02/07/2021
Raíza Tourinho (Cidacs/Fiocruz Bahia)
Economia ou saúde? A falsa dicotomia propagada diante das medidas de contenção da pandemia por Covid-19 no Brasil perdeu mais uma nuance. Se os gestores fossem orientados por informações ideais, que pudessem permitir a adoção de medidas de distanciamento no momento e na dose adequada, mais vidas poderiam ser salvas e o impacto econômico reduzido no curso de uma pandemia. Para tornar isso possível, um sistema de controle preditivo foi desenvolvido no âmbito da Rede CoVida, fruto da colaboração científica de pesquisadores do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) e da engenharia de controle e automação da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (Ufba), que lideraram a pesquisa.
O estudo foi recém-publicado no periódico Scientific Reports, do grupo Nature. Além do Cidacs e da Ufba, o artigo é assinado por pesquisadores vinculados a instituições internacionais, como Universidade de Almería, na Espanha, a Universidade do Porto, em Portugal e Swansea University, no País de Gales, além das nacionais Universidade Federal de Santa Catarina e Universidade de São Paulo (USP).
Nas simulações realizadas pelos pesquisadores, ao analisar as medidas passadas e em um cenário otimista, a adoção do sistema poderia ter evitado até em 64% o número de casos, internações e óbitos com uma melhor administração dos períodos de imposição de medidas de distanciamento social. “No entanto, é importante destacar que é uma análise a posteriori e que a aderência da sociedade às medidas governamentais é fundamental para o bom funcionamento do sistema”, ressalta o pesquisador da Ufba Marcus Americano da Costa, um dos líderes do estudo.
“Aqui na Bahia, por exemplo, tivemos agora a adoção de medidas mais rígidas com a chegada do São João. Com o método desenvolvido é possível fazer avaliações de forma contínua, em qualquer local, e utilizando métricas objetivas de acordo com o nível de transmissão do vírus na região estudada e dosar as medidas de restrição de forma mais adequada e efetiva”, pontua o pesquisador do Cidacs Pablo Ramos.
Sistema
O sistema desenvolvido pelo grupo permite analisar, avaliar e fazer previsões ao longo do tempo dos indivíduos susceptíveis, expostos, infectados sintomáticos e assintomáticos, ocupação dos leitos clínicos e UTI, recuperados e dos casos letais. Além disso, foi incorporado ao modelo uma variável de comportamento social, desenvolvida a partir do mapeamento dos decretos municipais e estaduais e da mobilidade da população.
Para construir o sistema de controle, os pesquisadores utilizaram técnicas computacionais em áreas como sistemas dinâmicos, identificação de sistemas, otimização, modelagem matemática e engenharia de controle. O sistema de controle foi implementado sobre um modelo epidemiológico, proposto anteriormente por pesquisadores da Rede CoVida, que representa de maneira realística o comportamento dinâmico não linear da propagação da Covid-19, a partir de dados como hospitalizações em leitos clínicos e UTI e mortalidade.
Essas técnicas combinadas culminaram em um sistema que gera previsões sobre a pandemia para os próximos dias e sugere assim as melhores tomadas de decisão para o controle da propagação da doença. Para validar os resultados obtidos com o sistema, os pesquisadores realizaram simulações com dados reais de diversas localidades e fizeram uma análise detalhada do desdobramento da pandemia na Bahia, avaliando ainda os efeitos da adesão da população às medidas de restrição.
“Dentre algumas inovações como um rigoroso modelo que associa a resposta epidêmica a índices de mobilidade social, o nosso principal resultado é que o estudo proposto possibilita definir a intensidade das políticas públicas de restrição (ou flexibilização) que minimizem as infecções e casos letais, garantam o não colapso dos sistemas de saúde e não comprometam desnecessariamente as atividades econômicas. Ou seja, são estratégias que permitem balancear da melhor forma possível os impactos na saúde e economia”, explica Americano da Costa.
Os autores ressaltam que, mesmo com a imunização da população em andamento, a adoção do sistema desenvolvido será útil, não só para locais sem disponibilidade suficiente de vacinas, mas para outras epidemias. “Na falta de vacinação generalizada capaz de induzir a imunidade de rebanho, estratégias para coexistir com o vírus enquanto minimizar os riscos de surtos são fundamentais, o que deve funcionar em paralelo com a reabertura das sociedades”, anuncia o artigo.
Adoção
O sistema já está disponível para ser adotado por qualquer gestor público, mas para ser utilizado deve estar programado especificamente em algum computador e requer que o gestor tenha um conhecimento básico em análise de dados e interpretação de gráficos. Contudo, os pesquisadores trabalham agora na criação de um ambiente acessível para o usuário comum, além de um modelo que inclua os efeitos das vacinas, para se adequar ao momento atual.
O desenvolvimento do sistema reforça a importância da aproximação entre o conhecimento científico e a Gestão Pública, especialmente em casos de grande impacto sobre a vida social, como da atual pandemia, como pontua Mauricio Barreto, um dos líderes do estudo e coordenador do Cidacs: “A ciência tem dado grandes contribuições para o controle desta pandemia, porém os gestores públicos sempre estão carentes de instrumentos que permitam o manejo mais integrado da pandemia. O estudo mostra a possibilidade da existência destes instrumentos mediante a integração de conhecimentos advindos da modelagem de sistemas complexos, epidemiologia e engenharia de controle”.