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15/04/2020

O novo coronavírus e a divulgação científica

Carla Almeida, Marina Ramalho e Luís Amorim*


Ainda é cedo para tirar conclusões sobre os efeitos da pandemia de Covid-19. As reflexões mais sensatas, completas e duradouras serão feitas, necessariamente, a posteriori. Mas é inevitável não refletir sobre o que está acontecendo agora, especialmente quando se trabalha diariamente no campo da divulgação científica, tanto na prática quanto na teoria – como é o nosso caso no Núcleo de Estudos da Divulgação Científica, do Museu da Vida. 

São diversas áreas diretamente afetadas chamadas à ação. A começar pela ciência. Vemos um esforço mundial gigantesco voltado ao conhecimento do novo coronavírus (Sars-CoV-2) e de seus efeitos no corpo humano. No Brasil, instituições científicas e universidades públicas, que respondem por mais de 90% da produção de ciência no país, estão unidas no esforço de mapear casos e estabelecer cenários sobre a epidemia, produzir insumos para testes, realizar a testagem, pesquisar sobre as melhores formas de prevenção e sobre a eficácia de possíveis tratamentos.

Grande parte do conhecimento produzido, no Brasil e no exterior, está sendo instantaneamente compartilhado. O mercado milionário da publicação científica – que lucra com a venda de assinaturas das suas revistas e de seus artigos – liberou o acesso à sua produção sobre a Covid-19 e, com a urgência da pandemia, alguns artigos estão sendo publicados sem passar por uma revisão entre pares, como é a praxe.

Na área da saúde, a mais diretamente demandada numa epidemia, vemos uma mobilização descomunal de seus profissionais que, muitas vezes, em condições de trabalho para lá de inadequadas, se arriscam – e colocam em risco suas famílias – para salvar o máximo de vidas possível. A quantidade total de trabalhadores da saúde que adoecerão prestando esse serviço só saberemos no fim da pandemia, mas certamente serão muitos.

Já os profissionais da informação correm contra o relógio para manter a população atualizada sobre o que acontece local e globalmente, não só no que diz respeito à ciência da Covid-19 e à saúde da população, mas buscando cobrir os diversos aspectos da pandemia, que são muitos, incluindo seus impactos sociais e econômicos.

Tal tarefa, por si só, já não é fácil, mas com o mar de desinformação que se propaga pelas redes sociais, o trabalho jornalístico se tornou ainda mais sobrecarregado e desafiador. Enquanto parte do tempo é dedicado a novas informações, outra parcela importante dele direciona-se a desmentir notícias falsas. É verdade que as grandes corporações por trás dessas redes estão lançando mão de estratégias para combatê-las, mas o resultado ainda é bastante incipiente.

E não poderíamos deixar de mencionar o setor cultural, que, mesmo sendo fortemente afetado pela necessária quarentena – afinal, sem público, a arte não se consolida e também ninguém é pago –, tem inventado alternativas para criar, compartilhar emoções e afeto e reconfortar uma sociedade que foi alijada temporariamente da sua principal vocação, que é ser social. Impressiona a mobilização da classe para facilitar o acesso à cultura e a pluralidade da arte que está sendo produzida no confinamento, inclusive sobre o novo coronavírus.

Ironicamente, todas as áreas citadas, que desempenham papel central no enfrentamento desta pandemia, vêm passando por um processo de desestruturação, desvalorização e deslegitimação, com, por exemplo, o enfraquecimento do ministério da ciência e tecnologia, cortes de verbas e bolsas, encerramento de editais e negacionismos como o movimento antivacina e o terraplanismo. Tivesse o Sars-CoV-2 chegado alguns anos mais tarde, talvez nenhum dos setores mencionados estivesse em condições de reagir a ele.

E como a divulgação científica entra nessa história? Bem, ela se propõe justamente a construir pontes e diálogos entre ciência, saúde, mídia, cultura e sociedade. Faz parte do seu escopo articular esses setores, de diversas formas, recorrendo a variadas estratégias e contando com diferentes plataformas. Em momentos como este, de crise e tensão – mas também de fortalecimento de laços –, ela também é chamada a agir.

