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04/09/2008

Pesquisador apresenta resultados de estudos sobre eventos adversos em hospitais

Fernanda Marques


Os eventos adversos em hospitais, inclusive os erros médicos, constituem um problema de relevância internacional. O tema foi discutido no 1º Fórum de Erros em Medicina, promovido no Instituto Nacional do Câncer (Inca), no Rio de Janeiro. Um dos participantes foi o médico sanitarista Walter Mendes, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz. Em entrevista à Agência Fiocruz de Notícias (AFN), Mendes apresenta os resultados de seus mais recentes estudos sobre eventos adversos hospitais. Em trabalho já submetido à publicação em revista internacional, o pesquisador mostra que a incidência desses eventos é de 7,6% em hospitais de ensino do Rio, sendo que a maioria das ocorrências poderia ter sido prevenida. Mas o problema não está restrito ao Brasil. Até os países mais desenvolvidos têm sofrido com essa questão. Nos Estados Unidos, por exemplo, os custos provocados por eventos adversos em hospitais podem chegar a quase US$ 30 bilhões anuais.


 Mendes: os procedimentos cirúrgicos são a origem mais freqüente desses eventos adversos, respondendo por 36,2% do total dos casos encontrados (Foto: Peter Ilicciev)

Mendes: os procedimentos cirúrgicos são a origem mais freqüente desses eventos adversos, respondendo por 36,2% do total dos casos encontrados (Foto: Peter Ilicciev)



    

AFN: Qual a definição de evento adverso em hospitais?

Walter Mendes:
O evento adverso é definido como lesão ou lesão não intencional que resultou em incapacidade ou disfunção temporária ou permanente e/ou prolongamento do tempo de permanência ou morte como conseqüência do cuidado prestado. No entanto, é importante destacar que o cuidado de saúde é o resultado das ações dos vários profissionais que compõem a equipe médica, assim como dos processos relacionados às rotinas de trabalho. Assim, a expressão em inglês medical error não se refere apenas ao erro do médico, mas ao erro de todo esse sistema que engloba o cuidado de saúde.


AFN: A preocupação com eventos adversos em hospitais é recente?

Mendes:
Não. Na verdade, a preocupação de que o cuidado à saúde não deve ser a causa de um agravo ao paciente vem desde Hipócrates. Já em meados do século 19, a enfermeira britânica Florence Nightingale revolucionou a atenção hospitalar a partir da observação dos riscos para o paciente da má higiene nos hospitais. No início do século 20, o cirurgião americano Ernest Codman apontou para a necessidade de avaliação rotineira dos resultados negativos na cirurgia para a melhoria da qualidade. De forma mais sistemática, os eventos adversos em hospitais – um fenômeno relacionado a problemas de qualidade nos serviços de saúde – são estudados há, pelo menos, duas décadas.


AFN: O que mostram as pesquisas feitas no exterior?

Mendes:
Fizemos uma revisão sistemática da literatura científica sobre avaliação da ocorrência de eventos adversos em hospitais. Identificamos dez estudos que utilizavam o método da revisão retrospectiva dos prontuários dos pacientes e haviam sido publicados nos Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, França, Inglaterra, Dinamarca, Canadá e Espanha. Nesses estudos, a incidência de eventos adversos em hospitais variou de 2,9% a 16,6%.


AFN: O que isso significa em termos de saúde pública?

Mendes:
Nos países onde foi investigado, o fenômeno dos eventos adversos atinge patamares alarmantes. Nos Estados Unidos, estima-se que, anualmente, cerca de 100 mil pessoas morram em hospitais vítimas de eventos adversos. Essa alta incidência resulta em uma taxa de mortalidade maior do que a atribuída à Aids, ao câncer de mama ou aos atropelamentos. Naquele país, os custos provocados por eventos adversos podem chegar a quase US$ 30 bilhões anuais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) criou em 2004 o programa World Alliance for Patient Safety, para desenvolver políticas de segurança para o paciente.


AFN: Há estudos desse tipo no Brasil?

Mendes:
A ocorrência de eventos adversos é considerada um problema de importância internacional. Mundialmente, a discussão da qualidade do cuidado à saúde volta-se cada vez mais para a questão dos eventos adversos. Entretanto, poucos são os estudos brasileiros sobre a ocorrência desses episódios, e os trabalhos já realizados enfocaram causas específicas, como eventos adversos provocados por medicamentos. A nossa equipe de pesquisa, coordenada pela professora Cláudia Travassos, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict) da Fiocruz, vem fazendo a avaliação do conjunto de eventos adversos em hospitais brasileiros. Para isso, utilizamos instrumentos desenvolvidos por pesquisadores canadenses e adaptados à realidade nacional.


AFN: O que essa avaliação já revelou?

Mendes:
Utilizando a revisão retrospectiva dos prontuários dos pacientes, que tem sido o método mais aceito, analisamos dados relativos a uma amostra de cerca de 1.100 pacientes hospitalizados em três hospitais do Estado do Rio de Janeiro. Nesse trabalho, já submetido à publicação em um renomado periódico científico internacional, encontramos uma incidência de eventos adversos de 7,6%. Este percentual é similar ao observado em estudos conduzidos em outros países, como Canadá, Dinamarca e Espanha.


AFN: Quais as principais características dos eventos adversos nos três hospitais brasileiros analisados?

Mendes:
Observamos, por exemplo, que os procedimentos cirúrgicos eram a origem mais freqüente desses eventos adversos, respondendo por 36,2% do total de casos encontrados. Além disso, a proporção de eventos adversos devido à omissão foi de 34%, enquanto os outros 66% foram associados a ações.


AFN: O que mais chamou a atenção nos resultados das análises?

Mendes:
Verificamos que, entre os casos de eventos adversos encontrados, 66,7% poderiam ter sido prevenidos. Este percentual é elevado, se comparado aos de outros países, como França (27,6%), Canadá (37%) e Dinamarca (40,4%). Nossos resultados sugerem, portanto, que os problemas relacionados à segurança dos pacientes são mais freqüentes nos hospitais do Brasil, quando comparados aos de países mais desenvolvidos. 


AFN: Qual lição se tira desses resultados?

Mendes:
Entender esse fenômeno é um importante passo para pensar políticas que garantam a segurança dos pacientes que procuram assistência em hospitais. Os impactos esperados desse estudo incluem conhecer a magnitude do problema com eventos adversos em hospitais, contribuir para sistemas de avaliação mais eficientes e subsidiar estratégias de redução da ocorrência de tais eventos.


Publicado em 04/09/2008.

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