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06/04/2016

Pesquisadores falam sobre Aedes em aula aberta na Fiocruz

Blog da revista 'História, Ciências, Saúde - Manguinhos'


“Campanhas educativas são importantes, mas não resolvem situações emergenciais como as atuais epidemias de zika e dengue. Ações verticais não são incompatíveis com o empoderamento da população”. A opinião é do historiador Jaime Benchimol, pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), que ministrou a aula aberta Aedes aegypti: há mais de um século o mais temido inimigo público do Brasil na última quinta-feira (31/3), na Fiocruz, Rio de Janeiro. Também participou da aula a chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Insetos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Rafaela Vieira Bruno, que falou sobre a relação entre as pessoas e o mosquito hoje.

Para o historiador Jaime Benchimol, o Brasil é hoje referência no controle do mosquito 'Aedes aegypti' devido à importância do vetor na história médico-sanitária do país (foto: Gutemberg Brito)
 
 

Para Benchimol, é preciso resgatar o know how de Oswaldo Cruz e seus sucessores para remontar estruturas organizadas e eficazes que combinem mobilização da sociedade civil, mais estudos e agentes de saúde indo nas casas, entre outras ações verticais. O pesquisador discorreu sobre a história do mosquito que há mais de um século aterroriza populações. Hoje temido por transmitir zika, dengue e chicungunya, o Aedes aegypti assombrava cidades portuárias tropicais disseminando a febre amarela.

Até o fim do século 19, não se sabia ao certo o que causava a doença, que era combatida por desinfecções, quarentenas e outras medidas pensadas para destruir seu suposto bacilo, principalmente nos cortiços onde a população pobre se aglomerava. Em 1881, o cubano Carlos Finlay apontara um Culex como transmissor da febre amarela. O mosquito passou a ser chamado Stegomyia fasciata em 1901 e, partir dos anos 1920, Aedes aegypti. Só após duas décadas, uma comissão científica dos EUA confirmou a teoria de Finlay e instituiu brigadas para combater os mosquitos na capital cubana.

Na capital brasileira, em 1903, a transmissão da febre amarela ainda era objeto de um confronto entre os ‘exclusivistas’, liderados por Oswaldo Cruz, que acreditavam que a doença era transmitida só pelo Stegomyia fasciata, e os ‘não convencidos’, que defendiam as desinfecções, quarentenas e outras medidas agora desqualificadas, mas ainda presentes no senso comum que regia a opinião pública.

Entre 1903 e 1907, o mosquito virou alvo das campanhas lideradas por Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro e depois em Belém. Ele inspirou-se na campanha conduzida por norte-americanos em Havana, mas a aperfeiçoou ao executá-la numa cidade com mais de 800 mil habitantes – o triplo da população da capital cubana – e enfrentando muito mais dificuldades. De acordo com Benchimol, era um momento de muitas incertezas, e havia um conjunto variado de resistências, o que o obrigou a lutar em várias frentes.

Organizado em moldes militares, o Serviço de Profilaxia Específica de Febre-Amarela contava com brigadas capazes de se deslocar rapidamente aos focos da doença. A notificação dos casos era compulsória, mas os clínicos da cidade resistiam à interferência do poder público na relação médico-paciente. As autoridades sanitárias chegavam a verificar nas farmácias os endereços das casas dos doentes que constavam em receitas com prescrições sugestivas de febre amarela.

Uma vez identificado um foco, um médico confirmava o diagnóstico e supervisionava os trabalhos dos mata-mosquitos. A primeira providência era isolar o doente em casa, para impedir que fosse picado por mosquitos e os infectasse. Se o doente preferisse, ou se fosse impossível o isolamento domiciliar, o que acontecia em geral com a população mais pobre, era transferido para o hospital de isolamento no Caju ou o Hospital dos Estrangeiros em Botafogo.

Segundo Benchimol, isolamento domiciliar significava a instalação de uma armação de madeira revestida de tela ao redor da cama do doente para impedir o acesso dos mosquitos. O quarto era vedado e fumigado. A queima de pó de piretro liberava um vapor que atordoava os mosquitos, que caíam e eram varridos e queimados. Para eliminá-los do resto da casa, papel era colado em todas as aberturas e o prédio era coberto com extensos panos de algodão. Enxofre numa panela de ferro colocada no chão era queimado para que fosse desprendido o gás sulfuroso. O ambiente expurgado ficava fechado por uma hora e meia, mas num ponto dele deixava-se uma abertura por onde entrasse luz para que os mosquitos se juntassem ali e se tivesse um controle da quantidade exterminada. O médico responsável pelas operações devia observar as pessoas que tinham contato com o doente a fim de detectar logo novos casos. Prédios vizinhos também eram submetidos a expurgos.

“A saúde pública ganhou um poder de intromissão na vida privada que jamais tivera. As medidas coercitivas tomadas contra o mosquito e os indivíduos que tinham ou podiam ter a doença contribuíram para encrespar os ânimos já exaltados pela vacina obrigatória contra varíola, as demolições e outras iniciativas traumáticas para os cariocas”, afirmou Benchimol. Em sua opinião, as iniciativas destinadas a persuadir a população a apoiar a nova estratégia da saúde pública -  os “Conselhos ao Povo” publicados na imprensa pró-governamental e os folhetos distribuídos nas casas com esclarecimentos sobre a transmissão da febre amarela – tiveram pouco efeito.

A cidade foi repartida em dez distritos sanitários, cujas delegacias de saúde tinham a incumbência de receber as notificações de doentes, aplicar soros e vacinas, multar e intimar proprietários de imóveis e detectar focos epidêmicos. Paralelamente transcorriam as ações contra os mosquitos nas áreas públicas da cidade. Nas canalizações de esgotos e águas, era introduzido o gás sulfuroso por meio do “aparelho de Clayton”. Morriam os ratos e suas pulgas, vetores da peste, e milhares de mosquitos procuravam uma saída, mas encontravam telas.

Para eliminar ovos e larvas de mosquitos por asfixia, o Serviço de Profilaxia Específica da Febre Amarela aplicava petróleo ou uma mistura de querosene, creolina e óleo de eucalipto às águas acumuladas em calhas, tonéis, latas de conserva, cacos de vidro e outros recipientes. Nas casas mais luxuosas, os proprietários eram intimados a colocar barrigudinhos, peixes que comiam larvas de mosquitos nos tanques, fontes e chafarizes.

As resistências encontradas eram compreensíveis diante das mudanças de abordagem da saúde pública. “Combater a febre amarela significara, a princípio, transformar o ambiente, depois combater a bactéria supostamente responsável pela doença. Agora significava romper o ciclo homem doente – mosquito – homem saudável. Ao observarmos o que aconteceu naquela virada de século, obteremos um quadro parecido com o que vivemos hoje com a zika, repleto de incertezas capazes de insuflar as controvérsias públicas suscitadas pela mudança de estratégia na saúde pública”, resumiu.

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