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31/07/2017

Opinião: Amamentação exclusiva, rede e solidariedade

Danielle Aparecida da Silva*


Nos dias atuais a informação flui com uma velocidade espantosa através dos meios de comunicação tradicionais - rádio, tv, jornais impressos - e ainda mais rápida através das redes sociais, portais e websites. Qual não foi a mulher, gestante ou não, lactante ou não, que nunca entrou nos sites de busca para obter informações sobre amamentação? E que, em sua maioria, informa-nos que proteção, promoção e apoio à amamentação são prioridades da saúde pública e destacam a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS): todas as mulheres devem ter oportunidade de alimentar os seus filhos exclusivamente, com leite materno durante os primeiros seis meses e como complemento até pelo menos ao segundo ano de vida.

"Garantir a amamentação exclusiva por seis meses é mais do que um processo meramente fisiológico" (foto: Camila Cabral)

 

No entanto, alguns sites evidenciam que o período médio de amamentação exclusiva no Brasil ainda não passa de 54 dias. O que acontece? Por que não alcançamos esta recomendação de amamentar de forma exclusiva e prolongada em nosso país?

Arrastamo-nos historicamente por uma geração que sofreu o desmame comerciogênico realizado pela indústria desde a década de 1980, em que à primeira dificuldade ou até mesmo um choro pronunciado, já eram indicadores de prescrição de fórmulas infantis. Ainda vivemos uma realidade em que mitos se acumulam. Quem nunca ouviu falar na lenda do leite fraco?

Amamentar é um ato natural. Mas será realmente instintivo? Muitas mulheres consideram que amamentar é simples e, se não conseguem amamentar, a culpa é delas. Somado à culpa, surge outro componente: a ansiedade por fazer o melhor para seu bebê. Mulheres que passaram os meses de gestação na busca constante sobre o conhecimento do aleitamento materno e demais cuidados com o bebê, deparam-se com a sensação de insegurança sem saber qual orientação seguir.

Pensar que a amamentação depende somente dela é um comum engano. Ela precisa de apoio, ser acolhida, ser reconhecida. Ela precisa de uma rede social disponível que faça junto com ela. A amamentação não se limita ao binômio mãe-bebê. Para que a amamentação aconteça com sucesso, mais e mais atores precisam se preocupar com a questão.

Nos dias atuais, em que tanto se fala sobre o empoderamento feminino, poderíamos expandir esse conhecimento à família. O futuro pai, os avós, parentes mais próximos e amigos podem e devem participar de consultas durante o todo o processo desde o pré-natal até o pós-parto. Mais do que apoio, a participação neste processo é considerada fator determinante para a adesão e manutenção da amamentação pela mulher, pois ela precisará de ajuda não só para os cuidados básicos do bebê, mas deverá sentir-se confortável e segura para nutrir.

Intercorrências comuns poderão aparecer nos primeiros dias do recém-nascido, assim como dúvidas sobre a produção e qualidade do leite. Neste momento, a rede de apoio deve ser ampliada, saindo do foco familiar. Amamentar não combina com sofrimento. Ao primeiro sinal de que algo não vai bem, a mulher-mãe-lactente e sua família devem buscar atendimento com profissionais de saúde e em bancos de leite humano.

O conhecimento sobre a excelência do leite humano como alimento exclusivo nos seis primeiros meses de vida não constitui motivo de dúvida. Pelo contrário, suas propriedades se tornam cada vez mais conhecidas, refletindo o cumprimento das exigências nutricionais e particularidades fisiológicas do metabolismo do bebê.

Acolher a mulher em fase de amamentação e escutá-las se tornam fundamentais para que ela compreenda a importância de nutrir seu filho e internalize os benefícios que o aleitamento pode proporcionar por toda uma vida.

Desde 1995, o Ministério da Saúde em colaboração com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef/OMS) vem promovendo entre os profissionais o curso Aconselhamento em Amamentação, com o objetivo de desenvolver habilidades específicas para facilitar a comunicação com lactentes, considerando não somente as bases fisiológicas da amamentação, mas questões psicossociais que podem gerar conflito na decisão de amamentar.

Pesquisas recentes apontam entre as principais causas do desmame precoce, o uso de mamadeiras e chupetas, fato que pode ter reflexo da desmotivação em amamentar ou que reforçam o mito do leite fraco; intercorrências da mama no puerpério, como fissuras, ingurgitamento mamário e dor ao amamentar. A experiência familiar que esta mulher traz também pode ser considerado um dos fatores de desinteresse pela amamentação. Neste sentido, é importante lembrar que a amamentação é culturalmente determinada, isto é, passada de mãe para filha. A avó tem papel fundamental positiva ou negativamente na duração e exclusividade da amamentação.

Garantir a amamentação exclusiva por seis meses é mais do que um processo meramente fisiológico. Não se deve reduzir a mãe à sua função nutriz, e sim trazer a prática do aleitamento materno para o espaço de vida dessa mulher, de forma que o processo de amamentação se estabeleça a partir do fortalecimento do “eu” e do desenvolvimento de percepções prazerosas e positivas.

Apenas assim o sucesso do processo de amamentação estará garantido em suas diferentes fases. Com a certeza de que pode contar com a rede de apoio, seja ela social ou profissional, esta mulher poderá viver, de forma segura e consciente, o seu desejo pela amamentação exclusiva por seis meses e continuada até dois anos ou até quando o binômio mãe-bebê esteja em acordo de que é chegada a hora de alçar novos voos.

*Danielle Aparecida da Silva é gerente do Centro de Referência da Rede Global de Bancos de Leite Humano, sediado no Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz).

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