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14/02/2008

Pesquisadora faz monitoramento da epidemiologia molecular do HIV-1

Renata Moehlecke


Um estudo traçou o perfil de subtipos de HIV-1 e de variantes do vírus resistentes aos medicamentos utilizados no tratamento anti-retroviral em uma população de usuários de drogas injetáveis (UDI) do Rio de Janeiro antes e depois da introdução da terapia anti-retroviral de alta potência (Haart) no Brasil. O uso de drogas injetáveis é a segunda forma mais comum de exposição a Aids no país, constituindo 14% do total de cerca de 400 mil indivíduos infectados. Trata-se da tese defendida em biologia celular e molecular pela bióloga Sylvia Teixeira, aluna do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) da Fiocruz, que também avaliou características genéticas de usuários soropositivos e negativos a fim de buscar possíveis associações entre o organismo dos hospedeiros e a susceptibilidade à infecção pelo HIV-1.


 

 O vírus HIV infectando uma célula (Foto: Jeff Johnson/APS Physics)

O vírus HIV infectando uma célula (Foto: Jeff Johnson/APS Physics)


Sylvia explica que o HIV, classificado como um retrovírus (família Retroviridae) devido à presença da enzima transcriptase reversa, tem dois tipos principais: o tipo 1 (HIV-1), predominante no mundo inteiro e responsável pela pandemia de Aids, e o tipo 2 (HIV-2), encontrado originalmente na África Ocidental e menos patogênico que o primeiro. O HIV-1 se caracteriza por uma grande heterogeneidade genética que, segundo a pesquisadora, pode ser compreendida a partir das altas taxas de mutação e recombinação da transcriptase reversa, as quais provocam rápidas mudanças no vírus in vivo. Forma-se, então, um conjunto de variantes virais (relacionadas entre si, mas distintas). “As espécies virais em um único indivíduo podem diferir em até 10%”, diz a bióloga. “Além disso, pressões seletivas exercidas pelo sistema imune ou drogas anti-retrovirais, por exemplo, também contribuem para a variação genética e resultam em evolução viral”.


Os usuários de drogas injetáveis, então, em decorrência de um estilo de vida desorganizado e de dificuldades para manter o tratamento, podem promover a seleção de linhagens virais e disseminação de variantes do vírus resistentes à anti-retrovirais, enquanto os indivíduos tratados possivelmente apresentam redução substancial na carga viral, uma melhoria clínica e uma diminuição da capacidade de transmitir o HIV a terceiros. E Sylvia acrescenta: “a população de usuários de drogas injetáveis se mostra fundamental em estudos de monitoramento da epidemiologia molecular do HIV-1, uma vez que, devido às práticas de injeção de drogas (que muitas vezes incluem o compartilhamento de equipamentos de injeção), estes indivíduos estão propensos à infecção/re-infecção por subtipos virais distintos, o que leva à possibilidade de ocorrerem eventos de recombinação entre genomas virais em áreas onde múltiplos subtipos co-circulam”.


Para a pesquisa, foram recrutados 175 UDIs entre 1994 e 1997 (era pré-Haart) e 608 de 1999 até 2001 (pós-Haart). No primeiro grupo, 26,9% dos indivíduos estavam infectados pelo HIV-1; no segundo, 7,9%. Sylvia esclarece que a comparação dos perfis de variações de resistência do vírus encontrados nestes dois grupos de UDIs infectados indicou que a freqüência das mutações primárias de resistência aos inibidores de protease (enzima também encontrada no HIV-1) aumentou de zero para 7,9%, o que pode ser conseqüência do uso extensivo e crescente destes na terapia anti-retroviral em nosso país. Segundo a bióloga, houve ainda uma diminuição da freqüência de mutações de resistência aos inibidores da transcriptase reversa, de 22,2% para 13,2%, o que sugere uma menor transmissibilidade dos vírus que possuem estas variações. “A documentação destas mutações constitui um achado relevante no que diz respeito à disseminação de vírus resistentes aos anti-retrovirais, o que acarreta em implicações diretas sobre a administração, o sucesso e o monitoramento do tratamento, ao longo da infecção”, comenta a bióloga.


Observação de genes do hospedeiro pode auxiliar o controle de epidemia de HIV-1 


A pesquisa de Sylvia também verificou possíveis associações entre variações nos aspectos genéticos de usuários e a susceptibilidade ao HIV-1. De acordo com ela, investigações de características do hospedeiro podem explicar diferenças nas respostas imunes de indivíduos a diversas doenças, como a Aids, e representam uma vasta área ainda a ser explorada.


“O processo de infecção da célula pelo HIV-1 compreende um mecanismo complexo que envolve a interação de proteínas virais e do hospedeiro”, explica a pesquisadora. “Pode-se inferir que polimorfismos genéticos nos genes do hospedeiro que participam do ciclo replicativo viral podem resultar em diferenças nos níveis de expressão ou em diferenças funcionais em variantes destas proteínas que, conseqüentemente, teriam o potencial de gerar diferenças na permissividade celular à infecção pelo HIV-1.”

 

Os fatores genéticos estudados por Sylvia não apresentaram nenhuma ligação com a susceptibilidade ou resistência ao patógeno. Mas a bióloga destaca: “a descrição de marcadores genéticos pode dar origem a novas idéias e estratégias terapêuticas e vacinais, melhorando a qualidade de vida dos indivíduos atingidos por este mal e prevenindo novas infecções, e até mesmo auxiliando no controle desta epidemia, de abrangência mundial.

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