26/04/2017
Na revista Cadernos de Saúde Pública (volume 33 número 3), que está disponível on-line, os pesquisadores Bernardo Lessa Horta e Fernando C. Wehrmeister, da Universidade Federal de Pelotas, assinam o editorial sobre as coortes e as análises de ciclo vital, onde destacam as doenças e os agravos não transmissíveis (DANT) como a principal causa de óbito no mundo, sendo responsáveis por cerca de dois terços dos óbitos. O texto informa que aproximadamente 80% dos óbitos por DANT ocorrem em países de rendas média e baixa, que têm apresentado maior aumento na carga de morbimortalidade por estas doenças. Além disso, acrescenta que, independentemente do nível de renda do país, os indivíduos com menor nível socioeconômico apresentam maior risco de óbito por DANT. “As DANT estão fortemente associadas a fatores de risco comportamentais, tais como o tabagismo, a dieta não saudável, a inatividade física e o uso abusivo de bebidas alcoólicas. A prevalência desses fatores de risco geralmente é mais elevada entre os indivíduos com menor nível socioeconômico e este tem sido apontado como um dos mecanismos para a maior morbimortalidade por DANT nos grupos com menor nível socioeconômico.” Os autores ainda dizem que, apesar dos países de média e baixa rendas apresentarem maior carga de morbimortalidade por DANT, a maioria das evidências sobre os fatores associados a ocorrências destes agravos e os seus mecanismos causais vem dos países de renda alta. Consequentemente, os resultados dos estudos conduzidos nesses países são geralmente utilizados na tomada de decisões de políticas de saúde pública. Para eles, as coortes oferecem a oportunidade de avaliarmos as consequências de exposições ocorridas em diferentes momentos do ciclo vital, permitindo a identificação de períodos críticos, em que determinada exposição irá programar o desenvolvimento de um agravo a longo prazo.
A revista traz inúmeros artigos, dos quais destacamos os assinados por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz). Um deles é Segurança pública num país violento, de Edinilsa Ramos de Souza e Maria Cecília de Souza Minayo, que apresenta uma reflexão sobre os problemas atuais da segurança pública no Brasil, a partir de um momento conjuntural de turbulência social provocado por uma greve geral da Polícia Militar (PM) do Estado do Espírito Santo. O fato ocorreu no mês de fevereiro de 2017 e pode ser considerado um case, dada a complexidade que sua (provisória) solução exigiu. O movimento manteve 9 dias de paralisação total e 21 dias para que a situação como um todo se normalizasse. Algumas poucas reivindicações são atendidas e os motivos para as rebeliões continuam, como uma força latente de insatisfação e insubmissão: salários aviltantes para os escalões mais baixos da corporação, condições de trabalho opressivas e meio de atuação (carros, equipamentos, armas) muito aquém do que os confrontos com grupos delinquentes armados exigem. Os resultados também são terríveis como os mostrados no Espírito Santo, em que as mortes violentas passaram da média de 4 por dia para 18 durante a conflagração. O crescimento de um medo social difuso e uma sensação de fraqueza e impotência da autoridade pública para dar-lhe segurança completam os sentimentos de uma população que, da forma mais indesejável possível, tomou consciência da importância da polícia para o funcionamento da sociedade em seu cotidiano.
Utilização de registros de dispensação de medicamentos na mensuração da adesão: revisão crítica da literatura é o artigo produzido por Elisangela da Costa Lima-Dellamora, Livia Gonçalves dos Santos Lima Madruga e Thiago Botelho Azeredo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro; e Claudia Garcia Serpa Osorio-de-Castro, da Ensp/Fiocruz. Trata do marco atual sobre a adesão à farmacoterapia compreende um conjunto de comportamentos experimentados pelo usuário em que se observa a trajetória detalhada e contínua do uso de cada dose do medicamento. Indicadores provenientes de registros de dispensação de medicamentos têm sido utilizados para a mensuração da adesão. A revisão visou a identificar e a caracterizar indicadores provenientes de registros de dispensação e a discutir sua adequação e limitações para mensuração da adesão. Tendo em vista a mais recente taxonomia da adesão proposta na literatura, concluiu-se que os indicadores encontrados podem ser úteis na identificação de pacientes com problemas relacionados ao comportamento de busca de medicamentos e na análise da persistência. A distância entre os eventos relacionados ao fornecimento e as dificuldades no seguimento da terapêutica podem influenciar a análise baseada exclusivamente no uso desses indicadores.