E a divulgação científica está respondendo ao chamado! Desde o início da pandemia, vemos uma mobilização crescente no campo, com um número cada vez maior de instituições e divulgadores aderindo à causa.

Divulgação científica brasileira no enfrentamento da Covid-19

No Brasil, especificamente, vemos o biólogo Atila Iamarino – um dos fundadores do coletivo Science Blogs Brasil e, atualmente, um dos mais atuantes divulgadores da ciência no país – usar intensamente suas redes para informar o público sobre o novo coronavírus, desde o surgimento do primeiro caso identificado no Brasil, em 26 de fevereiro.

Iamarino recorreu a diferentes mídias sociais – YouTube, Instagram e Twitter – e a diferentes formatos – desde séries de vídeos com menos de 1 minuto a lives de mais de uma hora de duração – para falar sobre diferentes aspectos da Covid-19, sempre com uma linguagem acessível ao público não especializado. O impacto da sua atividade on-line lhe rendeu convite para participar do tradicional programa de TV Roda Viva em 30 de março, ampliando ainda mais o alcance da sua fala.

No âmbito dos centros e museus de ciência, o cancelamento das visitações não impediu que diversas instituições continuassem a promover ações para seus públicos, porém com formatos de interação virtual. As atividades disponíveis são compiladas a cada semana na página do Facebook da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência.

O Museu da Vida (RJ) é uma das instituições que tem promovido atividades semanais, como lives no Instagram com diferentes profissionais. O Espaço Ciência (PE) também tem marcado presença virtual. Um dos destaques é o Desafio Fora Corona, em que a instituição pede para que internautas gravem vídeos caseiros para serem publicados no canal de Youtube da instituição – no primeiro desafio, perguntava-se ao público “o quanto a água é importante no combate ao coronavírus e a outras doenças”. Já no segundo, a questão era “como utilizar corretamente as máscaras de proteção”.

Num contexto em que a população é bombardeada com novas informações a todo instante – muitas delas, falsas, como já comentamos –, a atuação das instituições de pesquisa para informar a sociedade também é fundamental. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), principal instituição de pesquisa em saúde pública do país, serve de fonte para jornalistas, mas também produz conteúdo para dialogar diretamente com a sociedade. Por meio de seus canais nas redes sociais, tem produzido textos e vídeos sobre suas ações de pesquisa, parcerias, comunicação e atendimento à população, além de manter atualizada uma seção de perguntas e respostas sobre a Covid-19 em seu site.

Já para ajudar os jornalistas, especificamente, a Agência BORI – especializada em notícias sobre pesquisa científica nacional – criou uma seção especial inteiramente dedicada ao novo coronavírus. Nela, os repórteres cadastrados têm acesso a todos os estudos científicos já publicados em periódicos nacionais indexados no SciELO sobre o Sars-CoV-2 e a Covid-19, além de outros materiais, incluindo o contato de mais de 50 cientistas brasileiros de diversas áreas do conhecimento que estão preparados para atender a imprensa sobre o tema.

Vale destacar ainda a força-tarefa criada pelo curso de Especialização em Comunicação Pública da Ciência, da Universidade Federal de Minas Gerais, o Amerek. Contando com cientistas, jornalistas, divulgadores, alunos e professores do curso, o coletivo está produzindo informações com linguagem simples e clara, incluindo dicas práticas, veiculadas em diferentes formatos, nas redes Instagram, Facebook e Twitter.

Estas são apenas algumas das iniciativas brasileiras de divulgação científica voltadas ao enfrentamento da Covid-19. Cada uma delas mostra, a sua maneira, um compromisso muito sério desse campo com o diálogo entre ciência e sociedade. Mas, juntas, mostram mais. Elas evidenciam um amadurecimento importante e recente da área, que ocupou historicamente um lugar secundário dentro das ciências exatas e naturais e vem se tornando cada vez mais independente, relevante e profissional.

