08/02/2013
Solange Argenta
Ao buscar uma melhora na qualidade de vida e na autoestima com uma cirurgia plástica de redução das mamas, uma advogada do Recife não tinha ideia do calvário que enfrentaria. Após um ano de operada, Simone* apresentou inchaço e abcesso em um dos seios, o que, além de lhe causar dores e desconforto, marcou o início de uma peregrinação por vários especialistas. Foram realizadas punções e drenagens, receitados antibióticos e antiinflamatórios, sem alívio dos sintomas que se intensificavam. Após oito meses de sofrimento, ela obteve o diagnóstico correto: infecção por micobactéria não tuberculosa (MNT), detectada pelo Laboratório Hélio Fraga da Fiocruz, que é referência no assunto para o Ministério da Saúde.
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Foram analisadas amostras clínicas de 16 pacientes com suspeita de MNT |
Histórias como essa têm se tornado mais comuns no Brasil nos últimos anos, relacionadas a pacientes com HIV e indivíduos que se submeteram a processos cirúrgicos. Em razão da gravidade do fato, o Ministério da Saúde classificou as micobacterioses pós-cirúrgicas como doenças de notificação compulsória. Segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), as micobactérias não tuberculosas de crescimento rápido (MCR) foram responsáveis, de 1998 a 2009, por 2.520 casos de infecções pós-cirúrgicas. Houve notificações em 23 estados, com maior concentração no Rio de Janeiro (1.107), Espírito Santo (363) e Pará (327).
“Hoje a doença aparece mais no Sul e Sudeste e isso pode se dar por falta de estudos específicos ou por subnotificação”, explica Andrea Santos, doutoranda em saúde pública da Fiocruz Pernambuco. Ela resolveu dar sua contribuição, desenvolvendo uma pesquisa inédita sobre as infecções causadas por micobactérias não tuberculosas em Pernambuco. A proposta é realizar um panorama dos casos no estado, mapeando a distribuição geográfica, avaliando o perfil clínico, epidemiológico e laboratorial dos pacientes. A tecnologia utilizada é o sequenciamento de genes específicos das micobactérias, um teste que consegue identificar o DNA do agente causador da doença.
O trabalho vem sendo orientado pela pesquisadora Haiana Schindler, co-orientado pelo pesquisador Carlos Luna e pela tecnologista Lílian Montenegro (todos da Fiocruz Pernambuco) e pelo professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Rafael Duarte. A parceria com a UFRJ trouxe à instituição pernambucana a capacitação para identificar as cepas, fazendo a diferenciação molecular. “A base tecnológica necessária já estava implantada - a Fiocruz Pernambuco conta com laboratório de Nível de Biossegurança 3 (NB3) e é a única instituição do estado a possuir um sequenciador para a análise de DNA”, explica a orientadora Haiana Schindler.
Foram analisadas amostras clínicas de 16 pacientes com suspeita de MNT no período de junho de 2010 a outubro de 2011. A maioria com a forma pulmonar da infecção (81,25%), que frequentemente é confundida com os sintomas da tuberculose. Isso aconteceu com Leila*, uma dentista de 48 anos com boa nutrição e sem doenças de base como diabetes, hipertensão ou HIV, que há cinco anos passou a sofrer com tosse, mancha no pulmão e emagrecimento, sem melhora do seu quadro clínico. Após tanto tempo e numerosas medicações adotadas, inclusive o coquetel de antibióticos utilizado para a tuberculose, a doença vem progredindo lentamente e já atingiu os dois pulmões. Durante esse processo os micro-organismos alojados no seu corpo - identificados recentemente pelo Laboratório Hélio Fraga como Mycobacterium abscessus – desenvolveram resistência à maioria das drogas usadas para combatê-los.
Andrea explica que esse caso é uma exceção, pois essa micobactéria está mais associada às infecções extrapulmonares. “Trata-se de uma micobactéria de crescimento rápido, mais difícil de combater que a M. Kansassi, a mais comumente relacionada aos casos pulmonares”, explica Andrea. Na sua pesquisa, essa micobactéria de crescimento lento (MCL) responde por 51% das cepas identificadas.
O estudo vem recebendo a colaboração do Laboratório Central de Saúde Pública de Pernambuco (Lacen), que fornece amostras colhidas em pacientes de todo o estado com suspeita de infecção por MNT. O laboratório faz um duplo encaminhamento: para as análises na Fiocruz, exclusivamente para os fins acadêmicos desse projeto, e para o Laboratório Hélio Fraga, que fornece o resultado para o diagnóstico médico.
A expectativa dos profissionais envolvidos no projeto é traçar o perfil das MNT em Pernambuco e que os dados obtidos sirvam de instrumento para intervenções na prevenção e controle da doença. “Os números preliminares não apontam para existência de surto da doença no estado. Mas o fato dos três casos extrapulmonares identificados estarem relacionados a cirurgias estéticas no seio e no abdomen reforça a necessidade de cuidados ao esterilizar instrumentos cirúrgicos”, alerta a coorientadora Lílian Montenegro. As MNT são encontradas na água, no solo, nos animais e em seres humanos. Normalmente não causam patologias, mas podem contaminar soluções, medicamentos e equipamentos médicos. Em contato com pacientes cujo sistema imunológico está fragilizado, podem causar doenças pulmonares e infecções de feridas cirúrgicas.
Publicado em 6/2/2013.