É duro de acreditar – e de aceitar –, mas portadores de deficiências apresentam um elevado risco de sofrerem maus-tratos. Nos Estados Unidos, crianças com dificuldades de aprendizagem sofrem 3,5 vezes mais abuso sexual do que aquelas com desenvolvimento normal. No Brasil, o tema não tem tanta visibilidade e a produção acadêmica também é escassa. Um estudo sobre o assunto está sendo desenvolvido por uma equipe multidisciplinar formada por especialistas da Fiocruz lotados no Claves e no Instituto Fernandes Figueira (IFF) e por parceiros da Universidade Veiga de Almeida (UVA) e da Fundação Municipal Lar Escola Francisco de Paula (Funlar), da prefeitura do Rio de Janeiro.
O estudo tem como foco investigar um grupo em situação de risco social com três vulnerabilidades: ser criança ou adolescente, ser portador de deficiência e estar em situação de pobreza. A idéia é identificar situações de risco, analisar os efeitos dos maus-tratos e propor ações preventivas. Como o tema é delicado e envolve questões de direitos humanos e cidadania, uma outra pesquisa simultânea irá detectar situações de violação de direitos e propor estratégias para nortear políticas.
O grupo trabalha com pessoas com até 24 anos, portadoras de diferentes tipos de deficiências – visual, auditiva, motora, mental, múltipla, paralisia cerebral, autismo, psicose infantil e aquelas que são dependentes de aparelhos. As crianças e jovens são atendidos em setores de assistência do IFF e da UVA e em programas de reabilitação comunitária e de desinstitucionalização da pessoa com deficiência.
Por enquanto, os pesquisadores estão terminando a fase de coleta de dados. Mas uma análise preliminar já pode identificar algumas tendências. "Aparentemente, o padrão de violência contra deficientes no Brasil é semelhante ao já observado em países de língua inglesa", diz a pesquisadora Fátima Gonçalves Cavalcante, coordenadora dos dois estudos.
Trabalhos internacionais revelam dados como a ocorrência de abuso sexual em 42% das 150 crianças com múltiplas deficiências investigadas nos Estados Unidos. De forma geral, pode-se dizer que meninos com distúrbio sofrem mais violência física e as meninas sofrem mais abuso sexual. "A violência está intimamente ligada à situação de desigualdade de poder. Quanto maior é a severidade da deficiência, maior é a assimetria de poder e maior o risco da criança", lembra Fátima. "A deficiência pode mascarar sinais de maus-tratos e tornar seu portador uma presa fácil de situações de abuso".