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21/02/2014

Livro aborda a histórica relação entre saber e poder na sociedade brasileira

Fernanda Marques


As Ilusões da Liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil, de Mariza Corrêa, chega à terceira edição, agora com o selo da Editora Fiocruz (o livro foi publicado pela primeira vez em 1998). Nina Rodrigues teve uma vida curta – morreu aos 44 anos, em 1906 –, mas deixou uma obra significativa. São reconhecidas as suas contribuições para a constituição do campo da antropologia no Brasil. Além do inegável valor histórico, o estudo do legado de Nina Rodrigues e de seus discípulos conserva também um interesse atual. Eles se destacavam pela preocupação com o destino da nação brasileira, tema que hoje continua candente – talvez até mais do que antes.

Formado em medicina e atuante como professor, inclusive na defesa de uma política universitária, Nina Rodrigues foi um intelectual público, bastante envolvido com os debates de sua época, notadamente no que se refere às questões da nacionalidade. Apesar de apontado como herói fundador da antropologia e da medicina legal no Brasil, sua trajetória também tem sido alvo de muitas críticas, como as que miram as suas teorias fundadas no racismo científico e na criminologia biológica.

Ao analisar o trabalho de Nina Rodrigues, Mariza Corrêa, antropóloga e pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), evita o anacronismo e considera o contexto social e político da época. A autora investiga fenômenos abrangentes nos quais Nina Rodrigues e seus seguidores estavam emaranhados. A institucionalização das ciências sociais, a constituição de uma elite intelectual no país, o uso político da atividade científica e a histórica relação entre saber e poder na sociedade brasileira estão entre os assuntos abordados.

Esse é o contexto no qual o livro analisa a produção teórica e a atuação dos integrantes da chamada escola Nina Rodrigues. “Longe de formarem um grupo homogêneo de intelectuais lutando pela implantação do progresso científico no país, como seus membros gostavam de se autorretratar, eles estão vinculados (por laços políticos, de parentesco, regionais, profissionais e outros) a interesses, muitas vezes antagônicos entre si, os mais diferentes possíveis”, explica Mariza.

Tais interesses penetravam nas respostas que esses intelectuais davam a questões centrais à época. Basta lembrar que Nina Rodrigues se formou em medicina um ano antes da abolição da escravidão. Estavam na ordem do dia a definição dos brasileiros como povo, a criação de critérios de acesso aos direitos de cidadania, a demarcação do Brasil como nação e a construção de imagens ideais do país. Parte dos intelectuais, inclusive, estava empenhada em desfazer as ilusões republicanas de igualdade.

É nessa conjuntura que se compreende a condenação da mestiçagem por Nina Rodrigues. Uma sociedade sem unidade ética não podia “despreocupar-se de lutas de raças”, dizia o intelectual. A mestiçagem, portanto, era considerada fonte de diferença, degeneração e conflito, inviabilizando a cidadania igualitária. Contudo, o mesmo Nina Rodrigues, através de suas pesquisas, questionou o mais radical determinismo biológico, o que demonstra a complexidade do seu legado – tão ricamente revelado na pesquisa de Mariza Corrêa.

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