HIV/AIDS. Seu objetivo é desenvolver e implementar estratégias de prevenção que contribuam para uma redução significativa e mensurável da incidência de HIV em populações do mundo inteiro.

Como foi feita a pesquisa

Para participar do estudo, foram 890 homens e 873 mulheres que deveriam ter de 350 a 550 células de defesa por milímetro cúbico. Esse número indica a saúde do sistema imunológico dos soropositivos. Já os parceiros, todos inicialmente não afetados pelo HIV, fizeram testes para verificar se estavam livres do vírus 14 dias após aceitarem participar da pesquisa. Os investigadores separaram os casais em dois grupos. No primeiro, os portadores do vírus começaram a tomar remédios 60 dias depois do início do estudo. Já no segundo, os soropositivos começaram a terapia tardiamente, somente depois da contagem de células de defesa ficar abaixo de 250 por milímetro cúbico no sangue ou quando uma doença os afetava, como no caso da pneumonia pneumocística – doença causada pelo micro-organismo.

Ao todo, foram usados 11 medicamentos, em diversas combinações. Do total de casais, apenas 39 parceiros foram infectados. A transmissão entre os membros do casal ficou provada em 28 casos. Sete pessoas adquiriram o vírus de outra forma e quatro casos ainda aguardam análise. No caso das 28 transmissões do portador para o parceiro inicialmente não infectado, 27 ocorreram no grupo que começou a receber antirretrovirais tardiamente. Houve apenas um caso de contaminação do parceiro por um soropositivo que recebeu remédios desde o início do estudo. Durante o estudo, os participantes receberam orientações sobre como se proteger contra doenças venéreas, aconselhamentos e camisinhas grátis. Houve 23 mortes durante a pesquisa.

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