Um estudo pioneiro no Brasil analisou as taxas de morte e agravos à saúde por acidentes e violência entre policiais durante e fora de sua jornada de trabalho. É a primeira vez no país que se investiga essa categoria profissional pelo ponto de vista da saúde do trabalhador. As pesquisadoras Edinilsa Ramos de Souza e Maria Cecília de Souza Minayo, do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves) da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) da Fiocruz fizeram um levantamento de dados de policiais civis, militares e da guarda civil do Rio de Janeiro, em um período compreendido entre 1994 e 2004. A pesquisa, que constata um crescimento da violência nas três categorias, foi publicada na revista científica Ciência e Saúde Coletiva da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco).
Nas três categorias, houve um aumento da exposição à violência, sobretudo considerando-se as lesões não fatais, com relevância para 2003 e 2004. A Polícia Militar é a que mais sofre agressões. A taxa de mortalidade na população geral do Brasil foi de 26,7 por 100 mil habitantes em 2000. Na capital do Rio de Janeiro, o índice sobe para 49,5/100.000. No mesmo período, a mortalidade por agressão na Polícia Militar do Rio de Janeiro chegou a 356,23/100.000 – 13,34 vezes maior do que na população geral. O risco de morte entre policiais militares também é maior do que entre agentes de outros órgãos de segurança: 6,44 vezes o da Guarda Municipal e 1,72 o da Polícia Civil.
De acordo com o estudo, as agressões a guardas municipais costumam ser menos letais. Em geral, eles são vítimas de pauladas e pedradas. Já os policiais militares e civis são mais agredidos com armas de fogo. Quanto aos policiais civis, houve um aumento da taxa de morte principalmente entre os anos de 2003 e 2004. Os que mais sofrem violência são os detetives (53,1%) e os carcereiros (10,9%).
Mereceu atenção especial na pesquisa o elevado percentual de violência sofrida por agentes de segurança em suas folgas. Segundo as especialistas do Claves, uma das explicações possíveis seria o grande número de policiais que têm um segundo emprego na área da segurança privada – portanto continuariam expostos ao risco em seu tempo livre. Elas apontam ainda o envolvimento de policiais em conflitos de bairros ou de trânsito na tentativa e aplacar uma briga, por motivo de sua função social; e as emboscadas, das quais muitos são vítimas.
A culpa é da mídia?
A imagem da polícia é mal conceituada. Para policiais, o principal responsável seria a mídia, que insistiria em divulgar de forma negativa as ações da polícia. Para os especialistas no estudo sobre violência, outros fatos também podem explicar a rejeição à polícia pela população, embora seja importante investigar até que ponto a mídia influencia nesse processo.
Um estudo sobre o papel da mídia brasileira na construção da imagem dos policiais foi conduzido pela pesquisadora Kathie Njaine e sua equipe do Claves, com o apoio da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça. A equipe analisou notícias publicadas em jornais que circulam nas quatro capitais de maior índice de homicídio no país (Rio de Janeiro, São Paulo, Vitória e Recife). Por enquanto, os pesquisadores estão aprofundando os dados da análise dos periódicos do Rio de Janeiro e de São Paulo. Foram avaliadas nas duas cidades 1.675 matérias sobre ações policiais, entre outubro e novembro de 2005, publicadas nos cariocas O Povo e O Globo e nos paulistanos Diário de S. Paulo e Folha de S. Paulo.
De modo geral, cerca de 85% das matérias tinham caráter factual e não traziam imagem positiva ou negativa dos policiais. Aproximadamente 14% apresentavam uma imagem negativa das polícias ou dos policiais, pela sua construção discursiva, a partir do uso de expressões estereotipadas ou depreciativas e pela simples divulgação de um ato policial socialmente condenável. Cerca de 1,5% das notícias tinha caráter positivo, com a publicação de fatos positivos que a polícia havia feito para a sociedade. Quase 90% das matérias falam de ações legais da polícia, contra 8% que narram ações ilegais.
"Embora a imprensa não atue deliberadamente no sentido de construir uma imagem negativa ou positiva das ações policiais, as matérias que apresentavam aspectos negativos da instituição policial ou de seus operadores, do ponto de vista simbólico, tiveram o poder de provocar uma reação generalizante e bombástica na sociedade. Esse efeito é decorrente de um discurso em torno das ações policiais, onde a escolha de palavras ou expressões como ‘banda podre’ ou de fotos de flagrantes de ações violentas denotam um sentido negativo dessas atuações das polícias", explica Kathie.
"Além disso, a simples divulgação de atos condenáveis envolvendo responsáveis pela segurança da população, como os homicídios, a conivência com a criminalidade, a corrupção, os maus-tratos contra os cidadãos e toda a ordem de abuso de poder têm impacto muito mais devastador".
Imagens da violência: sensacionalismo
Das matérias de caráter factual, cerca de 15% divulgavam o fato de forma um pouco mais analítica, abordando o investimento das instituições de segurança pública na formação dos policiais, como a capacitação na área de direitos humanos. No total, foram publicadas 620 matérias em O Povo, 449 em O Globo, 440 no Diário de S. Paulo e 166 na Folha de S. Paulo. Ainda que dedique pouco espaço para notícias envolvendo ações policiais, as matérias da Folha de S. Paulo trouxeram um caráter mais analítico (20%). Do total de notícias, apenas 1% apresentava um caráter mais propositivo, de modo a oferecer ao leitor um quadro mais aprofundado sobre a complexidade da questão da segurança pública, suas instituições e seus operadores.
As principais fontes das notícias foram os delegados de polícia e autoridades militares. Segundo Kathie, isso sugere o pouco espaço disponível para as diferentes vozes envolvidas nos eventos dessa natureza. Do conjunto de jornais, O Povo foi o que menos publicou fotos. "Analisadas sob a lógica simbólica, no entanto, as imagens exibidas neste periódico, com a exposição de corpos feridos, por exemplo, causam um efeito social ampliado, pela dimensão do sensacionalismo presente nesse jornal", diz a pesquisadora.
Os acontecimentos mais noticiados foram prisões, acusações, apreensões de suspeitos, acusados ou criminosos, que configuram, de acordo com os pesquisadores, fatos publicáveis, mas que pouco contribuem para um debate público sobre as raízes da violência, suas manifestações e suas conseqüências do ponto de vista individual e coletivo.
"As matérias que ultrapassam o caráter noticioso e que fornecem, além de dados, um debate aprofundado sobre a questão da violência têm o poder de levar à reflexão e à discussão ampliada desse problema social que vem afetando gravemente a sociedade brasileira. A mídia tem um importante papel na sociedade e um grande potencial nas ações de redução e prevenção de todas as formas de violência", conclui a equipe de pesquisadores do Claves.
Atividade noturna piora saúde de policiais
O policial sofre por diversos fatores no exercício de sua atividade. O trabalho noturno é mais um agravante na ocorrência de riscos à saúde. Esta é a principal conclusão de um outro estudo conduzido pelo Claves. O aluno de iniciação científica Thiago de Oliveira Pires cruzou dados sobre turnos de trabalho (noturno e diurno) e condições de saúde de policiais civis para chegar a esta conclusão.
"Tomei como referência não só sua atividade regular, mas também o trabalho fora da corporação, que gera desgaste físico e mental", diz Pires. "Os cálculos a partir de dados de 1.458 policiais civis do Rio de Janeiro mostraram que a chance de encontrar homens no trabalho noturno é maior; nesse turno de trabalho eles têm mais chance de ter constipação, de serem fumantes, obesos e de estarem insatisfeitos com o lazer", completa.