24/02/2021
Flávia Lobato (Portal de Periódicos Fiocruz)*
No dia 22 de fevereiro, o governo federal liberou R$ 450 milhões para ações da Defesa Civil, visando socorro e assistência às vítimas das chuvas em diferentes regiões do país. O Ministério do Desenvolvimento Regional registrou alto índice de desastres provocados pelas chuvas e as cheias dos rios. No mesmo dia, o governador do Acre decretou estado de calamidade pública em dez cidades. Cerca de 130 mil pessoas foram atingidas no estado, que vive uma grave crise humanitária: além das enchentes, desmoronamentos e desabrigados, o sistema público de saúde está saturado em meio ao aumento de mortes por Covid-19 e uma alta demanda gerada pela dengue.
Mas, afinal, quais são os impactos e custos econômicos dos desastres naturais sobre os estabelecimentos de saúde no Brasil? É o que revelam pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade de Brasília (UnB), em artigo publicado na revista Cadernos de Saúde Pública (vol. 36, n. 7, jul/2020). O estudo mostra que os desastres hidrológicos responderam por 88,5% dos custos totais e que o maior custo por desastre, no Brasil, foi registrado justamente no Acre (R$ 15,7 milhões).
Um mapa dos desastres e seus impactos econômicos
Os autores do trabalho classificaram os desastres em quatro tipos: climatológicos; geológicos ou geofísicos, hidrológicos e meteorológicos. A partir disso, eles identificaram a frequência com que ocorreram, sua distribuição no território nacional e os custos gerados. Para tanto, utilizaram os dados do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID) de 2000 a 2015. Eles ressaltam que, dos 15.950 desastres registrados, havia indicação dos custos em apenas 4.685 (29,4%), correspondendo a cerca de R$ 4 bilhões em recursos gastos.
Considerando a classificação de desastres “naturais”, no Brasil, nesses 15 anos, predominaram eventos climatológicos como estiagem e seca, queimadas e incêndios florestais, correspondendo a mais da metade das ocorrências (56,2%). Em seguida, vêm os desastres hidrológicos, tais como alagamentos, enchentes, inundações graduais e bruscas (34,9%). Ocorrências meteorológicos, como raios, ciclones, tornados e vendavais, chuvas de granizo, ondas de frio e de calor representam 8%. Já os desastres geológicos (como erosões e deslizamentos) respondem por apenas 0,9% de todas as ocorrências.
A análise dos dados mostra que os desastres hidrológicos — embora tenham apresentado menos de um terço (31,4%) dos eventos com informações sobre custos —, responderam por 88,5% dos custos totais. Quanto ao gasto total nos estados, destacaram-se Pernambuco, Amazonas e Santa Catarina. Contudo, observa-se que o custo por desastre foi maior no Acre (R$ 15,7 milhões) e no Tocantins (R$ 2,9 milhões). “Embora a Região Norte tenha registrado 719 eventos, que é menos de um décimo do total de desastres da Região Nordeste, o custo total dos desastres para cada uma destas regiões foi bastante próximo, ultrapassando um bilhão de reais. Esses custos mais altos na Região Norte, combinados com o segundo menor número de eventos, contribuíram para que esta região apresente o maior custo por evento, que foi de R$ 1.527.644,49, sendo de 7 a 9 vezes maior que o custo por evento nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul”, escrevem os autores.
Região Norte: entre as cheias dos rios e as vazantes de recursos
Eles observaram, ainda, que as mesmas inundações graduais e amazônicas que atingiram o Acre resultaram em pelo menos 10 vezes mais eventos em estados como Amazonas e Pará, mas com custo por evento de 11 a 30 vezes menor. De acordo com os pesquisadores, isso indica que os custos podem estar sendo superestimados. Por outro lado, as cheias acabam sendo naturalizadas na região, o que colabora para que nem sempre sejam sistematizados os recursos gastos nestas situações: “As inundações afetam, há anos, as diversas construções nos municípios, incluindo os estabelecimentos de saúde. Com isso, os registros de impactos e custos não são realizados em muitos casos, resultando também em subestimação”, pontuam os pesquisadores.
Carlos Machado de Freitas, coordenador do Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde da Fiocruz, comenta que as mudanças climáticas e os danos causados por modelos insustentáveis têm sido agravados pela descontinuidade ou ineficácia de políticas públicas. “Sabemos que os desastres geram custos sanitários, econômicos e sociais. Mas, além de naturalização dos desastres, no Brasil temos assistido também a uma incapacidade de combinar medidas de prevenção e recuperação. Temos que evitar que grandes contingentes populacionais fiquem expostas e vulneráveis as inundações que são cíclicas na região e que os estabelecimentos de saúde sejam continuamente atingidos e danificados, comprometendo as capacidades do setor saúde de atender e cuidar da saúde da população afetada”, afirma.
Para romper com este ciclo vicioso, ele diz que são necessárias políticas de planejamento, desenvolvimento e também de reconstrução pós-desastres. “É necessário oferecer condições de vida melhores e estabelecimentos de saúde mais seguros, com base nos princípios build back better, expressos no Marco de Sendai”, completa.
Apesar das limitações do estudo devido à qualidade dos registros, seus autores alertam: estamos diante da ponta de um iceberg. Mais do que os danos econômicos, destacam que os impactos sobre a infraestrutura e os recursos que servem de suporte aos serviços, comprometem a capacidade de oferta exatamente quando a população mais necessita dos serviços de saúde.
*Com informações da Agência Brasil.
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