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11/10/2022

Pesquisa da Fiocruz detecta fungo inédito na Antártica

Agencia Fiocruz de Noticias (AFN)


Fungo que causa a histoplasmose, uma doença que pode acometer os pulmões e levar à morte, foi detectado pela primeira vez na Antártica, revela o estudo Detecção Molecular de Histoplasma capsulatum na Antártica. Produzido por pesquisadores do Fioantar, o artigo faz parte da edição de outubro da revista Emerging Infectious Diseases (EID journal), dos Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, e é uma das primeiras publicações científicas do projeto da Fiocruz no continente. “Esta descoberta destaca a necessidade de vigilância sobre agentes emergentes de micoses sistêmicas e sua transmissão entre regiões, animais e humanos na Antártica”, diz o texto.

Fungo que causa a histoplasmose foi detectado pela primeira vez na Antártica (foto: Divulgação)

 

A descoberta foi uma surpresa para os pesquisadores, que não esperavam encontrar indícios genéticos desse fungo numa região com temperaturas tão baixas. Embora seja uma doença cosmopolita de impacto global, a histoplasmose tem maior prevalência nas Américas, sendo pouco observada em áreas de clima frio. A presença de Histoplasma sp. no continente antártico levanta questões como, por exemplo, quando teria chegado ao continente e se sua detecção estaria relacionada às mudanças climáticas. 

“As possibilidades são muitas. Ele pode ter sido levado por aves ou outros animais recentemente. Ou pode ser que já estivesse lá desde a separação dos continentes, e se adaptou às diversas mudanças climáticas sofridas pelo continente. A Antártica antes era uma região tropical. O continente esfriou em passado geológico recente”, observa Luciana Trilles, pesquisadora do Fioantar e do Laboratório de Micologia do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), autora correspondente do artigo.

Primeiro autor do artigo e pesquisador do Fioantar e do Laboratório de Micologia do INI/Fiocruz, Lucas Machado Moreira não descarta o papel do aquecimento global. “A presença deste fungo na Antártica pode datar de milhares de anos, contudo o impacto das alterações climáticas colabora tanto para o aumento das áreas sem cobertura de gelo, expondo solos até então congelados, como também influenciam o deslocamento de massas de ar, nível de precipitação de neve sazonal e a migração dos animais, fatos que colaboram para a dispersão de microrganismos pelo mundo”, comenta.

América Latina lidera número de casos

Com evidências moleculares detectados no solo e nas fezes de pinguins na Península Potter, localizada no arquipélago das Shetland do Sul, na Península Antártica, o Histoplasma capsulatum teve o seu DNA sequenciado nos laboratórios da Fiocruz, o que revelou indícios da identificação de linhagens semelhantes às que existem na América Latina, região com maior número de casos de histoplasmose. O Brasil é um dos países afetados, considerado endêmico para a doença, com relevante incidência de casos em todas as regiões. Como na Antártica, o agente causador da doença, que acomete humanos e animais, pode ser encontrado no solo e em ambientes ricos em fezes de aves. A pessoa contrai a histoplasmose ao inalar propágulos do fungo, que podem atingir os alvéolos e causar pneumonia. A infecção pode ficar restrita aos pulmões ou entrar na corrente sanguínea e afetar outros órgãos. Luciana explica que dependendo da região ou do grupo de pacientes, a letalidade pode ultrapassar 40%.

O estudo parte de amostras coletadas no verão de 2020 na Península Potter, uma Área de Proteção Especial Antártica (Aspa, na sigla em inglês), na Ilha Rei George. Ali o fungo encontrou um ambiente ideal, rico em nitrogênio devido a presença de fezes das aves, algo benéfico à sua proliferação. “Considerando a capacidade da espécie em causar epidemias com risco de vida e a intensificação da presença humana no continente, identificar e monitorar fungos em vários habitats e animais antárticos torna-se uma estratégia fundamental para o monitoramento de micoses sistêmicas emergentes e o fluxo desses agentes entre regiões, animais e humanos”, diz o artigo.

O estudo parte de amostras coletadas no verão de 2020 na Península Potter, uma Área de Proteção Especial Antártica, na Ilha Rei George (foto: Divulgação)

 

Amostras de DNA de diversos substratos antárticos foram extraídas e submetidas ao PCR Nested, uma variação do PCR convencional com maior sensibilidade e especificidade para detecção de patógenos. “Nossa ideia agora e monitorar a presença desse fungo e ampliar para outras áreas, ilhas e regiões antárticas. E buscar outros agentes que possam causar doenças”, explica Luciana. Em um segundo momento, os pesquisadores do Fioantar devem tentar isolar o próprio fungo. 

Isolada, mas nem tanto

A Antártica pode parecer distante e isolada, mas recebe animais migratórios e um número considerável de turistas anualmente. Estes eventos, somados ao deslocamento de ar e a neve sazonal, colaboram para a dispersão de fungos e outros microrganismos. Da mesma forma que fungos, bactérias e vírus podem ser levados até lá pelo homem e animais, eles podem também ser trazidos para América do Sul e outros continentes. 

“Essa descoberta reforça a importância da nossa presença na Antártica. A ideia do projeto desde o início era fazer a vigilância de agentes etiológicos no continente, conseguir identificar organismos patogênicos novos ou já conhecidos e monitorar a dispersão desses patógenos pelo mundo”, acrescenta Lucas. “No que diz respeito às doenças fúngicas, a ideia do projeto é investigar todos os agentes etiológicos de micose sistêmica. Porque são agentes causadores de doenças de grande impacto na saúde pública, principalmente no Brasil. É objetivo também do nosso projeto entender como a Antártica influencia a saúde pública do Brasil. Encontrar esse fungo que existe aqui e lá é um forte indício de que estudos de monitoramento precisam ser realizados de forma constante”.

Além de Lucas e Luciana, participaram do estudo Márcia Chame, Martha Lima Brandão, Adriana Marcos Vivoni, Juana Portugal e Bodo Wanke, do Fioantar, além de Wieland Meyer, da Sydney University, Austrália. Especializado em doenças infecciosas e parasitárias, com foco principal nas micoses sistêmicas, Bodo Wanke faleceu em 22 de julho de 2021.

Fioantar

O Fioantar integra o Programa Antártico Brasileiro, conduzido pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (Cirm), da Marinha do Brasil. O projeto foi aprovado em edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), em dezembro de 2018, com duração prevista de quatro anos, de 2019 a 2023. 

Com caráter multidisciplinar, ele atua em duas linhas principais. A primeira é investigar novos patógenos - como vírus, fungos e bactérias - presentes no ambiente antártico e, com isso, reforçar a vigilância e prevenção epidemiológica. Para isso, a Fiocruz reuniu pesquisadores de oito laboratórios diferentes, profissionais da área de produção e inovação em saúde, de relações internacionais em saúde, bem como de comunicação, para que a população possa acompanhar os resultados e desafios do projeto.

Outra importante linha da pesquisa é a bioprospecção: os pesquisadores tentam identificar quais desses organismos têm potencial para desenvolvimento de novas tecnologias e produtos em saúde, como medicamentos e insumos. 

Em 2020, as expedições científicas foram interrompidas por conta da pandemia de Covid-19. Elas foram retomadas no ano passado, sob fortes medidas de segurança.

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