Utilização das informações vitais para a estimação de indicadores de mortalidade no Brasil: da busca ativa de eventos ao desenvolvimento de métodos, é o título do artigo dos pesquisadores Paulo Germano de Frias, do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira, Recife; Célia Landmann Szwarcwald, Paulo Roberto Borges de Souza Junior e Wanessa da Silva de Almeida, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde/Fiocruz; Otaliba Libânio de Morais Neto, da Universidade Federal de Goiás; Maria do Carmo Leal, da Ensp/Fiocruz; Juan José Cortez-Escalante, da Organização Pan-Americana da Saúde; e Jarbas Barbosa da Silva Junior, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. O artigo apresenta a construção histórica brasileira sobre a utilização das informações vitais, incorporando procedimentos de avaliação das informações e pesquisas de busca ativa de nascimentos e óbitos, que resultaram na proposição de métodos para o cálculo de indicadores de natalidade e mortalidade mediante o uso de registros contínuos. Além das pesquisas para captar eventos vitais referentes aos anos de 2000 e 2008, são apresentados os procedimentos para a correção dos eventos informados aos sistemas de informação e a mudança de paradigma no método de cálculo dos indicadores de mortalidade decorrente destas iniciativas. Adicionalmente, destacam-se os avanços na adequação das informações sobre óbitos e nascidos vivos no Brasil, as alterações nas estimativas da mortalidade infantil decorrentes da proposição de métodos, além do desafio de estimar o indicador para áreas geográficas subnacionais, com menores contingentes populacionais, que em sua maioria é composta por municípios com baixa cobertura e regularidade dos dados.
O artigo Risco de interpretação falaciosa das internações por condições sensíveis à atenção primária em contextos locais, Itaboraí, Rio de Janeiro, Brasil, 2006-2011, de Janaina Furtado Botelho, da Prefeitura Municipal de Itaboraí/RJ; e Margareth Crisóstomo Portela, da Ensp/Fiocruz, objetiva caracterizar as internações por condições sensíveis à atenção primária (ICSAP), identificar fatores associados e explorar o impacto sobre elas do fechamento de um hospital, entre residentes de Itaboraí, um município com elevadas taxas de ICSAP no Estado do Rio de Janeiro, Brasil, alimentando o debate sobre o uso indiscriminado do indicador para inferências acerca da expansão e qualidade da atenção primária. O estudo foi baseado em dados do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde. Associações entre a ocorrência de ICSAP com variáveis demográficas e inerentes aos hospitais foram analisadas com o teste X2. Modelos de regressão logística averiguaram o comportamento das ICSAP ano a ano. As internações mais frequentes foram por insuficiência cardíaca, asma, gastroenterites, doença pulmonar obstrutiva crônica e diabetes mellitus. Suas chances de ocorrência foram maiores para o sexo masculino, pardos, nos extremos de idade e em hospitais privados e filantrópicos. A evolução das taxas de ICSAP no decorrer dos anos foi influenciada pelo fechamento de um hospital, sugerindo cautela na sua atribuição à melhoria da qualidade da atenção primária.
Por fim, a resenha Saúde Indígena: Políticas comparadas na América Latina, de Gerson Marinho, da UFRJ; e Ana Lúcia de Moura Pontes, da Ensp/Fiocruz, trata da coletânea, dividida em duas partes, que reúne dez textos originalmente debatidos na IX Reunião de Antropologia do Mercosul (2011) e na XXVIII Reunião Brasileira de Antropologia (2012). Na Introdução, as organizadoras apresentam um excelente panorama acerca do cenário epidemiológico nos países analisados, e discutem algumas especificidades e estratégias desenvolvidas para ampliar o acesso dos povos indígenas aos serviços de saúde. No primeiro capítulo, Jesús Encinas & Ramón Coria apresentam as características do acelerado processo de transição epidemiológica que impacta os indígenas no México. O contexto histórico das políticas de saúde indígena no Brasil é apresentado por Marina D. Cardoso, que destaca a manutenção de um modelo centrado na concepção médico-curativista, na tecnificação da assistência e na lógica produtivista. Mesmo com a escassez de informações confiáveis para uma avaliação consistente do subsistema de saúde indígena, Cardoso enfatiza a perenidade das iniquidades em relação ao restante da população. Apresenta controvérsias em relação à polissemia do termo "atenção diferenciada", presente nos discursos de gestores e indígenas, e analisa o modo como os indígenas estão se apropriando de aparatos da biomedicina, incorporando-os em seus acervos de "bens" sociais e estabelecendo novas relações sociais e políticas. Enquanto a primeira parte do livro articula conceitos, experiências e políticas de saúde amparados na interculturalidade em saúde, a segunda nos apresenta um panorama do debate teórico acerca da apropriação deste termo pela retórica estatal em todo o continente latino-americano. Diante da exiguidade de publicações sobre o tema, é salutar reconhecer o esforço das organizadoras da coletânea em destacar a relevância da operacionalização de termos caros às ciências humanas e sociais no âmbito das políticas públicas. Apesar dos diferentes enfoques e métodos utilizados nas análises sobre as políticas de saúde indígena nos países descritos neste livro, os autores concordam quanto à ambiguidade do atributo interculturalidade nas retóricas oficiais e dos movimentos sociais indígenas. Baseados em reflexões acerca da incorporação acrítica do constructo interculturalidade na retórica burocrática dos sistemas nacionais de saúde, os autores da coletânea estimularam uma fértil discussão sobre o tema no âmbito do continente latino-americano. Nessa trajetória, nos permitem ter um panorama das estratégias desenvolvidas e das especificidades locais, refletindo sobre os dilemas e desafios a serem enfrentados.
Confira aqui todos os artigos do volume 33 número 3 da revista Cadernos de Saúde Pública de março de 2017.