24/04/2018
A chegada do inverno é também o início da temporada de gripes e resfriados. Este ano a preocupação dos infectologistas é grande porque no inverno do ano passado, no hemisfério norte, houve um notório aumento dos casos de influenza. Somente nos Estados Unidos o subtipo H3N2 infectou mais de 47 mil pessoas, causando a morte principalmente em crianças e idosos.
O Brasil já está se prevenindo para uma possível epidemia da doença. O Ministério da Saúde vem se mantendo vigilante quanto à circulação de vírus influenza e tem informado que o país conta com uma rede de três estações-sentinela: o Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, a Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e o Instituto Evandro Chagas, em Belém do Pará, que fazem exames em indivíduos infectados para descobrir quais são as cepas virais que mais circulam em cada região.
A vacina contra a influenza já está adaptada para essa temporada e a campanha de vacinação começou, em todo território nacional, no dia 23 de abril. A meta do Governo Federal é vacinar 54 milhões de pessoas até 1º de junho e, para alcançar esse número, foram adquiridas cerca de 60 milhões de vacinas.
O público-alvo para receber as doses gratuitamente no SUS são pessoas a partir de 60 anos, crianças de seis meses a cinco anos, trabalhadores da área de saúde, professores das redes pública e privada, mulheres gestantes e puérperas, indígenas, pessoas privadas de liberdade (incluindo adolescentes cumprindo medidas socioeducativas), profissionais do sistema prisional e portadores de doenças que aumentam o risco de complicações em decorrência da influenza. A escolha desse grupo ocorre por eles serem mais vulneráveis aos efeitos da gripe e sofrerem mais com seus sintomas e desdobramentos. A vacina é contraindicada para quem tem alergia severa a ovo.
Existem três tipos de vírus influenza circulando no Brasil: A, B e C. O tipo C causa apenas infecções respiratórias brandas, não possui impacto na Saúde Pública e não estando relacionado com epidemias. Já os vírus da Influenza A e B são responsáveis por epidemias sazonais, sendo o vírus influenza A responsável pelas pandemias que ocorrem de tempos em tempos. A vacina contra a gripe ofertada no Sistema Único de Saúde (SUS) protege contra as influenzas A e B.
Confira a entrevista com o médico infectologia e chefe do Laboratório de Pesquisa em Imunização e Vigilância em Saúde do Instituto Nacional de Infectologia (INI/Fiocruz), José Cerbino Neto, para conhecer melhor o que são os subtipos de influenza existentes, o possível risco de epidemia no Brasil, saber que medidas devemos adotar para evitar a contaminação pelo vírus e entender porque é fundamental se vacinar contra a doença.
INI/Fiocruz: Cada ano temos uma sigla diferente para o vírus da influenza. Por que isso? São todos o mesmo vírus?
José Cerbino Neto: Na realidade o que temos são subtipos de vírus. O vírus influenza circula todo ano com alguns subtipos predominantes. Nós temos a influenza A, com os subtipos H1N1 e H3N2, e a influenza B. De tempos em tempos ocorrem grandes mudanças nos vírus, como a que provocou a pandemia que ocorreu em 2009 com o H1N1, e também acontecem pequenas variações de um ano para o outro que fazem com que ele não seja tão bem reconhecido assim pelo nosso sistema imunológico, tornando a vacina do ano anterior menos eficaz.
INI/Fiocruz: As vacinas de 2018 já contemplam essas variações?
José Cerbino Neto: Sim. Por conta dessas variações nos vírus, as vacinas são adaptadas todo o ano. Pode ocorrer de não mudarmos a vacina porque o vírus não sofreu alteração, mas não é o caso agora. Por exemplo, tivemos de 2016 a 2017 uma mudança no subtipo do H1N1. Era o mesmo vírus que sofreu algumas pequenas variações que foram incluídas na vacina para proteger melhor contra o vírus que estava em circulação na época. Esse ano temos uma mudança no H3N2, justamente porque o vírus que circulou em 2017 no hemisfério norte já não era tão bem adaptado para a vacina. Isso fez com que tivéssemos um número maior de casos de infecção pelo H3N2, inclusive de casos graves. Esse H3N2 foi um subtipo que se comportou com maior gravidade, principalmente nas faixas etárias avançadas, trazendo um aumento de mortalidade associada a ele. Então a vacina que vamos usar esse ano contra o H3N2 já não é a mesma que foi utilizada no hemisfério norte ou a utilizada em 2017 aqui no Brasil. Ela foi modificada para casar melhor com o subtipo que está circulando atualmente.
INI/Fiocruz: Como são feitas essas mudanças nas vacinas?
José Cerbino Neto: Essas mudanças são definidas pela Organização Mundial de Saúde. A OMS tem uma rede de laboratórios de referência espalhados pelo mundo inteiro, e a Fiocruz é um desses laboratórios, localizado no Instituto Oswaldo Cruz (IOC). Esses laboratórios vão isolando os vírus ao longo do ano e enviam para a OMS os subtipos para ela definir que cepa deve ser contemplada na vacina trivalente (H1N1, H3N2, Influenza B) e os laboratórios fabricam em cima dessa recomendação.
Isso explica o porquê a vacina não foi tão bem casada no hemisfério norte esse ano e ocorreu o aumento de casos de H3N2. Isso porque tem um tempo entre a identificação do vírus que está em circulação e a OMS informar para os laboratórios qual a cepa deve conter a vacina e os laboratórios produzirem a vacina que será utilizada no ano seguinte. Nesse intervalo de tempo o vírus pode sofrer uma mudança e já não ser exatamente o mesmo que vinha circulando antes.
INI/Fiocruz: Nós produzimos a vacina no Brasil?
José Cerbino Neto: Sim, essa produção fica a cargo do Instituto Butantan.
INI/Fiocruz: Como podemos diferenciar o H1N1 ou H3N2 de um resfriado?
José Cerbino Neto: Temos vários estudos que mostram que é uma diferenciação difícil do ponto de vista clínico. Muitas vezes o médico pensa ser influenza e não é. O oposto também ocorre. O que usamos como principal diferencial entre resfriado e gripe é a presença da febre.
Se você parar para pensar nos últimos anos quando ficou gripado, você não teve febre. Teve outros sintomas como coriza, nariz entupido, espirrou, mas não teve febre. Você estava resfriado, não gripado, na verdade. Embora esse comportamento não seja observado em 100% dos casos, a febre ainda é o melhor marcador clínico que temos para diferenciar uma da outra. É uma das coisas, inclusive, que as pessoas confundem quando recebem a vacina e acham que ficam gripadas.
INI/Fiocruz: Exatamente. Essa é uma afirmação constante: “tomei a vacina e fiquei gripado”. Isso procede?
José Cerbino Neto: Não, não procede. Na verdade a vacina protege contra, no caso, três subtipos de influenza (H1N1, H3N2, Influenza B), mas existem outros subtipos que estão circulando em menor frequência e têm outros vírus respiratórios que causam resfriado, que também estão em circulação e a vacina não protege contra eles.
Se uma pessoa vai ficar resfriada ou gripada por algum desses outros subtipos durante o ano, o mais provável é que isso ocorra logo depois de tomar a vacina, porque ela é administrada justamente antes desses vírus circularem para a pessoa ficar protegida. O que acontece é uma associação temporal. Se eu tomo a vacina e 10 ou 15 dias depois fico resfriado, eu penso que a culpa é da vacina, mas essa vacina não contém o vírus vivo. Ela pode trazer reações adversas como qualquer vacina ou medicamento, mas desenvolver a gripe não é uma das reações associadas à vacina porque ela não contém o vírus vivo. Então é impossível, biologicamente falando, uma pessoa ficar gripada porque tomou a vacina.
INI/Fiocruz: Segundo o Ministério da Saúde, no Brasil tivemos, até o começo do mês de abril de 2018, 71 casos e 12 mortes confirmadas por conta do H3N2. Como é o tratamento de uma pessoa com influenza. Ela deve ser isolada?
José Cerbino Neto: É importante destacar que além da vacina nós temos o antiviral, que é um medicamento específico para o tratamento das pessoas gripadas. Esse antiviral tem que ser iniciado rapidamente para que ele surta efeito. O ideal é que seja iniciado nas primeiras 48 horas dos sintomas e, no máximo, até quatro dias de doença para que ele tenha realmente alguma eficácia.
No momento que você tem o sintoma respiratório deve procurar a assistência médica para que o diagnóstico seja rápido, principalmente se você tem alguns fatores de risco para as formas graves, se é idoso, uma criança muito nova, se tem alguma outra comorbidade ou doença.
A gripe começa a ser transmitida antes dos sintomas. Então, do ponto de vista de convívio social, não há uma restrição de você ter que ficar isolado em casa. Mas uma coisa importante, e issa é uma mudança cultural que precisamos reforçar, é que a criança doente não pode ir para a escola e que a pessoa gripada não pode trabalhar porque isso é o que amplia a disseminação da doença. Em um ambiente de trabalho ou na escola, a taxa de aglomeração é muito maior do que em casa. Em casa você convive com mais uma, duas ou três pessoas e no trabalho, 200 pessoas.
Culturalmente, temos aquele pensamento de que quem está gripado e quer ficar em casa está fazendo “corpo mole” para não ir trabalhar. A gente precisa mudar essa cultura. Isso tem que ser corrigido. A pessoa que está gripada não pode ir trabalhar. Não só por ele, mas pelas pessoas que ele pode estar colocando em risco. Não que ele precise ficar em isolamento, mas ele não deve frequentar locais com grandes aglomerações, principalmente locais de trabalho e escolas.
INI/Fiocruz: Existe algum grupo mais afetados pela influenza?
José Cerbino Neto: O risco de infecção é igual para todo mundo, mas existem grupos que possuem o risco da forma mais grave da influenza, como os idosos, as crianças até cinco anos, as gestantes e as pessoas com outras doenças, principalmente doenças pulmonares ou cardiovasculares.
