'Homo reciprocans' é tema de livro lançado por pesquisador da Fiocruz

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Icict/Fiocruz
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Depois de navegar nas rimas do cordel, buscando alternativas para falar de ciência, o pesquisador do Laboratório de Informação Científica e Tecnológica em Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) Carlos Saldanha se volta para outro gênero – o aforismo –, lançando o livro Homo reciprocans – 101 aforismos sobre crise ecológica planetária, decrescimento e humanismo biocêntrico, no qual traz “uma síntese cuidadosa das ideias, críticas e análises” que Saldanha vem desenvolvendo a partir de suas observações tanto do Brasil, quanto do mundo. Segundo ele, “o livro analisa como as desigualdades econômicas, sociais e políticas desmontam a ideia de uma nação harmoniosa e pacífica, questionando as narrativas históricas predominantes”.

De forma simplificada, um aforismo é “uma expressão curta e concisa que transmite uma verdade, princípio ou observação, geralmente com um tom reflexivo ou moral. E que pode combinar elementos de filosofia e literatura, apresentando ideias profundas de forma sintética”, conforme a definição do Dicio – Dicionário Online de Português. Como exemplo, podemos citar em “Tal pai, tal filho” ou o “Tempo é o melhor remédio”, falando dos mais populares. 

Em seu livro, Saldanha destaca alguns atualizando o sentido, tais como: “A ganância de poucos está condenando milhões à miséria ecológica” e “Menos é mais”, este último no enfoque do decrescimento: “O conceito de decrescimento é muitas vezes mal compreendido. Não se trata de uma busca pela pobreza ou pela miséria, mas sim por uma vida mais plena e saudável, que respeita os limites do planeta. Na prática, o decrescimento significa focar na qualidade de vida, em vez de na quantidade. Implica em repensar os padrões de consumo, priorizando a produção e o consumo locais, valorizando o trabalho manual, reduzindo o desperdício e adotando práticas sustentáveis como a compostagem ou o consumo consciente. É uma mudança cultural, que propõe um ritmo de vida mais lento, mais humano e mais conectado com a natureza, na qual o lazer, a convivência social e o tempo livre são valorizados em vez da corrida por bens materiais”, explica.

Saldanha: o aforismo 'A vida humana é inseparável da vida de todos os seres vivos' sintetiza o humanismo biocêntrico, convidando-nos a refletir sobre nossa responsabilidade no cuidado do mundo em que vivemos

 

Qual a importância dos aforismos no livro?

Carlos Saldanha: Escolhi os aforismos como forma de comunicação, porque eles condensam grandes ideias de maneira concisa e profunda, proporcionando ao leitor uma pausa para reflexão em um mundo saturado de informações rápidas. Os aforismos no livro não apenas provocam questionamentos sobre a realidade, mas também incentivam uma reflexão crítica sobre as escolhas individuais e coletivas, visando uma transformação ética e ecológica na sociedade.

Na introdução, o senhor afirma que "o todo não é a soma das partes". Como essa ideia se conecta com os aforismos do livro?

Carlos Saldanha: Essa frase ilustra a ideia de que os sistemas que regem a nossa realidade não podem ser entendidos de maneira fragmentada. O capitalismo tenta dividir a sociedade, a economia, a natureza e até as nossas identidades em partes isoladas. Porém, a verdadeira compreensão da vida só surge quando entendemos que tudo está interconectado. Os aforismos do livro buscam ressaltar a importância de adotar uma visão holística, em que cada ação individual reverbera no coletivo. Nada existe isoladamente, e cada pequena escolha tem o poder de afetar o planeta de maneira profunda. Por isso, é urgente repensarmos nossa forma de viver, levando em conta a totalidade do que somos e do que nos cerca.

O que é o conceito de Homo reciprocans?

Carlos Saldanha: O Homo reciprocans é uma metáfora para uma nova visão da humanidade, que valoriza a solidariedade, a cooperação e o altruísmo. Em contraste com o Homo oeconomicus, símbolo do individualismo e da busca incessante por ganhos materiais, o Homo reciprocans propõe um modelo de vida sustentável e biocêntrico, onde o bem-estar individual é inseparável do equilíbrio planetário. Este conceito desafia o paradigma do crescimento infinito e sugere uma vida mais consciente e harmoniosa com a natureza.

O livro discute o humanismo biocêntrico. Como essa proposta se diferencia de abordagens tradicionais?

Carlos Saldanha: O humanismo biocêntrico propõe uma mudança de perspectiva radical. Ao contrário do antropocentrismo, que coloca o ser humano no centro de tudo, o humanismo biocêntrico reconhece que todas as formas de vida têm valor intrínseco. Isso significa que devemos viver em harmonia com os outros seres vivos e respeitar seus direitos. Em vez de explorar o planeta e suas criaturas, devemos buscar a coexistência respeitosa, em que a vida de todos é considerada essencial para o equilíbrio ecológico. O aforismo “A vida humana é inseparável da vida de todos os seres vivos” sintetiza esse pensamento, convidando-nos a refletir sobre nossa responsabilidade no cuidado do mundo em que vivemos.

Qual o propósito do livro e sua mensagem? 

Carlos Saldanha: Eu espero que inspire diálogos transformadores e incentive os leitores a repensarem suas atitudes e ações em relação ao meio ambiente e à sociedade. O livro busca ser um ponto de partida para uma jornada em direção a um futuro mais justo e sustentável, convidando os brasileiros a superarem as limitações políticas e a construírem uma sociedade mais digna e consciente.

Com 614 páginas, o livro Homo reciprocans – 101 aforismos sobre crise ecológica planetária, decrescimento e humanismo biocêntrico é o 23º livro de Carlos Saldanha. A obra está disponível no site da editora e-Papers.