22/01/2024
O estado Rio de Janeiro já soma 4.446 casos prováveis de dengue somente nos primeiros 16 dias de 2024. O número é mais que o dobro dos 1.635 casos registrados em todo o mês de janeiro de 2023. Os dados são do painel Arboviroses, da Secretaria estadual de Saúde (SES-RJ). A ferramenta foi desenvolvida pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e pela SES, com o objetivo de facilitar a visualização dos dados e o monitoramento das doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti.
Atualmente, o painel online apresenta informações sobre dengue e chikungunya para os 92 municípios do estado. Dados sobre zika também podem ser exibidos, porém não houve casos confirmados nesse verão.
A plataforma foi elaborada pela médica veterinária Paula Almeida, técnica da Superintendência de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde (Supievs/SES-RJ), como parte do projeto de doutorado desenvolvido no Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical do IOC/Fiocruz.
O trabalho foi orientado pelas pesquisadoras Nildimar Honório, do Laboratório das Interações Vírus-Hospedeiros do IOC/Fiocruz, e Aline Nobre, do Programa de Computação Científica da Fiocruz (Procc/Fiocruz).
Ferramenta
O painel busca reunir, de forma acessível, informações importantes para a tomada de decisões. Além de números de casos, internações e óbitos, são apresentados indicadores, gráficos e mapas, que ajudam a detectar tendências e identificar áreas prioritárias de ação. A contextualização dos dados é um dos diferenciais da ferramenta.
“Temos diversos sistemas de informação em saúde, que apresentam dados brutos sobre as arboviroses urbanas, mas é preciso transformar esses dados em informação, através da análise de indicadores, para entender o que esses números significam”, ressalta Paula.
“Por exemplo, se temos um número de casos de dengue, precisamos analisar o dado em relação à população do município, considerando a trajetória da doença ao longo do tempo, o contexto da região e do estado. Tudo isso está disponível no painel”, completa.
Notificações de casos de dengue no começo de 2024 já superam janeiro de 2023. Ferramenta oferece diversas opções para visualizar dados (foto: reprodução Painel Arboviroses)
Informações sobre o perfil dos pacientes acometidos pelas doenças e os sorotipos do vírus dengue detectados nos municípios também estão disponíveis na plataforma, que permite visualizar dados por cidade e por região de saúde do estado.
Além dos dados dinâmicos, atualizados semanalmente, o painel apresenta estratificação de áreas de risco epidemiológico para transmissão de arboviroses no estado, realizada com base na metodologia desenvolvida pelo IOC/Fiocruz no projeto ArboAlvo.
Documentos orientadores das políticas estaduais para os agravos podem ser acessados na plataforma. “O painel parte do dado para gerar informação e conhecimento, que pode embasar discussões e direcionar as ações de vigilância e controle vetorial. Também é um instrumento que reforça a transparência dos dados públicos, facilitando o acesso de gestores, dos profissionais da área e da população às informações”, destaca Nildimar.
A pesquisa que deu origem ao painel analisou os casos de arboviroses registrados no Rio de Janeiro entre 2010 e 2019. O período foi crítico para as doenças transmitidas pelo Aedes, com cinco epidemias de dengue e os primeiros surtos de chikungunya e zika no estado.
O estudo revelou padrões heterogêneos de transmissão das três arboviroses urbanas, tanto no tempo quanto no espaço. "Alguns municípios registaram epidemias simultâneas de dengue, zika e/ou chikungunya, mas isso não ocorreu em todo o estado”, comenta Paula.
Análise dos casos de arboviroses no RJ entre 2010 e 2019 permitiu estratificar áreas de risco para as doenças (foto: reprodução Painel Arboviroses)
A dengue se mostrou a arbovirose mais persistente, alternando entre ciclos endêmicos, com menor circulação, e epidêmicos, com alta incidência. A zika teve um comportamento explosivo, alastrando-se rapidamente entre 2015 e 2016. Já a chikungunya provocou surtos localizados em 2016 e 2018 e atingiu o estado de forma ampla em 2019.
A estratificação de áreas de risco mostrou a importância das cidades polo das regiões metropolitanas do estado, especialmente Rio de Janeiro, Niterói e São Gonçalo, consideradas como áreas de alto risco para dengue. Ao mesmo tempo, alertou para a necessidade de atenção a municípios com população pequena que registram alta incidência das doenças, como observado no Noroeste Fluminense. Os resultados reforçaram a necessidade de monitorar a disseminação dos agravos no tempo e no espaço, utilizando ferramentas de visualização como o painel de arboviroses.
A ferramenta foi divulgada pela Secretaria estadual de Saúde em janeiro de 2023 e detalhada na tese ‘Análise da distribuição espaço-temporal das arboviroses urbanas - dengue, chikungunya e zika - no estado do Rio de Janeiro durante os anos de 2010 a 2019’, defendida em agosto do mesmo ano.
Os achados da pesquisa também foram publicados em artigos científicos nas revistas Viruses e Tropical Medicine and Infectious Disease. “Esse é um caso exitoso de pesquisa que, além de avançar no conhecimento, consegue se tornar uma política pública. Também demonstra a importância da cooperação entre órgãos da esfera federal, estadual e municipal para enfrentar os desafios da saúde pública”, salienta Nildimar.
O mosquito Aedes aegypti é o vetor da dengue, chikungunya e zika (foto: Josué Damacena)A plataforma utiliza dados do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde. Além de atualizar regularmente os dados, as equipes da Supievs e da Superintendência de Emergências em Saúde Pública (Supesp), que fazem parte do Centro de Inteligência em Saúde (CIS/SES-RJ), vêm ampliando as análises disponíveis no painel de arboviroses.
Exemplo: recentemente, a plataforma passou a apresentar a estimativa de casos das doenças considerando o atraso das notificações, chamada de ‘nowcasting’, que leva em conta o tempo entre o início dos sintomas e o registro oficial dos casos. "Conseguimos unir o interesse da pesquisa e do serviço, que apoiou 100% o projeto. Hoje, as informações do painel servem de base paras as reuniões da sala de situação da dengue e subsidiam as nove regiões de saúde do estado", pontua Paula.
O estudo contou com apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), através do projeto ‘Arboviroses urbanas e seus vetores: vigilância ativa integrando a entomologia, a epidemiologia e a virologia no estado do Rio de Janeiro’, coordenado por Nildimar. Também recebeu apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio do Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical.
Saiba mais sobre o vetor da dengue, chikungunya e zika e as formas de combatê-lo no vídeo Aedes em 2 minutos:
Conheça a estratégia 10 minutos contra o Aedes, idealizada a partir dos conhecimentos científicos dos especialistas da IOC/Fiocruz, para enfrentar as arboviroses.