Do silêncio, fez-se a música. Inaudíveis para o ouvido humano, os sons emitidos pelo bater das asas de insetos flebotomíneos e mosquitos Aedes aegypti foram convertidos em um surpreendente concerto. Apresentado na última sexta-feira (9/12), no Centro de Estudos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), o Som do silêncio: a suíte da cópula emocionou a plateia que lotou o Auditório Emmanuel Dias. O encontro foi uma homenagem ao pesquisador Alexandre Peixoto, falecido precocemente em 2013. Com regência do maestro Erivaldo Fraga, compositor da peça musical A suíte da cópula, o concerto foi executado pela Orquestra de Câmara da Ilha do Governador e pela Orquestra dos Alunos do Ginásio Carioca Anísio Teixeira.
O estudo dos sons dos insetos constitui um importante legado deixado por Peixoto na biologia. Pesquisas lideradas por ele demonstraram, pela primeira vez, que flebotomíneos Lutzomyia longipalpis produzem sons durante a cópula. Ao lado de aspectos moleculares, a variedade dos sons emitidos pelo bater das asas de insetos coletados em diferentes regiões do Brasil foi um dos fatores que contribuiu para indicar a existência de diferentes espécies agrupadas em uma mesma denominação, caracterizando o L. longipalpis como um complexo de espécies.
“A perda do Alexandre significou, de imediato, o silenciamento de uma parte da natureza, porque ele era um cientista excepcional, com um olhar particular na biologia. Com esse projeto, buscamos expandir a integração entre áreas de estudo que marcou o seu trabalho, usando a arte e a ciência como ferramentas para a inclusão social”, disse o pesquisador do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBqM/UFRJ), Mario Alberto da Silva Neto, idealizador e orientador do projeto Som do silêncio. “Alexandre atuava em muitas linhas de pesquisa, com interesse especial pelo estudo dos sons emitidos pelos insetos. Ao mesmo tempo, ele acreditava que a educação era uma chave para construir uma sociedade melhor. Por isso, essa foi uma homenagem muito bonita”, disse a chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Insetos do IOC/Fiocruz, Rafaela Bruno, que colaborou com a iniciativa e foi orientada pelo cientista em seu pós-doutorado, sucedendo-o, posteriormente, como chefe do Laboratório.
A composição da peça A suíte da cópula exigiu dedicação. Segundo o maestro, os ruídos dos insetos flebotomíneos de diferentes regiões do Brasil – classificados em estilos chamados de pulsado, explosivo e misto – forneceram a base rítmica para as canções. Já as frequências sonoras emitidas pelos mosquitos Aedes deram origem a duas notas musicais – ré e sol – que serviram de ponto de partida para as composições. A progressão dos sons durante a corte entre machos e fêmeas de A. aegypti inspirou a criação dos solos de flauta: inicialmente produzindo ruídos diferentes, os mosquitos sincronizam os sons do bater de suas asas quando encontram um parceiro da mesma espécie, o que é fundamental para a cópula.
“É claro que a composição envolve abstração, mas buscamos uma convergência entre a música e a ciência. Esse projeto nos permitiu identificar jovens com talentos excepcionais nas duas áreas”, afirmou Erivaldo, que é professor na Escola Municipal Anísio Teixeira. “Por meio do projeto, os estudantes tiveram contato com conhecimentos e perspectivas diferentes daqueles que fazem parte do seu dia-a-dia. Essa é uma característica muito positiva”, completou o professor do Instituto de Biologia da UFRJ, Felipe Vigoder, co-orientador do projeto. Orientado por Peixoto, ele investigou os sons dos flebotomíneos em suas pesquisas de mestrado e doutorado, e foi autor das gravações que serviram de base para a composição musical.
Cientista, professor e formador
Além de se destacar pela produção científica, Peixoto era reconhecido pela dedicação à formação de estudantes. Especialista em genética de insetos, o pesquisador era chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Insetos e coordenador do Programa de Pós-graduação em Biologia Celular e Molecular do IOC/Fiocruz. “Alexandre sempre se interessou pela educação e atuou para tirar a ciência do seu mundo fechado e levá-la para a sociedade. É importante perceber que o trabalho dele continua”, comentou Valéria Lopes Ribeiro, esposa do célebre especialista.
A apresentação do concerto o Som do silêncio: a suíte da cópula foi uma das etapas finais de um projeto idealizado pelo IBqM/UFRJ em parceria com o IOC/Fiocruz, que teve início em dezembro de 2014. Como parte de sua pesquisa de mestrado no programa de pós-graduação em Educação, Gestão e Difusão em Ciências do IBqM/UFRJ, Erivaldo compôs uma peça musical com seis movimentos – caracterizando o gênero clássico conhecido como ‘suíte’ – inspirada nos ruídos emitidos por diferentes espécies de insetos no momento da cópula ou da corte.
A composição foi o ponto de partida para ações educativas no campo da ciência e da música. Paralelamente às aulas de violino, estudantes do 6º ao 9º ano da Escola Municipal Anísio Teixeira, na Ilha do Governador, participaram de visitas a laboratórios e assistiram a palestras com foco na biologia dos vetores. “Aprendemos a tocar os instrumentos esse ano, participando do projeto. Já nos apresentamos na UFRJ [no dia 02/12] e, agora, aqui na Fiocruz. Ficamos nervosos no palco, mas as duas apresentações deram certo”, contou Vinícius Rodrigues da Silva, de 14 anos. “Também aprendemos bastante sobre o Aedes. Nos laboratórios, observamos o mosquito no microscópio e aprendemos sobre o ciclo de vida dele e o que temos que fazer para ele não se reproduzir, como não deixar água parada”, completou Camila Tavares, de 15 anos.
Som do Silêncio: A Suíte da Cópula
Programa
Primeira parte:
Twinkle, twinkle, little star, canção popular inglesa, 1806
Hallellujah, Leonard Cohen, 1984
Ode a alegria - coro da 9ª sinfonia, Ludwig van Bethoven, 1824
Segunda parte:
A suíte da cópula, Erivaldo Fraga, 2016
Abertura
Dança I
Dança II
Dança III
Dança IV
Grand Finale
Execução
Orquestra de Câmara da Ilha do Governador (OCIG) e Orquestra dos Alunos do Ginásio Carioca Anísio Teixeira (OGCAT)
Spalla: Isaac Newton
Solistas: Josias Nunes, Jonatas Conrado e Paulo Cezário
Direção Artística: Josias Nunes
Direção Musical e Regência: Erivaldo Fraga
Flautas: Josias Nunes, Serebias Lourenço, Gabriel Júlscaio e Paulo Vitor
Clarinetas: Jônatas Conrado, Vitória Lorena e José Carlos
Tímpano e Percussão: Paulo Cezário
1º Violinos: Isaac Newton e Mateus Cândido
2º Violinos: Thyago Ribeiro e Ingrid Cruz
3º Violinos: Patrick dos Santos, Camila Tavares, João Pedro, Luíza Helena, Janine Oliveira e Vinícius Ramos
Violas: Anderson Cândido, Pedro Henrique, Moises e Ana Carolina
Violoncelos: Charles Silva, Adan, Daniel Albuquerque, Damile dos Santos, Natasha Martins, Dionísio Lucas e Mirian
Contrabaixo: Erivaldo Fraga