27/09/2012
A Fiocruz traz ao país uma nova estratégia de pesquisa para o controle da dengue. O projeto Eliminar a Dengue: Desafio Brasil utiliza a bactéria Wolbachia para bloquear a transmissão do vírus da dengue pelo mosquito Aedes aegypti de forma natural e autossustentável. O projeto integra o esforço internacional sem fins lucrativos do programa Eliminate Dengue: Our Challenge (Eliminar a Dengue: Nosso Desafio), que testa o método na Austrália, Vietnã, Indonésia e, agora, Brasil. Atualmente, 2,5 bilhões de pessoas em 100 países estão sob ameaça de contrair o vírus, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). A estratégia foi anunciada nesta segunda-feira (24/9), no Rio de Janeiro.
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Em coletiva, representantes apresentam o projeto Eliminar Dengue: Desafio Brasil. Foto: Peter Ilicciev. |
O programa de pesquisa é liderado pela Universidade de Monash (Melbourne, Austrália) com diversos colaboradores internacionais. Em estudo com a participação do pesquisador da Fiocruz Luciano Moreira, líder do projeto Eliminar a Dengue: Desafio Brasil, os cientistas demonstraram em laboratório que, quando é introduzida no Aedes aegypti, a Wolbachia atua como uma "vacina" para o mosquito, bloqueando a multiplicação do vírus dentro do inseto. Como consequência, a transmissão da doença é impedida. Naturalmente presente em cerca de 70% dos insetos no mundo, a Wolbachia é uma bactéria intracelular e não existem evidências de qualquer risco para a saúde humana ou para o ambiente. O projeto Eliminar a Dengue: Desafio Brasil conta com financiamento da Fiocruz, Ministério da Saúde (Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) e Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos – Decit/SCTIE), Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (CNPq) e Foundation for the National Institutes of Health, com recursos da Grand Challenges in Global Health Initiative da Bill & Melinda Gates Foundation (Estados Unidos).
Do laboratório para o campo
O método de controle se baseia na soltura programada dos mosquitos com Wolbachia, que, ao se reproduzirem na natureza com mosquitos locais, passam a Wolbachia de mãe para filho por meio dos ovos. Com o passar do tempo, a expectativa é de que a maior parte da população local de mosquitos tenha Wolbachia e seja incapaz de transmitir dengue.
O projeto australiano realiza desde 2011 a soltura de mosquitos com Wolbachia em localidades selecionadas no norte daquele país – onde ocorrem casos de dengue, embora com números muito inferiores aos vivenciados no Brasil. Como conseguem transmitir a Wolbachia de geração em geração por meio dos ovos e têm vantagens reprodutivas (tendo maiores chances de deixar prole), em poucas semanas os mosquitos com Wolbachia se tornaram predominantes nas populações locais de Aedes aegypti.
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Mosquitos com Wolbachia no insetário da Fiocruz. Foto: Peter Ilicciev. |
Caso os testes sejam bem sucedidos, o uso da Wolbachia tem o potencial de ser uma tecnologia autossustentável, uma vez que a perpetuação da característica é garantida no processo reprodutivo do mosquito, dispensando os custos de soltura continuada no ambiente. “Nossa expectativa é de que este método possa beneficiar milhões de pessoas que atualmente vivem em áreas endêmicas, de forma autossustentável e economicamente viável, sem danos ao ambiente”, afirma Luciano Moreira, da Fiocruz Minas Gerais e líder do projeto Eliminar a Dengue: Desafio Brasil.
Até o momento, portanto, os estudos comprovaram dois aspectos centrais: que, em ambiente de laboratório, a Wolbachia é capaz de bloquear o vírus da dengue no mosquito e que os mosquitos com Wolbachia conseguem facilmente predominar em populações locais. Na atual fase, a estratégia será testada em países endêmicos, como Brasil, Vietnã e Indonésia, para verificar a viabilidade da estratégia entre populações locais de mosquitos.
Eliminar a Dengue: Desafio Brasil
No Brasil, o projeto está em sua primeira fase. Neste momento, o projeto está focado, em ambiente de laboratório, na manutenção de colônias dos mosquitos com Wolbachia e no cruzamento com Aedes aegypti de populações brasileiras. A construção de uma estrutura de gaiola de grandes proporções no campus da Fiocruz, onde testes intermediários serão realizados, está programada para 2013. Além disso, estão sendo selecionadas as localidades para os testes de soltura em campo previstos para 2014, o que inclui conhecer dados entomológicos sobre as populações de mosquitos locais.
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Consulte galeria de fotos sobre o projeto aqui. Foto: Peter Ilicciev. |
“Antes de qualquer definição das localidades, os moradores serão informados com todo o detalhamento necessário e serão previamente consultados sobre a adesão ao projeto. Para isso, contamos com uma equipe de engajamento comunitário, que está focada neste aspecto”, observa Luciano. “Havendo a aprovação das autoridades regulatórias e com o consentimento dos moradores das localidades que serão selecionadas, o planejamento é de que tenhamos os primeiros testes de campo com soltura dos mosquitos em maio de 2014, em época fora do pico de casos”, informa Luciano, que coordena uma equipe multidisciplinar de entomologistas, pesquisadores de campo e profissionais dedicados ao engajamento comunitário. Após a soltura, a viabilidade do projeto será avaliada e as localidades serão monitoradas por vários meses para verificar se os mosquitos com Wolbachia conseguiram se estabelecer na natureza. Em fases posteriores, o impacto sobre a incidência de dengue será avaliado.
O especialista reforça que o projeto estuda uma nova alternativa para o controle da dengue, a ser utilizada no futuro como medida complementar de controle. Neste momento, a orientação para a população é de não descuidar da eliminação dos criadouros preferenciais do mosquito transmissor. “O projeto é uma iniciativa no âmbito científico, mas é de fato uma oportunidade de mudarmos o cenário da dengue no país. Inclusive, a estratégia seria plenamente compatível com a adoção de uma vacina, uma vez desenvolvida”, destaca Luciano.
Para o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, a proposta coloca o país na fronteira do conhecimento sobre a doença. “Atualmente, não existem medicamentos específicos ou vacina disponível no mercado para a dengue. Com este projeto, assumimos papel central em uma abordagem inovadora de enfrentamento a um dos mais relevantes problemas de saúde pública do Brasil", afirma.
A abordagem colaborativa é destacada pelo pesquisador Scott O'Neill, líder de pesquisa do programa internacional Eliminate Dengue: Our Challenge. “Após anos de trabalho em laboratório e dois anos de experimentos em campo na Austrália, é estimulante trabalhar em parceria com a Fiocruz. Esperamos, no futuro, contribuir para alcançar um impacto real na redução de transmissão da dengue no Brasil”, ressalta.
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Publicado em 24/9/2012.