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16/10/2015

Pesquisador fala sobre os desafios permanentes do antrax

Lucas Rocha (IOC/Fiocruz)


A bactéria Bacillus anthracis poderia se limitar a um tema de interesse veterinário, uma vez que costuma atingir gado e cavalos. No entanto, sua capacidade de causar uma reação devastadora no organismo humano a tornou conhecida pelo potencial de uso como arma biológica, capaz de causar rapidamente uma doença infectocontagiosa chamada carbúnculo – ou antrax –, que pode ser fatal. Especialista no tema, o bacteriologista Leon Rabinovitch, pesquisador do Laboratório de Fisiologia Bacteriana do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e coordenador do Laboratório de Referência Nacional para Carbúnculo do IOC, destaca que a manipulação genética destas minúsculas bactérias é um dos motivos que permite o seu emprego em ações de bioterrorismo. O assunto, que retoma a atenção por conta dos eventos de grande porte realizados no país, foi pauta, na última semana (9/10), do tradicional Centro de Estudos do IOC, encontro que reúne semanalmente pesquisadores e alunos da instituição em torno de um tema científico relevante.

Segundo Leon, tanto o bioterrorismo como a bioagressão consideram a preparação proposital de material com a intenção de veicular agentes etiológicos de uma doença (foto: Gutemberg Brito)

 

Resposta a uma ameaça potencial

Foram ameaças concretas de bioterrorismo que levaram esta bactéria, tipicamente relacionada a animais, a começar a ser estudada por uma instituição como o IOC, dedicada à saúde humana. Leon relata que os trabalhos envolvendo a bactéria tiveram início em 2001, após uma série de atentados terroristas nos Estados Unidos e em outros países. Na época, foram registrados 22 casos de infecção por antrax nos EUA – sendo que cinco pessoas morreram. No mesmo ano, foi encontrado pó suspeito em um avião comercial que havia pousado no Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão), no Rio de Janeiro, um dos mais movimentados do Brasil. O Governo Federal acionou profissionais especializados, com destaque para os pesquisadores do IOC, designados para identificar o material. 

“Encaramos o desafio de lidar com algo novo, e fizemos um esquema de análise, com outros colegas da Fiocruz, em regime de emergência. Verificamos que o pó encontrado não continha evidências da presença de esporos da bactéria. Esta agilidade permitiu ao Ministério da Saúde realizar pronunciamento, no mesmo dia, esclarecendo o caso”, ressaltou Leon que considera este caso um evento marcante de sua trajetória científica. 

Surgia, então, no Instituto, o serviço nacional de referência para Carbúnculo, reconhecido pelo Ministério da Saúde. “No Laboratório, nos dedicamos às atividades de pesquisa ao mesmo tempo em que permanecemos sempre a postos para o caso de algum acontecimento de emergência que demande diagnóstico”, explica Leon, acrescentando que a capacitação de profissionais também é uma atividade de rotina. Desde 2001, foram analisadas aproximadamente 800 amostras de material suspeito – em todas foi descartada a presença do bacilo causador do antrax. De acordo com Leon, em geral, são considerados materiais suspeitos correspondências ou pacotes com substâncias não identificadas enviados para órgãos relevantes. A sede do Congresso Nacional, em Brasília, e das embaixadas de países como Estados Unidos, Inglaterra e Israel estão entre os exemplos.

Neste ponto, o bacteriologista ressalta a necessidade de se contextualizar os conceitos de Bioterrorismo e Bioagressão. Segundo o pesquisador, a diferença básica consiste na amplitude da ação. “Tanto o Bioterrorismo como a Bioagressão consideram a preparação proposital de determinado material com a intenção de veicular agentes etiológicos de uma doença. Enquanto o primeiro ato visa atingir ambientes coletivos, o segundo apresenta foco direcionado, como o envio de uma correspondência ou uma carta”, distinguiu, reforçando a necessidade de preparação e de resposta para os dois casos. 

Colaboração em eventos de grande porte

O Laboratório tem prestado suporte durante grandes eventos, como a Jornada Mundial da Juventude e a Copa do Mundo, realizados recentemente no país. “O Brasil não parece ser um alvo em potencial de ataques desta natureza, entretanto, no Laboratório de Referência estamos preparados para qualquer incidente que envolva a presença do agente etiológico do antrax”, reforçou Leon. 

Os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016 são o próximo desafio. Atualmente, a Fiocruz integra a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI). Os pesquisadores dedicados ao tema do antrax participam de reuniões com a presença da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, do Governo do Estado, de representantes do Ministério da Defesa (CETEx), do Ministério da Justiça e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República. De acordo com Sônia Ermelinda Alves da Silva, pesquisadora do Laboratório de Fisiologia Bacteriana do IOC que atua diretamente na articulação com estes órgãos, a integração é fundamental. “A atuação conjunta de diversas instâncias permite o alinhamento de ações preventivas caso sejam encontrados materiais suspeitos por ocasião destes grandes eventos”, detalhou Sônia.

Ação rápida no organismo

O bacteriologista aponta que, tradicionalmente, a forma mais comum de contágio da doença é acidental, decorrente do manuseio de produtos provenientes de animais infectados de forma natural. Isso pode acontecer no manuseio de lã, couros, tecidos e carcaças – práticas que, em geral, são realizadas em áreas rurais. Leon explica que a infecção humana pode ocorrer de três formas: cutânea (pela penetração direta de esporos bacterianos na pele com algum tipo de corte), gastrointestinal (quando ocorre ingestão desses esporos) ou respiratória (se o material for inalado). A possibilidade de transmissão direta da doença de um indivíduo para outro ainda é incerta. As vacinas existentes não conferem proteção duradoura.

Leon explica que o uso do Bacillus anthracis como arma biológica é possível devido à manipulação dos esporos da bactéria, que são altamente resistentes. Neste processo, fatores de virulência podem ser combinados com o objetivo de ampliar o poder infeccioso da bactéria para humanos. Ao ser inalado ou ingerido, o bacilo surge do esporo e pode provocar mal-estar inicial semelhante ao de uma gripe ou distúrbio intestinal. Os primeiros e principais sinais da doença surgem entre quatro e sete dias após a infecção, dependendo do modo de penetração do agente. O efeito mais visível acontece na pele: quando infectado pela forma cutânea do antrax, o indivíduo apresenta uma vermelhidão inicial que evolui para um inchaço com ulcerações e hematomas que podem se agravar sem o devido tratamento. Já nas formas respiratória e gastrointestinal, o bacilo gera quadros mais graves, provocando infecções no pulmão e no aparelho digestivo que podem levar à morte em menos de 24 horas após o aparecimento das primeiras manifestações. Em todas as formas de infecção, o tratamento é realizado com base em antibióticos, como a ciprofloxacina.

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