“O senhor é partidário do Partido Comunista livre?”
“General , vou lhe contar, a primeira vez que eu estive na Europa, estive com uma bolsa do governo alemão. E o quê que eu vi na Alemanha? Seis meses de frio, em que se pode plantar, e seis meses que não se pode plantar. E não tem dúvida nenhuma que a Alemanha é um dos países mais desenvolvidos no mundo! E o quê que nós vemos no Brasil, general? O ano todo nós temos primavera, é primavera perene, constante e entretanto, general, com toda essa possibilidade, nós temos nossos compatriotas passando fome. O quê que expressa isso, general? A culpa é sua, é minha, e de todos aqueles que tiveram uma oportunidade de fazer uma universidade. E isso expressa o quê? A incapacidade absoluta das classes dirigentes de resolverem os problemas do Brasil. Isso é que é política, é solução dos problemas brasileiros. Então general, eu faço pesquisa científica, eu faço ciência, eu sou absolutamente favorável ao Partido Comunista livre, porque é uma nova opção política para a solução dos problemas brasileiros".
O general virou-se e o interrogado pensou: "Bom, acabou a pergunta”.
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Perissé (o primeiro à esq) e os demais cientistas cassados no Massacre de Manguinhos (Fotos: Arquivo COC) |
Mesmo sem a réplica de seu inquisidor, Augusto Cid de Mello Perissé, o interrogado acima, foi cassado com outros nove pesquisadores de Manguinhos, nos anos 70. Seu laboratório trancado e seus equipamentos destruídos. “Como trabalhava com química, eles imaginavam que eu podia fazer uma bomba”, contou rindo para a historiadora Wanda Hamilton, pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz (COC), uma unidade da Fiocruz, que o entrevistou em 27 de fevereiro de 1986. Perissé morreu no último domingo (30/3), no Rio de Janeiro, aos 90 anos, de falência múltipla de órgãos.
O cientista, que acreditava que o mundo caminhava para o socialismo e que trabalhava com a firme ideologia de transformar a realidade nacional pela ciência, nasceu em 30 de abril de 1917, em Barbacena (MG). Ingressou na Fiocruz em 1943, como químico analista. Em Manguinhos, foi tecnologista, professor, pesquisador e organizou o laboratório de química orgânica. Também lecionou química no Instituto de Tecnologia do Rio de Janeiro e na Universidade Federal da Bahia.
Em 1957, viajou para Frankfurt, Alemanha Ocidental, a fim de realizar um curso de pós-doutorado como bolsista do Serviço Germânico de Intercâmbio Acadêmico. Em seguida, passou dois anos no Collège de France, em Paris. Retornou à França, em 1965, como pesquisador visitante do Instituto de Química de Substâncias Naturais, publicando vários trabalhos.
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O cientista foi reintegrado ao quadro de pesquisadores da Fiocruz em 1986 |
Membro da Sociedade Brasileira de Química, da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), das Sociedades de Química de Londres e da Alemanha, além da Sociedade de Biologia do Rio de Janeiro, Augusto Perissé, em 1970, teve seus diretos políticos cassados e foi aposentado compulsoriamente pelo Ato Institucional nº 5 (AI-5). Embora tenha sido aprovado em concurso para professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (SP), foi impedido de ocupar o posto devido a sua cassação. Além disso, foi obrigado a interromper suas pesquisas sobre venenos de Diplopodas (gongolô) brasileiros.
Em 1971, viajou para a França a convite do professor Mester, voltando a trabalhar no Instituto de Química de Substâncias Naturais, onde permaneceu até 1975. Diretor de pesquisa do Instituto de Saúde e Pesquisa Médica de Paris, Augusto Perissé esteve ainda no Instituto Max Planck, de Heidelberg, trabalhando com síntese automática de proteínas, e na Universidade Técnica de Munique.
Augusto Perissé recomeçou seu trabalho em Manguinhos, em 1981, como bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), prestando consultoria à Vice-Presidência de Desenvolvimento e retomando suas pesquisas sobre os Diplopodas e sobre química e bioquímica da hanseníase. Em 1986, foi reintegrado ao quadro de pesquisadores da Fiocruz. Devido a problemas de saúde, afastou-se do cargo em 1994.
As informações acima foram obtidas na transcrição da entrevista concedida em 1986, com 3 horas e 30 minutos, e em outros textos publicados pela Casa de Oswaldo Cruz. Interessados nas memórias de Perissé e de outros cientistas podem consultar os resumos publicados aqui ou obter os documentos integrais na Sala de Consulta (sala 416) do Prédio da Expansão da Fiocruz: Avenida Brasil 4.036 – Manguinhos, Rio de Janeiro. Telefone: