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20/08/2010

Pesquisas revelam principais problemas de saúde nas prisões

Informe Ensp


A Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) promoveu um amplo debate para discutir os resultados e as consequências operacionais de estudos realizados nos últimos anos, essencialmente nas prisões do estado do Rio de Janeiro. Cinco especialistas falaram sobre HIV/Aids, tuberculose, direitos humanos e saúde mental nesses ambientes. "Muitos são os fatores que contribuem para os graves problemas de saúde, aos quais as pessoas privadas de liberdade estão expostas", disse o pesquisador visitante da Ensp e um dos coordenadores do debate, Bernard Larouzé. Dividido em duas partes, o encontro apresentou na primeira etapa trabalhos sobre demografia e características da população carcerária, com Alexandra Sánchez, as concepções e práticas de saúde no contexto carcerário, com Vilma Diuana, e o controle social e respostas políticas frente ao problema da saúde nas prisões, tema de Marcelo Freixo.


 Para o pesquisador Marcelo Freixo, a garantia de direitos dos presos passa pela saúde, e é impossível pensar uma boa saúde sem repensar todo o sistema carcerário brasileiro.

Para o pesquisador Marcelo Freixo, a garantia de direitos dos presos passa pela saúde, e é impossível pensar uma boa saúde sem repensar todo o sistema carcerário brasileiro.


A assessora técnica do Projeto Fundo GlobalTB-Brasil e aluna de pós-doutorado da Ensp Alexandra Sánchez traçou as características da população carcerária no Brasil, que conta com cerca de 470 mil presos, segundo dados de 2009. Esse número era de 232 mil pessoas em 2001, o que representa um aumento de 103%, enquanto que o número de estabelecimentos prisionais cresceu apenas 27% nesse período. Quanto à população, 59% dos presos está na faixa etária entre 18 e 29 anos, tendo, a grande maioria, baixo nível de escolaridade. Com relação ao tipo de crime cometido, no caso feminino o principal motivo para prisão é a associação ao tráfico de drogas, enquanto que para os homens está o roubo, seguido da associação ao tráfico.


Em seguida foi a vez da psicóloga responsável pelo componente Informação e Educação em Saúde do Programa de Controle de Tuberculose da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro, e aluna de mestrado da Escola, Vilma Diuana, falar da sua pesquisa sobre as barreiras ao acesso às ações preventivas e de controle do HIV/Aids e tuberculose nas prisões, realizada entre 2002 e 2005. "No trabalho eu abordo as representações dos riscos sanitários na prisão e as práticas associadas, a influência do contexto e da cultura carcerária sobre a saúde, o uso dos dispositivos sanitários e as estratégias de proteção dos diversos atores e a trajetória sanitária dos detentos", disse. Entre as conclusões, Vilma revela que há uma desvalorização dos sintomas de saúde pelos presos e a desvalorização das queixas pelos guardas e profissionais de saúde, uma vez que "os presos são interlocutores não confiáveis".


Encerrando a primeira parte, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo, abordou a questão da falta de direitos que os detentos encontram nos presídios fluminense. Segundo o presidente "o diálogo com a academia é o melhor caminho para se pensar a criação de políticas públicas para dentro de um lugar tão necessário", disse. "Considero que não ter política pública no sistema prisional é uma política pública que se consolida ao longo de muitos anos no Rio de Janeiro", afirma. Para Freixo, a garantia de direitos dos presos passa pela saúde, e é impossível pensar uma boa saúde sem repensar todo o sistema carcerário brasileiro.


"Hoje em dia a prisão não é um instrumento de resocialização. Ela serve para afastar as pessoas da sociedade. É composta, em sua grande maioria, de uma população jovem, negra ou parda, pobre e de baixa escolaridade que já foi segregada antes de ser presa", cita. Para Freixo, o desafio atual é a construção de políticas públicas que trabalhem o espaço prisional como um sistema público. Por fim, o presidente revelou que a população prisional brasileira cresce cerca de 10% ao ano, enquanto que a população brasileira cresce 1,14%. Seguindo essa proporção, em 2081, 90% da população brasileira estará presa.


Na segunda parte do debate foram abordados os temas contribuições da pesquisa para o desenvolvimento de estratégias de controle da tuberculose nas prisões, por Bernard Larouzé e Alexandra Sánchez, e construção de políticas públicas para a reestruturação da saúde mental no sistema penitenciário, por Tânia Kolker. Larouzé apresentou números revelando que a incidência da tuberculose no Brasil é de 37,4 para cada 100 mil habitantes, enquanto que a taxa no Rio de Janeiro é de 68,6 para 100 mil também, fazendo do estado o pior em todo o país. No caso da população prisional, os casos notificados de tuberculose chegam a 5% dos presos.


"Nossos estudos, realizados desde 2002 nas prisões do estado de Rio, tem por objetivo tornar visível o problema da tuberculose a partir de dados objetivos e fornecer base científica para a escolha das estratégias de controle", disse. Resultados revelam que somente 34,9% dos presos declararam tosse maior que três semanas e 30,2% negaram a existência de sintomas da doença, enquanto que a taxa de incidência da tuberculose no sistema penitenciário é de 2.560 para cada cem mil.


Completando a exposição de Larouzé, a pesquisadora Alexandra Sánchez abordou outros dois componente da pesquisa sobre o programa de controle da tuberculose nos presídios, que são a detecção passiva do tratamento e a melhoria das condições de encarceramento, na qual as estratégias de informação e sensibilização, através de profissionais de saúde, reunião com agentes religiosos e desenvolvimento de materiais educativos voltados para os presos são peças fundamentais para buscar a diminuição da incidência da doença nos presídios.


Por fim, os estudos para a formulação de ações que possibilitem a desinstitucionalização e reinserção social dos pacientes internados em hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico (HCTP) foram apresentados pela coordenadora de Reinserção Social dos Hospitais de Custódia do Rio de Janeiro, Tânia Kolker. O trabalho traça um histórico do marco legal à época da criação dos manicômios judiciários e apresenta o legado de 80 anos de legislação psiquiátrico-penal, como casos de internações que duraram cerca de 20, 30 e até mesmo 50 anos, sem indicação clínica para tal e independente da gravidade do delito


 A pesquisadora trouxe ainda resultados do primeiro censo psicossocial da população internada em HCTP, mostrando que 52% dos pacientes eram brancos, 91% era do sexo masculino e 54% dos homens e 75% das mulheres tinha entre 30 e 49 anos. Além disso, 45% dos pacientes foram internados pela prática de homicídio, frequentemente cometido contra familiares.


Publicado em 20/8/2010.

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