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09/07/2020

MonitoraCovid-19: Óbitos fora de hospitais aumentaram no Rio

Icict/Fiocruz


Os óbitos no município do Rio de Janeiro aumentaram em 64% nos meses de abril e maio de 2020, em relação à média dos três anos anteriores no mesmo período. Além disso, análise detalhada dos registros revela um dado preocupante: praticamente dobraram as mortes fora de hospitais – em unidades de saúde (como UPAs, clínicas e outros centros e unidades básicas) e em domicílios. Isso pode ser um indicador de que, no início da epidemia, a rede de hospitais no município não teve capacidade para atender a todos os pacientes – não só de Covid-19, mas também com outras doenças graves. As constatações fazem parte da Nota Técnica do MonitoraCovid-19 Óbitos desassistidos no Rio de Janeiro. Análise do excesso de mortalidade e impacto da Covid-19, produzida por pesquisadores do  Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz). Os dados analisados são do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). 

A análise dos registros de óbitos trouxe outro dado inquietante: aumentaram em grande proporção os registros de mortes em unidades de saúde e a domicílio por neoplasias (tumores), doenças endócrinas nutricionais e metabólicas (diabetes, por exemplo), do sistema nervoso e dos aparelhos digestivo, circulatório e geniturinário (órgãos genitais e urinários), entre outras não diretamente relacionadas à Covid-19. A soma dessas informações sugere que o colapso do sistema de saúde – e não só dos hospitais – poderia já estar acontecendo em abril e maio no município do Rio de Janeiro. “Alguns desses óbitos poderiam ter sido evitados com uma atuação mais eficaz da chamada Atenção Básica de Saúde, o que envolve agentes de saúde no território, a testagem de casos suspeitos nos centros de saúde e a triagem de casos graves nas UPAs”, comenta Christovam Barcellos, vice-diretor do Icict/Fiocruz, geógrafo e pesquisador de saúde pública. 

O estudo contabilizou que, em abril e maio de 2020, o município do Rio teve cerca de 7.450 mortes acima da média histórica (2017-2019) do mesmo período de meses, representando um aumento de 64%. Desse total de mortes em excesso, cerca de 75% foram registradas como causadas pela Covid-19. Outras mortes podem ter ocorrido por falta de assistência a doentes crônicos, que encontraram a rede de saúde já sobrecarregada pela Covid-19.

As mortes fora de hospital apresentaram crescimentos acentuados: 110% nas unidades de saúde e 95% a domicílio.  E quando se cruzam as causas de óbitos com os locais em que ocorreram, alguns números aumentam muito. Por exemplo, as mortes por doenças infecciosas e parasitárias (que incluem a Covid-19) cresceram 785% em unidades de saúde (fora de hospitais) e 598% em domicílios (sem qualquer assistência de saúde). O total de pessoas que morreram em casa vítimas de doenças endócrinas nutricionais e metabólicas (incluindo diabetes) mais que dobrou em abril e maio deste ano: 109%. Nessa mesma proporção (109%), aumentaram os óbitos no período analisado em decorrência de doenças do aparelho respiratório registradas em unidades de saúde fora de hospitais.

Também chamou a atenção dos pesquisadores o grande volume de mortes sem diagnóstico. Nos meses de abril e maio de 2020, foi registrado um excesso de cerca de mil óbitos com causa mal definida (sem diagnóstico definitivo) em relação aos anos anteriores. Segundo o epidemiologista do Icict Diego Xavier, que participou do estudo, “isso evidencia falhas em procedimentos de vigilância epidemiológica e atenção oportuna a doentes crônicos e casos suspeitos de Covid-19”. 

A Nota Técnica do Icict/Fiocruz diz ainda: “Foi observada uma migração de óbitos que antes ocorriam em ambiente hospitalar e que, durante abril e maio de 2020, passaram a ser mais frequentes nos domicílios. Esse é o caso de cânceres, doenças metabólicas (entre as quais predominam as diabetes) doenças do sistema nervoso (com grande peso de Alzheimer) e doenças cardiovasculares e do aparelho geniturinário (com diversos casos de insuficiência renal), configurando um grave cenário de desassistência vivido naqueles dois meses e que pode permanecer ao longo da epidemia. A maior parte dessas doenças é crônica e o óbito pode ser considerado evitável por ações de prevenção e atenção básica de saúde”.

De acordo com Christovam Barcellos, para descobrir as causas desses números atípicos seria preciso uma investigação epidemiológica mais aprofundada. “Estamos claramente diante de dados que indicam que houve desassistência à saúde pública no início da epidemia no município do Rio, talvez até mesmo um colapso do sistema hospitalar. Acredito que muitas dessas pessoas que morreram fora em casa ou em UPAs podem ter tido dificuldade de conseguir atendimento nos hospitais. Vale destacar que vem sendo amplamente noticiado que nos últimos três anos a rede municipal de saúde sofreu cortes de pessoal e de unidades, o que, se for verdade, pode ter contribuído para comprometer o atendimento hospitalar no pico da Covid-19”, avalia Barcellos.

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