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06/12/2007

Pesquisadora sugere sétima arte como instrumento de aprendizado de ciências

Renata Moehlecke


O uso de filmes pode ser uma boa estratégia para estimular os jovens a aprender mais sobre temas relacionados à saúde. A sugestão é da pesquisadora Silvania de Paula Souza dos Santos, aluna do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) da Fiocruz, que em sua dissertação de mestrado procurou analisar e identificar tendências sobre a percepção dos jovens sobre a história da ciência, a prática científica e o cientista com base no que eles observam em longas-metragens. Para o estudo de caso, Silvania escolheu a obra ficcional Sonhos tropicais (dirigida por André Sturm em 2002), uma adaptação para o cinema do livro de mesmo título do escritor Moacyr Scliar de 1992. O filme se propõe a contar parte da vida e obra do sanitarista Oswaldo Cruz no final do século 19 e início do 20, quanto ele retorna ao Brasil após um período de estudos na Europa. A película também mostra outra protagonista, a polonesa Esther (personagem fictícia), que chega ao país no mesmo navio de Cruz e acaba se tornando uma prostituta.


 Cartaz do filme <EM>Sonhos tropicais</EM>, de André Sturm

Cartaz do filme Sonhos tropicais, de André Sturm


Segundo a pesquisadora, a escolha de uma produção brasileira foi intencional, pois o intuito era estimular o interesse de jovens por filmes nacionais que permitem discutir ciência e prática científica no país. Além disso, a abordagem com base no âmbito nacional seria uma excelente oportunidade para debater com os alunos, durante o ensino de biociências, aspectos não só relacionados diretamente à saúde, mas também ao ambiente, a ética e a cidadania.


Durante suas aulas de ciências e biologia, Silvania notou que os jovens tinham a tendência de se manifestar sobre discursos midiáticos diversos e que esse poderia ser um bom meio para criar um espaço privilegiado para o desenvolvimento cultural e ajudar a formar espectadores críticos. “Embora a mídia possa trazer edições forjadas que corrompem os fatos, é inegável o impacto do audiovisual na aprendizagem de biociência, minha área de atuação”, diz a pesquisadora.


De acordo com o estudo de Silvania, os professores ainda mantêm uma postura "ilustrativa" em relação ao cinema e acreditam que um filme só interessa à biologia se trabalhar explicitamente o assunto. No entanto, alguns filmes podem trazer discussões transversais que incluem temas biocientíficos, como o filme Mauá, o imperador e o rei (de 1999, dirigido por Sérgio Rezende), que tem enfoque histórico mas desperta a atenção também para assuntos como métodos anticoncepcionais e Aids. “Torna-se essencial mover esforços para que os professores de ciências ampliem seu olhar frente às diversas estratégias que podem ser utilizadas no ensino, principalmente o cinema”, destaca. Silvania sugere ainda que os cursos de licenciatura e pós-graduação de biologia ofereçam disciplinas que discutam o uso do audiovisual como recurso pedagógico, como já ocorre nos cursos de história e literatura, por exemplo.


Além disso, ela aponta que o processo de utilização de filmes pode ser uma tática muito significativa, já que a história da ciência e o papel do cientista não são tópicos que costumam serem aprofundados no ensino médio, sendo abordados de forma superficial e descontextualizada. “Os conceitos fragmentados disponíveis não permitem que os jovens tenham uma dimensão da ciência como construção humana, lenta e gradativa, que envolve inúmeras pessoas de distintas áreas e são influenciadas pelos contextos histórico, político, artístico e social”, lamenta Silvania. Os filmes poderiam auxiliar, assim, a realizar a tarefa de ensino dessas temáticas e ajudar na fixação da informação.


No final de sua dissertação, Silvania montou uma coletânea com as fichas técnicas de 78 títulos cinematográficos que apresentam tópicos ligados à ciência. Sua principal expectativa é que essa seleção possa ser usada pelos educadores que tiverem “interesse em identificar, de maneira rápida, sucinta e objetiva, o filme que procura para incrementar o ensino de biociências”. A pesquisadora ainda recomenda que “o professor esteja atento à qualidade da cópia utilizada, ao espaço da exibição, à adequação etária e ao tempo necessário para que o grupo assista e discuta o filme”. E alerta: “o profissional que exibe apenas algumas cenas de um filme, para ilustrar um tópico de sua aula, poderá prejudicar a compreensão dos alunos sobre a obra ou torná-la muito menos interessante do que se ela não fosse seccionada”.


A experiência com Sonhos tropicais


Para realizar a pesquisa, foram examinados dois grupos com de estudantes, um no Museu da Vida da Fiocruz  e outro na Escola Parque-Barra, no Rio de Janeiro. Após assistirem ao filme, os alunos participaram de uma discussão sobre o conteúdo da obra, preencheram um questionário e desenvolveram uma atividade de simulação de um júri, que visava determinar se Oswaldo Cruz era culpado ou não pela Revolta da Vacina de 1904.


“Os grupos analisados mostraram alto grau de motivação na discussão dos temas científicos”, afirma Silvania. Ela distingue cinco temas principais destacados pelos jovens: Oswaldo Cruz; Revolta da Vacina; ciência e sociedade; epidemias, doenças e ações de saúde pública e a exploração sexual de mulheres. A sensibilização dos jovens pelo filme, segundo Silvania, permitiu uma socialização de conhecimentos, inclusive os obtidos anteriormente por literatura especializada, e a produção de saber. “Mesmo quando um tema não é amplamente explorado no roteiro, ainda assim pode despertar a curiosidade dos alunos e ser um convite para novas investigações”.


Silvania acrescenta que “a conversa com os alunos também é fundamental para permitir elucidações e correções sobre questões científicas presentes na narrativa”. No filme Sonhos tropicais, a forma de aplicação da vacina preventiva da varíola, com uma seringa, se apresenta incorreta. “Ilustrações da época revelam que os agentes de saúde  inoculavam o antígeno usando lancetas, uma espécie de estilete”, explica a pesquisadora. Os próprios jovens também podem apontar as incorreções que observam e ampliar as discussões, como o que ocorreu no caso desse estudo com o fato do personagem de Oswaldo Cruz fazer experimentos sem luvas.

 

Informações sobre Oswaldo Cruz e sua biografia também foram bem debatidas durante os encontros. No entanto, Silvania esclarece que alguns jovens pareceram confundir a representação do personagem e do cientista, o que indica a necessidade de diferenciar para os alunos realidade e ficção, a fim de evitar uma possível e errônea mitificação. Em relação ao contexto histórico, a pesquisadora expõe que “diversas vezes os jovens compararam a realidade da saúde pública do século 19 com a precariedade do atual sistema de saúde”, além de enfatizarem questões sobre violência policial e mau atendimento hospitalar.


Quanto ao júri simulado, os jovens foram divididos entre advogados de defesa, promotores, jurados, testemunhas, juízes e personagens do filme. Material didático e outros documentos, oferecidos pela pesquisadora, cenas e falas do filme foram usados como suporte para a atividade. Ao final da atividade, ambos os grupos consideraram Oswaldo Cruz culpado pela Revolta da Vacina. De forma geral, a justificativa do parecer utilizou como argumento a falta de divulgação da informação e a explicação para a população sobre o porquê e a importância de se tomar a vacina contra a varíola.

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