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26/04/2013

Pesquisadores estudam diferenças de adoecimento por doenças infecciosas entre homens e mulheres

Ana Paula Gioia


Os homens têm, em geral, mais chances do que as mulheres de adoecer e morrer por doenças infecciosas. Mas por quê? Pesquisadores do Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia) e da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) fazem esta pergunta no artigo Sex bias in infectious disease epidemiology: patterns and processes, publicado na revista Plos One,  no qual testaram duas principais hipóteses propostas para explicar este viés sexual. Segundo os pesquisadores e autores do artigo Felipe Guerra Silveira (UEA) e Fernando Abad-Franch (ILMD/Fiocruz Amazônia), a hipótese comportamental afirma que as diferenças devem-se aos diferentes papéis sócio-culturais (de gênero) desempenhados por homens e mulheres. A hipótese fisiológica, por outro lado, enfatiza as diferenças biológicas entre os sexos. Por exemplo, se sabe que os hormônios sexuais interagem ativamente com o sistema imune em muitas espécies de vertebrados – os hormônios masculinos o deprimem e os femininos o reforçam.


 Os resultados do trabalho contribuem para um melhor entendimento do papel da evolução no desenvolvimento do delicado equilíbrio entre sexo e imunidade

Os resultados do trabalho contribuem para um melhor entendimento do papel da evolução no desenvolvimento do delicado equilíbrio entre sexo e imunidade





Após análises extensivas, os autores do artigo identificaram, na espécie humana, as diferenças de gênero exercem um papel secundário na gênese do viés sexual: as diferenças fisiológicas, incluindo a interação entre hormônios sexuais e imunidade, emergem como as principais forças por trás da distinta suscetibilidade de homens e mulheres às doenças infecciosas. O estudo abrange dez agentes patogênicos (causadores de doenças), desde o vírus da dengue até a bactéria da hanseníase ou vermes diminutos que vivem, copulam e se reproduzem dentro dos vasos sanguíneos dos pacientes. Com o intuito de oferecer um teste claro das duas hipóteses rivais, os pesquisadores começaram especificando as predições que derivam logicamente de cada uma delas – quais padrões de viés sexual devem ser esperados para cada doença e grupo de idade, desde os recém-nascidos até os idosos. Então, eles confrontaram essas predições com dados de quase 500 mil casos de doença e de exposição aos agentes patogênicos (em pessoas aparentemente saudáveis).



Alguns resultados foram notáveis. Primeiro, os meninos menores de um ano têm muito mais chances de adoecer por causas infecciosas do que as meninas da mesma idade. Como o comportamento dos bebês de ambos os sexos é, na prática, indistinguível, este viés deve estar relacionado com diferenças fisiológicas. Os dados indicam que o aumento transitório dos níveis de hormônios sexuais durante o primeiro ano de vida (um fenômeno conhecido como “mini-puberdade”) poderia ser o responsável. Em segundo lugar, a hipótese fisiológica prediz viés feminino, e não masculino, em doenças nas quais os sintomas e sinais são agravados por uma resposta imune intensa. Este é o caso das formas mais graves da dengue – que são, de fato, mais freqüentes entre as mulheres em idade reprodutiva, cujo sistema imune é particularmente vigoroso. Terceiro, o viés sexual inverte-se nas duas formas extremas da hanseníase: as mais leves, com a infecção relativamente bem controlada pelo sistema imune, são mais freqüentes nas mulheres, enquanto as mais graves, associadas com uma imunidade menos eficiente, afetam sobretudo aos homens. Os autores também mostram que os níveis de exposição a muitos agentes patogênicos (mas não a todos) são, na média, iguais para homens e mulheres.



Ainda que estes resultados concordem amplamente com as predições da hipótese fisiológica, uma comparação de populações residentes em áreas rurais e urbanas mostrou que, como sugerido pela a avaliação dos níveis de exposição, o risco de infecção pode, em alguns casos, depender do gênero. Por exemplo, a maior participação dos homens em atividades agrícolas aumenta o risco de doenças transmitidas pela água (como a esquistossomose ou a leptospirose) ou por insetos vetores (como as leishmanioses). “O estudo também identifica o sexo como um importante fator de risco para muitas doenças infecciosas, destacando a necessidade de melhorar os padrões da pesquisa epidemiológica – na qual esta variável é rotineiramente tratada como um ‘fator de confusão’ sem muito interesse intrínseco”, afirmam Silveira e Abad-Franch.



Os pesquisadores enfatizam que as suas conclusões devem ainda ser confirmadas e  podem, contudo, ter importantes implicações tanto na pesquisa acadêmica quanto na prática clínica. Por exemplo, os resultados do trabalho contribuem para um melhor entendimento do papel da evolução no desenvolvimento do delicado equilíbrio entre sexo e imunidade na nossa espécie. “Num mundo de orçamentos limitados, a energia e recursos investidos no sexo deixam de estar disponíveis para a luta contra a infecção”, ressaltam os autores do estudo. Os autores também advertem sobre os possíveis perigos de extrapolar, de forma precipitada, os resultados da pesquisa biomédica para os dois sexos e diferentes grupos de idade. “O que é verdade para um pode não ser verdade para outros”, alertam.



O trabalho sugere que a interação entre os hormônios sexuais e a imunidade modula a expressão clínica de algumas infecções, e isto poderia ajudar a decifrar alguns fatos enigmáticos. “Por que as mulheres em idade reprodutiva foram muito mais freqüentemente afetadas por quadros graves em uma epidemia recente causada pela bactéria E. coli? Enquanto diferenças comportamentais eram discutidas como uma possível causa deste viés de gênero, um simples exame dos dados epidemiológicos sugeriu que as formas mais graves poderiam estar relacionadas, como na dengue com um excesso de imunidade. Pouco tempo depois, foi demonstrado que a retirada dos anticorpos circulantes no sangue destes pacientes graves produziu uma melhora substancial do quadro clínico. Seria possível evitar sofrimento e mortes se a relação entre sexo, gênero, germes e imunidade tivesse sido considerada de forma imediata?”, refletem os autores.

 

Referência do artigo

Felipe Guerra-Silveira & Fernando Abad-Franch (2013) Sex bias in infectious disease epidemiology: patterns and processes. Plos One 8(4): e62390. doi:10.1371/journal.pone.0062390


Publicado em 25/4/2013.

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