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08/07/2016

Pesquisa sobre os discursos pró-aleitamento materno no Brasil é publicada em livro

André Bezerra e Raíza Tourinho (Icict/Fiocruz)


Em busca dos sentidos sobre amamentação produzidos nos discursos oficiais de promoção e orientação ao aleitamento materno, a jornalista do Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) Irene Kalil realizou uma extensa pesquisa sobre materiais de divulgação de campanhas públicas em torno do tema. Dentre os resultados encontrados, a percepção de que a comunicação oficial não alcança toda a complexidade da amamentação e seus desdobramentos na inserção social da mulher. O trabalho realizado no curso de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS/Icicit/Fiocruz), concluído em 2015, agora é compartilhado com o público no livro De Silêncio e Som: A produção de sentidos nos discursos pró-aleitamento materno contemporâneos, lançado nesta quinta-feira (7/7), pelo selo Luminária Academia/Editora Multifoco. Em entrevista à Inova Icict, a autora analisa as representações encontradas e reflete sobre abordagens complementares de comunicação que possam expandir os sentidos sobre o aleitamento materno:

Inova Icict: A sua tese foi defendida há pouco mais de um ano. De certo modo, foi um tempo curto para a publicação em livro. Como se deu esse processo?

Irene Kalil: A banca que participou da defesa da tese a indicou para publicação e, então, comecei a pensar na possibilidade de fazer o livro. Procurei uma editora pequena aqui do Rio e eles se interessaram. Depois de fazer a edição do material, mandei para revisão e estamos, nos últimos meses, finalizando questões de capa, texto da orelha, prefácio, correções na versão diagramada... Enfim, um processo trabalhoso, mas que tem valido a pena. Primeiro porque eu acredito que seja um tema importante e uma abordagem crítica que precisa ser feita no Brasil, como vem sendo feita em outros países. Segundo porque, à medida em que divulguei o lançamento do livro nas minhas redes pessoais, descobri que há muitas pessoas interessadas em ler e debater sobre esse assunto, partindo de suas próprias vivências de amamentação inclusive.

Inova Icict: Quais são os principais achados da sua pesquisa? Houve resultados que te surpreenderam?

Irene Kalil: É difícil resumir uma pesquisa que se propõe a analisar discursos em poucas palavras. Mas acho que o mais significativo com relação aos resultados é que, embora estejamos no século XXI, e as mulheres assumam tantas funções, demonstrando serem capazes de atuar em profissões e cargos tradicionalmente ocupados por homens, os discursos pró-aleitamento materno ainda se assemelham muito àqueles proferidos pelo movimento higienista da virada do século XIX para o XX. O argumento da prática da amamentação como algo ‘natural’ – que remete à associação da mulher à natureza e do homem, à cultura – é, hoje, aliado ao discurso das evidências científicas, que aponta a superioridade nutricional e as propriedades imunológicas do leite materno. Tudo isso é utilizado no processo de convencimento das mulheres a amamentar, mas as perspectivas dessas mesmas mulheres, seus desejos, expectativas e subjetividade, bem como suas outras identidades (como trabalhadora e mulher, por exemplo), não são levados em consideração na elaboração desses discursos. Isso poderia ser considerado surpreendente, do ponto de vista histórico, mas não posso dizer que me surpreendeu, como mãe e mulher trabalhadora que sou, imersa nesse contexto social e vivendo diariamente essas ‘contradições culturais da maternidade’, como bem pontuou a pesquisadora norte-americana Sharon Hays.

Inova Icict: Nos materiais educativos analisados em sua tese, você encontrou recorrentemente a figura da mãe, sacralizada no processo de amamentação, sem a presença do pai. A ideia de que a amamentação é algo natural e papel somente da mulher ainda é muito forte em nossa sociedade. Você acredita que isso está em vias de mudança?

Irene Kalil: Sim, a amamentação vem sendo tratada como função natural e social da mulher há bastante tempo e os discursos atuais continuam, em geral, a reforçar essa visão. O pai, quando é ‘incluído’, aparece mais como um apoiador, alguém que pode ajudar a mulher a cumprir sua missão. Como sinalizei na conclusão da tese e do livro, acho que, recentemente, presenciamos alguns sinais de mudanças na sociedade brasileira, não somente no âmbito dos discursos e ações do Ministério da Saúde, mas também no que diz respeito às leis envolvendo a família. Como exemplo, cito a extensão da licença paternidade, que por quase trinta anos foi de 5 dias consecutivos, para vinte dias consecutivos sem prejuízo do emprego e salário para servidores da Administração Pública Federal e funcionários de instituições vinculadas ao Programa Empresa-Cidadã (Lei 13.257/2016). Há, ainda, a aprovação da Lei 13.058, de dezembro de 2014, que altera o Código Civil e regulamenta – e prioriza – a guarda compartilhada entre pai e mãe em casos de separação, entendendo que o tempo de convivência dos filhos com os pais deve ser dividido de forma mais ‘equilibrada’, bem como devem ser compartilhadas as decisões acerca da criação e educação da criança. No entanto, não podemos ignorar que se trata de um processo lento, com avanços e retrocessos, e a minha visão é de que ainda precisamos avançar muito, tanto no âmbito do debate acadêmico e social sobre os papéis de gênero em nossa sociedade quanto em relação a políticas familiares mais efetivas. Nesse sentido, aponto a necessidade de se estenderem as licenças maternidade e paternidade para todas as trabalhadoras e trabalhadores e da criação de licenças parentais, como já existem em países como Suécia, Portugal e outros, o que possibilitaria tornar mais equânime a divisão do bônus e do ônus da criação dos filhos entre mulheres e homens.

Continue a leitura da entrevista no site do Icict/Fiocruz

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