31/03/2023
Ana Paula Blower e Ciro Oiticica (Agência Fiocruz de Notícias)
No Brasil para o anúncio da construção de uma biofábrica em mais uma parceria entre a Fiocruz e a World Mosquito Program (WMP), o CEO da WMP Global, Scott O'Neill, falou com a Fundação sobre a importância da expansão da produção de mosquitos com Wolbachia. Esta bactéria, inserida no Aedes aegypti, impede a transmissão das arboviroses e se mantém nas gerações seguintes de mosquitos, reduzindo assim a incidência de dengue, chikungunya e zika. A biofábrica a ser construída até o início do próximo ano prevê, por semana, a produção de até 100 milhões de Wolbitos, como foram batizados os mosquitos com Wolbachia.
Scott O'Neill falou com a Fundação sobre a importância da expansão da produção de mosquitos com Wolbachia (foto: WMP Brasil)
Para O’Neill, que é também o cientista-chefe que liderou as pesquisas que levaram à descoberta do método, o que mais encoraja o trabalho de controle de arboviroses usando a Wolbachia é a percepção da população de que a tecnologia funciona e que, de fato, reduz a incidência das doenças. “Elas não precisam das ferramentas matemáticas, das estatísticas, dos cientistas… Elas podem ver com seus próprios olhos”, afirma. Agora, ele diz que o foco é ampliar a produção de Wolbitos em um curto período de tempo para que a tecnologia possa alcançar mais pessoas pelo Brasil e, futuramente, pelo mundo.
AFN: Qual a importância da implantação da nova fábrica no Brasil?
Scott O'Neill: Estamos trabalhando há vários anos com a Fiocruz no desenvolvimento dessa abordagem para controlar a dengue. Passamos esse último período de tempo realmente focados em mostrar quão eficaz essa abordagem é, tanto do ponto de vista científico da doença quanto do ponto de vista econômico, do custo-benefício do trabalho. E tudo isso se mostrou indo muito bem. Agora é o momento em que começamos a escalar e tornar a tecnologia disponível para as populações em risco em todo o Brasil. Então esse anúncio que estamos fazendo é sobre o novo estágio da nossa relação, que está indo em direção ao escalonamento da produção e distribuição da tecnologia pelo país.
AFN: Essa tecnologia pode ser distribuída para todo o Brasil ou ainda é preciso avançar?
Scott O'Neill: Acredito que nós ainda queremos ver melhorias na produção, para produzir mosquitos suficientes para serem distribuídos em múltiplas cidades brasileiras ao mesmo tempo. Então, estamos desenvolvendo instalações de alta tecnologia para o processo de produção do mosquito. E também buscamos abordagens inovadoras para distribuir os mosquitos nas cidades para aumentar de outra forma o que já vínhamos trabalhando. Estamos avaliando a liberação aérea de mosquitos e também a liberação dinâmica pelo solo por veículos como motos e carros. Então ainda há inovação ocorrendo, mas a inovação agora é muito sobre como aumentamos a escala (de produção) e distribuímos a inovação para que ela chegue ao maior número de pessoas que precisam e em um curto período de tempo.
AFN: Como você acha que os efeitos dessa abordagem podem ser sentidos pela população com relação à redução de casos de dengue?
Scott O'Neill: É muito interessante que, como cientistas, temos muitos instrumentos matemáticos sofisticados, ferramentas estáticas para medir a redução dos casos, etc, mas o que eu realmente gosto é de ir até as comunidades e falar com as pessoas onde implantamos a abordagem - e as pessoas entendem, elas podem ver a redução da doença. Elas não precisam das ferramentas matemáticas, das estatísticas, dos cientistas… Elas podem ver com seus próprios olhos. E quando você vê esse tipo de efeito, muito rápido após a implantação, é muito encorajador para nós. A comunidade consegue ver diretamente o efeito.
AFN: O World Mosquito Program tem muitos parceiros pelo mundo. Em qual país essa parceria está mais avançada? Quais efeitos foram sentidos e quais resultados foram alcançados?
Scott O'Neill: Atualmente estamos trabalhando com 12 países. O trabalho que estamos planejando nos próximos anos no Brasil vai liderar o (que faremos no) mundo. A fábrica que estamos prestes a construir no Brasil será a maior no mundo, e o Brasil tem uma das maiores incidências da doença, então é natural que coloquemos muito foco aqui para dar escala à produção.
Há o trabalho que temos feito na Ásia, onde também há muitos casos de dengue na região sudeste do continente, particularmente na Indonésia, onde nós temos feito testes clínicos que mostram um impacto massivo dos efeitos da tecnologia na redução significativa da incidência da doença. Então também estamos colocando grande foco em países como Indonésia e Vietnã, onde trabalhamos anteriormente. Na América Latina, trabalhamos também com a Colômbia, onde nosso trabalho está bem avançado.
AFN: O que significa para vocês a parceria com a Fiocruz?
Scott O'Neill: Agradeço muito a oportunidade de colaborar com a Fiocruz. A Fiocruz é uma instituição científica extremamente respeitada mundialmente. Faz um trabalho científico fantástico, mas também tem uma conexão profunda com a aplicação prática e faz algo que tem impacto na vida das pessoas. Então, me sinto muito privilegiado por podermos trabalhar de forma tão eficaz com a Fiocruz e a parceria é tão forte conforme avançamos, acho que seremos capazes de, por meio dessa parceria, realmente mostrar o poder dessa tecnologia para países ao redor do mundo. Há 126 países no mundo sofrendo muito com a dengue no momento e o trabalho que podemos fazer aqui no Brasil vai realmente pavimentar o caminho para outros países também adotarem a tecnologia. Então sou muito grato pela oportunidade que temos de trabalhar com a Fiocruz.