06/03/2017
Identificado pela primeira vez em 2003, o primeiro novo vírus de genoma circular detectado no Brasil – batizado de ‘circo-like virus-Brazil’ (CLV-BRs) – parece ter continuado em circulação por, pelo menos, três anos após o achado inicial. O formato circular do material genético caracteriza alguns vírus altamente mutáveis e sobre os quais ainda permanecem muitas lacunas de conhecimento, como sua frequência e ciclo de transmissão. Em estudo publicado na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz e da Universidade de São Paulo (USP) relatam ter identificado fragmentos do genoma do vírus CLV-BRs em amostras de esgoto coletadas em São Paulo em 2005 e 2006. O microrganismo faz parte de um novo grupo de vírus que não se encaixam em famílias de vírus tradicionais, como Circovirus, Nanovirus e Geminivirus, e ainda aguardam a definição de uma classificação taxonômica oficial. Não há relatos de associação do vírus CLV-BRs a doenças em seres humanos até o momento.
Também em destaque no periódico, um artigo de pesquisadores da Universidade do Texas Medical Branch (UTMB) apresenta uma revisão sobre novas estratégias para controlar a propagação de doenças transmitidas por insetos, como malária, leishmanioses, dengue, zika e chikungunya. Os cientistas defendem o potencial de usar os microrganismos que habitam o corpo dos insetos sem lhes causar doenças para que passem a agir impedindo a transmissão de vírus, bactérias e outros parasitos patogênicos que podem ser propagados pelos vetores.
Ainda entre os destaques da revista, está uma pesquisa que avalia o uso de um kit para diagnóstico molecular da tuberculose desenvolvido no Brasil, com custo reduzido. O estudo aponta que os resultados obtidos são semelhantes aos verificados em exames comerciais importados. O trabalho foi realizado por pesquisadores da Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde (FEPPS), do Rio Grande do Sul; Universidade de Caxias do Sul (UCS); Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Labtest; Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) e Rede Brasileira de Pesquisa em Tuberculose.
Todos os artigos publicados na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz podem ser acessados gratuitamente online, em inglês. Saiba mais sobre os trabalhos em destaque:
Presença de novo vírus em São Paulo
Um tipo de vírus pouco conhecido voltou a ser identificado em São Paulo, de acordo com um estudo publicado na revista ‘Memórias’. Encontrado pela primeira vez em uma amostra de fezes humana em 2003, desta vez fragmentos do material genético do microrganismo ‘circo-like virus-Brazil’ (CLV-BRs) foram achados em amostras coletadas em estações de tratamento de esgoto da capital paulista em 2005 e 2006. De acordo com os pesquisadores, o CLV-BRs faz parte de um novo grupo de vírus, identificado por cientistas nos últimos anos em diversos tipos de amostras, relativas a seres humanos, animais, peixes e insetos. Apresentando como característica comum a presença de genomas pequenos, com estrutura de DNA circular em fita simples, esses microrganismos não se encaixam em famílias de vírus tradicionais e ainda não possuem uma classificação taxonômica oficial. Para os cientistas, os achados sugerem continuidade na circulação do CLV-BRs até três anos depois da primeira identificação.
O estudo avaliou amostras de esgoto e água recuperada, que é obtida após o tratamento. A presença de fragmentos do material genético do CLV-BRs foi detectada apenas em dois grupos de amostras de esgoto. Segundo os autores do trabalho, tendo em vista o fato de o vírus haver sido encontrado previamente em fezes humanas, o resultado sugere que os vírus podem ser eliminados no esgoto. No entanto, a presença a partir de outra origens, como insetos e fezes de animais, não pode ser descartada. Os pesquisadores também realizaram uma comparação entre os genomas dos microrganismos detectados durante o estudo e as duas linhagens de CLV-BRs identificadas anteriormente, em 2003. A análise revelou semelhança maior com a linhagem chamada de hs1 e, ao mesmo tempo, presença de variações genéticas, o que era esperado considerando o alto índice de mutações verificado nesse tipo de vírus. Acesse o estudo.
