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07/08/2006

Itinerários da Loucura em Territórios Dogon

por Fernanda Marques



















Itinerários da Loucura em

Territórios Dogon

Denise Dias Barros

Editora Fiocruz

260p. R$ 45,00

 

Viver dois anos entre os Dogon - complexo cultural negro-africano na República do Mali, na África do Oeste - para buscar compreender a problemática da loucura e seu tratamento nessas sociedades: foi o que fez a terapeuta ocupacional Denise Dias Barros, pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar do Imaginário e da Memória e do Laboratório de Antropologia Visual, ambos da Universidade de São Paulo (USP). O fruto dessa pesquisa está no livro Itinerários da Loucura em Territórios Dogon, uma co-edição da Editora Fiocruz e da Casa das Áfricas.


O trabalho de Denise combina a medicina e a sociologia, até porque a loucura está ligada às práticas sociais. Apesar da barreira lingüística, a pesquisadora conseguiu, com o auxílio de um intérprete, participar da vida cotidiana dos Dogon e, assim, compreendê-los melhor.


Denise baseou sua pesquisa na observação dos Dogon e no convívio com eles. Ela também fez entrevistas com doentes, seus familiares, adivinhos e especialistas da medicina originária Dogon no tratamento psíquico. Além disso, ela analisou contos (prosas de ficção orais) com temas relacionados à loucura.


No decorrer do trabalho, Denise teve contato com a dor associada à loucura. "Pensando que traríamos soluções e esperanças novas, um grande número de pessoas veio pedir para irmos visitá-las e ver o parente ou o amigo que elas consideravam como wede gine (loucos)", conta a pesquisadora no livro. Por isso, ela decidiu restringir o número de pessoas com as quais teria relacionamento mais estreito.


"Os especialistas Dogon que encontramos reconhecem a força dos medicamentos da chamada biomedicina européia, mas acreditam que esta não trata a loucura. Para eles, esses medicamentos podem acalmar uma pessoa agressiva, mas não a libertam da doença", comenta Denise no livro. A autora teve a oportunidade de acompanhar alguns rituais, com uso, muitas vezes, de plantas consideradas curativas, que fazem parte do arsenal Dogon para tratamento da loucura.


De acordo com o livro, "o que caracteriza a ação do terapeuta e marca a diferença sobre os cuidados de um leigo está no conjunto de sua intervenção: ritos propiciatórios, encantamentos, uso de medicamentos vegetais, minerais e animais, bem como a autoridade e a qualidade da própria presença como terapeuta, reconhecido como aquele que acolhe e que tem o poder de curar". O trabalho do terapeuta Dogon, segundo Denise, aciona mecanismos contrários ao isolamento e à solidão. Tanto que, muitas vezes, a terapia exige a presença de familiares e amigos. "Dessa forma, os procedimentos recaem também sobre o grupo social, e não sobre a pessoa isoladamente", escreve a autora.


Os terapeutas Dogon entrevistados não sistematizam as causas da wede-wede (loucura). No entanto, Denise, a partir dos dados recolhidos em sua pesquisa de campo, agrupou essas causas da loucura segundo a cultura Dogon em cinco categorias. Entre elas, está a doença associada à transgressão de proibições sociais. Segundo a pesquisadora, portanto, "os nexos - entre manifestação da loucura e sociedade, entre processos terapêuticos e práticas ancestrais, entre real e imaginário, entre religiosidade e organização social - não podem ser separados para serem conhecidos".


Itinerários da Loucura em Territórios Dogon é envolvente, capaz de transportar o leitor para a vida entre os Dogon. Por isso, a autora tem toda a razão quando afirma que seu estudo permite "o encontro com uma rica galeria de tipos humanos com os quais vale a pena travar contato.

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