Relevância da pesquisa em divulgação científica

Para a prática da divulgação científica, a pandemia é certamente uma oportunidade ímpar. É o momento não apenas de mostrar sua importância e qualidade, mas para promover uma reaproximação necessária entre a ciência, no seu sentido mais amplo, e a sociedade. É a hora de lutar pela reestruturação e pela revalorização da ciência e sobretudo de resgatar a sua legitimidade perante a sociedade. É preciso ocupar espaço! Nesse sentido, a visibilidade que o Atila Iamarino vem conquistando é exemplar, porque mostra não só as habilidades dele como divulgador, mas o interesse da sociedade em escutá-lo.

Para atingir esses ambiciosos objetivos, além de dados oficiais e científicos, vale criatividade, senso de humor, ritmo, afeto e empatia. Vamos ouvir a ciência, mas vamos ouvir também a cultura: vamos aprender com os artistas a como chegar às pessoas.

Mas, para alcançar essas metas, também será fundamental a pesquisa em divulgação científica. A Covid-19 está fornecendo material rico e inesgotável para estudos no campo. Compreender os impactos da epidemia na ciência e na sociedade, e sobretudo nas relações entre ciência e sociedade, é fundamental para aprimorá-las, além de ser também uma ocasião mais do que propícia para o amadurecimento acadêmico da área.

Embora ainda seja cedo para tirar conclusões – como defendemos no início do texto –, já há dados mostrando que, na Itália, onde a pandemia provocou mais mortes até o momento, uma parcela significativa da população – um em cada cinco italianos – minimizava os riscos da Covid-19 no início de março. Grande parte dessas pessoas ou não buscava informação sobre o coronavírus ou o fazia principalmente por meio de redes sociais. Além disso, tendiam a confiar em conselhos dos seus contatos pessoais sobre o tema. Vale lembrar que esses dados foram coletados antes do país apresentar o número alarmante de mortes e de pessoas infectadas. Há planos de se repetir a mesma pesquisa em breve, o que pode revelar – ou não – uma mudança de atitude dos italianos frente ao novo cenário. Se a tendência inicial se comprovar, na Itália e em outros países em que pesquisas similares estão sendo feitas, trata-se de um alerta importante para a divulgação científica.

A pesquisa em divulgação científica, pré e pós-Covid, também será fundamental para que a prática no campo amadureça de forma crítica e reflexiva, especialmente em relação às visões de ciência e de sociedade que dissemina. Os esforços para divulgar uma ciência incrível, infalível e neutra já se mostraram pouco eficientes – para dizer o mínimo –, e as tentativas de culpar o analfabetismo científico da sociedade pelo pouco valor dado à ciência só serviram para mostrar o quão pouco uma parcela grande dos cientistas compreende a sociedade. Nesse sentido, precisamos valorizar mais as ciências humanas e sociais.

Para mostrar o valor e a relevância da ciência, não é preciso esconder suas fragilidades e limitações. Se fosse assim, como explicaríamos agora o fato de ser improvável para a ciência produzir uma vacina em alguns poucos meses? Por outro lado, podemos afirmar que apenas a ciência é hoje capaz de produzir uma vacina contra a Covid-19 e que, quando essa meta for alcançada, se a ciência funcionar como de praxe, essa vacina será segura e eficaz, pois terá passado por todas as etapas necessárias e testada adequadamente. E se as pessoas não quiserem tomá-la? Bem, essa é uma outra história, que requer análise profunda e que também diz respeito às relações entre ciência e sociedade.

Enfim, este é, sim, o momento de promovermos a reestruturação e a revalorização da ciência, recuperarmos o seu orçamento, a sua gestão e o seu valor estratégico. Mas nos referimos aqui à ciência real: aquela que não tem todas as verdades nas mãos, mas está sempre em busca delas; que é feita por seres humanos, não por super-heróis; que está longe de ser neutra e é necessariamente política; e que é mais lenta do que gostaríamos e passível de erros, mas funciona e é, sem dúvida, o melhor que temos hoje.

*Carla Almeida, Marina Ramalho e Luís Amorim são pesquisadores do Núcleo de Estudos da Divulgação Científica (NEDC) do Museu da Vida da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz)

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