13/01/2010
Renata Moehlecke
Apesar dos esforços governamentais realizados desde a segunda metade da década de 1990, que seguem recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), as elevadas taxas de cesárea persistem no Brasil, tanto no setor público (38,6%) quanto no privado (83,5%), e não sofrem impactos consideráveis. Com base nesse problema, pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) analisaram as diferentes representações de mulheres cariocas quanto ao parto vaginal e cesárea, bem como investigaram a natureza das relações de profissionais de saúde e usuárias em maternidades particulares, públicas e conveniadas com o Sistema Único de Saúde (SUS), supondo que esses fatores contribuem para a manutenção das altas taxas de cesárea e de outras intervenções no parto.
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As entrevistadas destacaram mais vantagens para o parto normal, por ser mais saudável, natural, pelo protagonismo da mulher, as diferenças no cuidado médico, a qualidade da relação com o bebê e a recuperação pós-parto |
Para a pesquisa, publicada na revista Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz, foram entrevistadas 23 mulheres, com mais de 18 anos, que passaram pelos dois tipos de parto. O estudo, de caráter qualitativo, concluiu que, apesar das diferenças evidenciadas nos diversos tipos de assistência, a maior parte das entrevistadas não tinha conhecimento sobre as informações que deveriam ter sobre o parto, vivenciaram relações assimétricas com os profissionais de saúde e não apresentaram condições para tomar decisões autônomas, se submetendo, muitas vezes, a cesárea quando, na verdade, preferiam o parto normal.
Os resultados apontaram que a maior parte das entrevistadas nas maternidades públicas e conveniada com o SUS encontrava-se na faixa de 18 a 29 anos, tinha baixa escolaridade e não possuía trabalho remunerado (60%). Na maternidade privada, a maioria das informantes estava acima dos 30 anos, possuía um bom nível de escolaridade e realizavam trabalhos remunerados em atividades formais e qualificadas. Ao compararem ambos os tipos de parto, as entrevistadas dos dois estratos sócioeconômicos destacaram maiores vantagens para o parto normal, devido ao fato de ser mais saudável por ser natural, ao protagonismo da mulher, às diferenças no cuidado médico, à qualidade da relação com o bebê e à recuperação pós-parto.
“As representações quanto ao parto normal são de um parto ativo, no qual as dores são vividas como ‘dores de mãe, aquelas de que se está consciente de que são intrínsecas e necessárias para se ter o bebê’”, comentam os pesquisadores. “Pode-se afirmar que a passagem do status de mulher para o de mãe, mediada pela cesariana, perderia parte de seu sentido, tendo em vista a anulação do protagonismo feminino no momento do parto. Passar pelas contrações, fazer força e sentir o bebê nascer, mesmo que em algumas vezes a dor seja sentida como insuportável, supera a vivência da cesárea, na qual não existe protagonismo e o prazer a ele associado”.
Os estudiosos também investigaram quais são as vantagens e desvantagens, de acordo com as mulheres consultadas, da cesárea. A ausência de dores do trabalho de parto e a possibilidade de laqueadura foram indicadas como pontos positivos. Como desvantagens, foram mencionadas as dores pós-parto, as dificuldades de recuperação e os riscos da cirurgia. As entrevistadas ressaltaram que a cesariana deve ser feita só em caso de risco para a mãe ou o bebê.
“Ao perguntar a opinião das informantes sobre o aumento crescente de mulheres que fazem uma cesárea, a pedido ou não, o principal fator foi o medo das dores do parto e o desconhecimento das vantagens do parto normal. Algumas mulheres do setor privado destacaram a possibilidade de programar o parto devido à vida agitada da mulher contemporânea, em vez de esperar pela imprevisibilidade do parto normal”, afirmam os pesquisadores. “Entrevistadas de ambos os grupos argumentaram que o principal motivo para o aumento de cesáreas encontra-se na conveniência do médico, porque é um parto mais rápido, na falta de paciência em esperar a progressão do parto normal ou mesmo devido à insegurança, caso o parto saia do padrão de evolução esperado”.
Publicado em 12/1/2010.