26/04/2021
André Sobrinho e Helena Wendel Abramo*
Se em 2020 os idosos estavam no foco da pandemia de Covid-19, o aumento da contaminação, os casos sintomáticos e a maior ocorrência de óbitos em pessoas mais jovens colocou a juventude na mira.
Nesse contexto atual, reforçam-se os apelos aos jovens para as medidas sanitárias de prevenção. Chama a atenção o fato que, de forma latente ou explícita, tem se desenhado um retrato da juventude como a responsável pela disseminação do vírus, em função do que se percebe como um comportamento insensato, fruto de uma incapacidade de controlar impulsos por diversão. Assumem destaque as notícias de festas e baladas.
Não se nega a importância de coibir esses eventos e a necessidade de dirigir mensagens aos jovens para que sejam conscientes. No entanto, agravos à saúde devem ser lidos por um duplo registro: epidemiológico e social. Reforçados mutuamente, podem subsidiar um enfrentamento da situação com respostas mais efetivas e combinadas, considerando a desigual realidade vivida pela maioria da juventude brasileira.
O fato é que são os jovens mais pobres que vêm sendo submetidos à exposição ao coronavírus, e não somente porque se amontoam em festas. A circulação ocorre em função de sua necessidade de trabalhar, estudar e “tocar a vida”. Inclusive, apoiando os mais vulneráveis aos desdobramentos agudos da infecção.
Dados da Pnad mostram que 70% dos jovens entre 18 e 24 anos estavam, em 2019, trabalhando ou procurando emprego. A grande maioria trabalha em situações precárias, agravadas na pandemia, como é o caso de empregos domésticos, operadores de telemarketing, entregadores de aplicativos, “empreendedores” em serviços e comércios de rua —são os “conta própria”, que ficam, literalmente, por sua própria conta e risco; trabalhos com pouca ou nenhuma proteção, seja de seguridade social e trabalhista ou de exposição ao vírus.
Residem em moradias insalubres nas periferias urbanas e se deslocam em transportes públicos lotados. Entregadores e profissionais de saúde são talvez a imagem mais eloquente do papel essencial e ao mesmo tempo em alto risco dos jovens trabalhadores na conjuntura da pandemia. Levantamento da Fiocruz estima que, de 2 milhões de trabalhadores da saúde na linha de frente hospitalar, 38,4% estão na faixa etária de até 35 anos.
A exposição ao coronavírus pela juventude exige uma leitura mais apurada. As ciências médicas e humanas devem subsidiar as maneiras mais adequadas de veicular mensagens, tanto para a juventude quanto sobre a juventude, deslocando os riscos de uma visão caricatural que ensaia transformá-la em bode expiatório no momento crítico em que vivemos.
Os jovens não devem ser foco apenas de mensagens preventivas, mas também de auxílio de renda e proteção nas atividades econômicas em que estão inseridos e pelas quais estão sendo sobrecarregados. Mais que tudo, necessitam de uma política de saúde coordenada pela qual se possa reduzir o contágio e acelerar a vacinação para todos, com vistas à retomada segura de suas vidas, de seus “corres” e dos seus sonhos.
*André Sobrinho, sociólogo e coordenador da Agenda Jovem da Fiocruz;
Helena Wendel Abramo, socióloga e pesquisadora e autora de livros e artigos sobre a condição juvenil.
O artigo foi publicado originalmente na Folha de S. Paulo (25/4/2021).