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30/08/2016

Pesquisa da Fiocruz Minas investiga reincidência da malária

Keila Maia (Fiocruz Minas)


Um estudo realizado por pesquisadores da Fiocruz Minas joga luz sobre uma das questões que mais desafiam os cientistas que estudam a malária: os casos de recaídas sofridas por pacientes que se submeteram ao tratamento da doença. Segundo a pesquisa, uma das causas para os episódios de reincidência pode ser a mutação genética da enzima responsável por metabolizar a primaquina, medicamento utilizado para combater as formas do parasito ocultas no fígado. O estudo foi publicado recentemente na revista científica Plos One e, na última semana, recebeu o Prêmio Jovem Pesquisador 2016, durante o 52º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical.

(Leia a pesquisa na íntegra, em inglês)

Estudos anteriores demonstraram que a CYP2D6 é a enzima encarregada de fazer as transformações necessárias sob a droga, sendo, portanto, uma das responsáveis pela ativação e eficácia do medicamento no organismo. Alguns trabalhos também apontaram que essa enzima sofria uma grande quantidade de mutações, levando a uma maior ou menor metabolização da droga. Dessa forma, o que os pesquisadores da Fiocruz fizeram foi avaliar se essas alterações genéticas, chamadas poliformismos, associadas à metabolização baixa ou inexistente, poderiam influenciar na biotransformação da primaquina, resultando em ocorrências de episódios de recaída da doença.

Para fazer a investigação, os pesquisadores avaliaram 46 pessoas que passaram pelo tratamento de malária e, posteriormente, voltaram a apresentar os sintomas da doença. Os pacientes foram divididos em dois grupos: os que tiveram múltiplas recaídas e os que tiveram uma única recaída. Assim, utilizando o PCR em Tempo Real, um método para caracterização dos genótipos dos indivíduos, os pesquisadores constataram que, no grupo de múltiplas recaídas, havia mais indivíduos com enzimas polimórficas.

A prevalência de mutações foi de aproximadamente duas vezes maior entre indivíduos que tiveram múltiplos episódios de recaída quando comparado com o grupo de uma única reincidência. Além disso, nesse grupo de múltiplas recaídas, também se verificou a predominância de genes associados ao baixo metabolismo da primaquina.

“O estudo evidenciou que parte dos casos de recaídas se deve a falhas terapêuticas do tratamento pela primaquina, causadas por polimorfismos na enzima humana”, afirma Ana Carolina Silvino, do Grupo de Biologia Molecular e Imunologia da Malária, uma das autoras do artigo.

Os pesquisadores também fizeram uma análise in silico, ou seja, uma avaliação da estrutura da enzima. A investigação demonstrou que a mutação sofrida interfere na flexibilidade da enzima, fazendo com que haja também interferência na forma como ela interage com a primaquina.

Além de avaliar a CYP2D6, a pesquisa também investigou as mutações sofridas por uma outra enzima, a CYP2C8, que é responsável por metabolizar a cloroquina, medicamento usado para combater a forma do parasito que atinge o sangue. Os resultados mostraram que a ocorrência de polimorfismos nessa enzima não diferiu entre os grupos de indivíduos com diferentes números de recaídas. Entretanto, constatou-se, pela primeira vez, que indivíduos com mutações nessa enzima têm recaídas mais precocemente.

“Como o tratamento da malária envolve esses dois medicamentos, primaquina e cloroquina, avaliamos as enzimas responsáveis pelo metabolismo dos dois, para ver se havia alguma associação. E vimos que há, uma vez que os episódios de recaídas em pessoas com poliformismo na CYP2C8 aconteceu mais rapidamente, sendo o mais precoce aos 42 dias após o fim do tratamento”, afirma Silvino.

Outra importante conclusão do estudo é que os parasitos da primeira infecção são idênticos aos das posteriores. Isso evidencia a possibilidade de que recaídas se devem a falhas terapêuticas dos medicamentos.

O estudo foi realizado no Hospital Universitário de Cuiabá, em Mato Grosso, região que está atualmente em fase de pré-eliminação da malária e onde a infecção por parasito local é considerada altamente improvável. Todos os pacientes haviam viajado para área endêmica, onde foram infectados e diagnosticados. Esses indivíduos não retornaram mais a essa região onde existe a doença, excluindo a possibilidade de uma nova infecção.

“Também nos asseguramos de que os casos analisados só tivessem reaparecido, no mínimo, 28 dias após o fim do tratamento, garantindo, assim, que se tratava realmente de recaídas”, diz a pesquisadora.

A doença

A malária é uma doença infecciosa, não contagiosa, com manifestações episódicas. Os sintomas são calafrios fortes, acompanhados de dor de cabeça, náusea e sudorese profunda. São sintomas que se repetem em ciclos diários, em dias alternados ou a cada três dias e podem durar de uma semana a um mês ou mais.

Os parasitos causadores são Plasmodium falciparum, que provoca a forma mais grave da doença, Plasmodium vivax, Plasmodium malariae e Plasmodium ovale. O estudo realizado pelos pesquisadores da Fiocruz Minas se refere ao vivax, que, no Brasil, é responsável por 84% dos casos. Trata-se da endemia mais expressiva do país, presente principalmente na Amazônia, devido às suas condições climáticas, com hidrografia abundante, chuvas frequentes e enchentes, que favorecem os criadouros dos vetores. Ocorre também em focos de transmissão em áreas fora da região Amazônica, introduzidos a partir de indivíduos migrantes da área endêmica, onde existirem os mosquitos vetores.

A malária é transmitida ao homem através de picada de mosquitos vetores do gênero Anopheles. Somente as fêmeas são hematófagas e transmitem o agente infeccioso, normalmente ao crepúsculo e à noite. É preciso que o vetor tenha adquirido previamente o parasita depois de picar uma pessoa com a doença. A transmissão também pode ser acidental, através de transfusão de sangue contaminado ou pelo uso de agulhas e seringas infectadas, bem como por via congênita, com a transmissão da mãe para o bebê na gestação.

(Leia a pesquisa na íntegra, em inglês)

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