Novas estratégias para controle vetorial
As possibilidades de utilização de microrganismos que compõem o microbioma dos insetos para reduzir a transmissão de doenças são exploradas em um artigo de revisão divulgado na revista Memórias. Segundo os autores, vírus, bactérias, fungos e protozoários presentes nos vetores podem influenciar na propagação de agravos de diferentes formas, especialmente agindo diretamente contra os patógenos ou ativando o sistema imune dos insetos. Entre os exemplos, está o uso da bactéria Wolbachia para o controle de arboviroses transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti. Presente naturalmente em 60% dos insetos no planeta, a bactéria foi inserida por cientistas no A. aegypti e mostrou-se capaz de bloquear a transmissão dos vírus causadores da dengue, zika e chikungunya pelo vetor.
Em outras linhas de pesquisas, cientistas vêm investigando a capacidade protetora de microrganismos da flora intestinal dos insetos. É o caso da bactéria Serratia, comum na microbiota de insetos conhecidos como barbeiros, transmissores da doença de Chagas. A bactéria apresenta atividade contra o parasito Trypanosoma cruzi, causador do agravo. Inserir microrganismos geneticamente modificados nos insetos também é uma abordagem em estudo. Na luta contra a malária, pesquisadores vêm testando o uso de diferentes bactérias encontradas no microbioma de mosquitos Anopheles para combater o parasito Plasmodium, causador da doença. Através de engenharia genética, os cientistas alteram o DNA dessas bactérias, fazendo com que elas passem a produzir moléculas capazes de agir contra o protozoário.
Considerando a necessidade urgente de novas ferramentas para enfrentar as doenças transmitidas por vetores, os autores da revisão destacam algumas prioridades para as pesquisas. Uma delas é a avaliação dos métodos que obtiveram sucesso em laboratório durante testes de campo, para verificar o seu funcionamento na natureza. Outras questões são o conhecimento sobre o mecanismo de ação dos microrganismos que atuam contra vírus, bactérias e protozoários patogênicos e o entendimento das suas formas de aquisição, manutenção e transmissão entre os vetores. Por fim, os pesquisadores ressaltam que realizar estudos aprofundados e transparentes e debater as novas estratégias com a sociedade são pontos fundamentais para que essas alternativas possam ser implementadas no futuro. Leia o artigo.
Teste nacional para diagnóstico da tuberculose
Baseados na detecção do material genético do Mycobacterium tuberculosis, bactéria causadora da tuberculose, os testes moleculares são ferramentas rápidas para o diagnóstico da doença. Porém, por causa do custo elevado, há limitações para sua aplicação em larga escala em países de média e baixa renda. Considerando estes fatores, pesquisadores avaliaram o desempenho de um kit nacional, com preço de US$ 10. Em artigo publicado na revista Memórias, os cientistas analisam testes realizados em três laboratórios, no Rio Grande do Sul e em São Paulo, revelando resultados compatíveis com os obtidos em métodos comerciais estrangeiros.
O trabalho avaliou o exame Detect-TB, desenvolvido pelo grupo autor do estudo. Os testes contemplaram amostras de mais de 300 pacientes e indicaram alto valor preditivo negativo, variando entre 89% e 95% – o que indica a probabilidade de um indivíduo com resultado negativo realmente não apresentar infecção – e moderado valor preditivo positivo, variando entre 70% e 89% – o que aponta a probabilidade de um indivíduo com resultado positivo realmente estar doente. Segundo os pesquisadores, os índices observados são semelhantes aos verificados para o teste molecular XpertMTB/RIF. O método comercial é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o diagnóstico da tuberculose em casos com suspeita de resistência a antibióticos e, dependendo das condições econômicas dos países, para todos os casos iniciais. No Brasil, é aplicado desde 2014 em áreas prioritárias para o controle do agravo. Lembrando que os testes moleculares devem ser utilizados de forma complementar a outras abordagens, os cientistas sugerem que o teste Detect-TB poderia ser aplicado rotineiramente em laboratórios de referência no Brasil. Confira a pesquisa.