INI/Fiocruz: Podemos dizer que a vacina não imuniza contra o vírus da influenza, mas que ela minimiza os sintomas caso a pessoa venha a ficar doente?
José Cerbino Neto: Não, a vacina imuniza sim contra o vírus, mas nenhuma vacina é 100% eficaz. Em alguns casos ela não impede totalmente que você se infecte pelo vírus, mas ela reduz muito o risco, principalmente de formas graves.
INI/Fiocruz: Quais as medidas preventivas que podemos adotar para evitar a transmissão da doença?
José Cerbino Neto: As duas principais medidas são as lavagens das mãos e evitar o contato com as mucosas. Existem até campanhas que falam dos sete buracos da cabeça (olhos, ouvidos, narinas e boca) e se você evitar o contato com eles, não terá transmissão da influenza por essa via, principalmente em regiões tropicais como a nossa. Existem trabalhos que mostram que aqui a transmissão pelo contato é até mais importante que a transmissão aérea.
“Ah, mas a transmissão não é respiratória? ”, a pessoa pode perguntar. Ela ocorre por gotículas respiratórias, mas não é necessariamente aérea. Por exemplo, o computador é um clássico para transmissão de gripe. Você está ali trabalhando, tosse, espirra ou fala em cima do teclado, outra pessoa vem, usa aquele teclado e como o vírus sobrevive algum tempo no ambiente, pode se infectar.
Como expliquei, em regiões tropicais isso pode ser até mais importante do que em locais mais frios. O vírus sobrevive um tempo no ambiente, mas isso varia de acordo com a umidade, a temperatura do local. etc.
Então, lavagem das mãos é importante, o uso de álcool gel também. Esse tipo de higiene é fundamental, além de se manter os ambientes sempre bem arejados.
INI/Fiocruz: Vamos começar a campanha de vacinação agora no Brasil. O risco é alto assim para nosso país em ter uma epidemia como a que ocorreu nos Estados Unidos?
José Cerbino Neto: Existe sim. A gente vai ter uma vacina que teoricamente está mais adaptada para esse vírus H3N2 que causou milhares de mortes nos Estados Unidos, então a expectativa é que ela funcione melhor aqui e que a gente não tenha tanto problema quanto eles tiveram no hemisfério norte.
A gente pode reforçar que a vacina está melhor adaptada ao vírus H3N2, mas como é uma situação dinâmica não temos como prever, teoricamente, qual vai ser a efetividade dela.
INI/Fiocruz: No Brasil, alguma região pode ser mais afetada do que a outra pelo vírus? Por exemplo, o Sul por ser mais frio, pode ser uma região mais problemática para a doença?
José Cerbino Neto: O interessante no Brasil que é um fator que dificulta o controle da influenza, e a OMS passou a considerar isso de uns anos para cá, é que há uma diferença na epidemiologia da doença entre as regiões tropicais e temperadas. Isso foi demonstrado em diversos artigos publicados por pesquisadores, inclusive aqui da Fiocruz e do nosso grupo no INI.
Essa sazonalidade da doença muito marcada é uma característica das regiões temperadas. No hemisfério sul temos uma grande concentração de casos no inverno, no período de maior frio, e isso é um espelho do que acontece no hemisfério norte. Entretanto, na nossa região mais tropical e subtropical, que pega as regiões Norte, Nordeste, principalmente, essa sazonalidade não é tão marcante.
Não é uma questão de um número maior ou menor de casos, mas o fato de não estar tão concentrada no tempo. Estamos tendo casos no Ceará antes da vacina estar disponível, porque lá a doença não obedece essa sazonalidade como aqui no Rio de Janeiro. O Ministério da Saúde antecipou, esse ano, a vacinação em Goiás porque os casos já estavam acontecendo por lá e se analisarmos a série histórica da doença, ela segue o regime de chuvas nessa região. A influenza não segue um regime de inverno ou verão nessas áreas.
Então a dificuldade que a gente tem no país em relação a essas áreas do norte e nordeste, principalmente, é que não se tem essa mesma distribuição de casos que encontramos nas regiões sul ou sudeste e, por conta disso, não há a vacina disponível antes do início do surgimento dos casos. Temos etapas para cumprir como identificar o vírus, fazer a proposta que vai estar na vacina, produzir a vacina e disponibilizar para a rede de saúde. Então, em algumas regiões do Brasil, e isso é valido para todas as regiões tropicais, o vírus se antecipa e começa a circular antes da vacina estar disponível. Isso acaba gerando algum problema de cobertura e, consequentemente, o aumento de casos porque as pessoas ainda não estão imunizadas.
INI/Fiocruz: Para encerrarmos e deixar um alerta bem claro: existe a variante do vírus da influenza H2N3 como propagado nas redes sociais?
José Cerbino Neto: Não existe a variação H2N3 do vírus da influenza. Isso é notícia falsa, conforme foi notificado em campanha na internet veiculada pelo Ministério da Saúde.