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30/01/2009

Má distribuição de médicos no Brasil é tema de livro

Bruna Cruz


A distribuição geográfica de médicos é um problema que vem se agravando no Brasil e impactando na consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS). Mesmo onde há oferta desses profissionais, a distribuição se dá de forma heterogênea, principalmente em áreas mais violentas ou remotas. O livro Rumo ao interior: médico, saúde da família e mercado de trabalho, lançado pela Editora Fiocruz, faz uma análise dos determinantes dessa má distribuição a partir do contexto histórico, político, econômico, social e institucional em que estão envolvidos. Em entrevista, o pesquisador da Fiocruz Pernambuco Rômulo Maciel Filho, autor da publicação junto com Alice Branco, falou sobre o mercado de trabalho dos médicos no interior, dos fatores que interferem na fixação dos profissionais e nas perspectivas de mudança desse panorama. O trabalho é fruto da tese de doutorado de Maciel Filho.


 Maciel: as dificuldades em garantir condições adequadas de exercício profissional e vínculos trabalhistas regulares têm dificultado a fixação de médicos nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste

Maciel: as dificuldades em garantir condições adequadas de exercício profissional e vínculos trabalhistas regulares têm dificultado a fixação de médicos nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste


O médico que sai da graduação  está preparado para "se aventurar" no interior do país?

Romulo Maciel:
 Na maioria dos casos não. Boa parte dos cursos de graduação em medicina existente ainda não teve a capacidade de entender a questão do ensino-aprendizagem como um processo onde é fundamental a interação entre o objeto, o professor e o aluno. Os hospitais universitários constituem o seu campo de prática preferencial. Esse modelo (tradicional) de ensino induz à mitificação tecnológica e ao descompromisso social. Tende a transformar o médico formado num elo fundamental na cadeia do consumo de produtos e de equipamentos e não responde às necessidades de uma formação em que o princípio da integralidade da atenção é a base das práticas de saúde.

 

Como está o mercado de trabalho para os médicos?

Maciel:
 De modo geral, há uma necessidade maior de profissionais nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste. É crescente a oferta de postos de trabalho médico no país como um todo. A municipalização do setor saúde se mantém em contínua expansão e o Programa de Saúde da Família (PSF) vem se constituindo em um fator importante na ampliação desse mercado. Os processos de industrialização e urbanização brasileiros tornaram as regiões Sul e Sudeste pólos de atração profissional não apenas pela maior oferta de trabalho, mas também pelas oportunidades educacionais. A superoferta advinda da migração de médicos para essas regiões é conhecida e suas mazelas evidenciadas na proletarização crescente dos profissionais. A princípio, isso nos leva a imaginar que o panorama mais interessante se localiza nas áreas mais carentes de médicos. Contudo, as dificuldades em garantir condições adequadas de exercício profissional e vínculos trabalhistas regulares têm dificultado a fixação de médicos nessas regiões.

 

O que o senhor destaca como fatores que dificultam a interiorização dos profissionais?

Maciel:
São muitos. A questão da formação citada anteriormente e os salários/vínculos são dois deles. Outros, como a precariedade das estruturas municipais (humanas, materiais e políticas) para a gestão adequada de um sistema de saúde e a ausência (muitas vezes) de qualquer referência secundária para casos complicados também contribuem. Todavia, nossa pesquisa demonstrou que o fator fundamental reside no isolamento que o profissional experimenta nessas circunstâncias. A dimensão do aperfeiçoamento/atualização profissional, que é uma tônica em todos os depoimentos colhidos na pesquisa, fica extremamente comprometida.

 

Então, qual seria a saída para a fixação desses profissionais?

Maciel:
Provavelmente não existe saída em curto prazo. Ressalto que, atualmente, no Brasil, mais de 400 municípios não dispõem de serviços médicos. Sem dúvida essa realidade constrange a nação que tem uma constituição que garante o direito de acesso à saúde ao conjunto dos cidadãos indistintamente. Assim, o problema tem que ser enfrentado por todos. A pesquisa que realizamos buscou, a partir da análise de uma experiência recente de interiorização, entender os obstáculos que a impediram de avançar. A indagação que sempre se coloca é: por que, para se garantir direitos, há juizes e outros funcionários do Estado em todo país, mas médicos não? A nosso ver, um primeiro passo seria a criação de uma carreira nacional a partir do município com a possibilidade de mobilidade ao longo do tempo. Em médio prazo, é preciso estimular mudanças curriculares nos cursos de graduação. O Ministério da Saúde vem trabalhando nesse sentido. Mas sem um esforço articulado dos poderes Judiciário, Executivo e Legislativo não superaremos essa situação.


O senhor vislumbra o panorama positivo com relação à reversão desse problema?

Maciel:
Sim. Atualmente há uma forte disposição do Ministério da Saúde em enfrentar o problema. O plano de ação do ministro (José Gomes) Temporão, intitulado Mais Saúde, apresenta boas propostas para o problema da fixação dos médicos.


Publicado em 30/1/2009.

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