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03/10/2017

Presidente do CNPq defende financiamento para a ciência

Kadu Cayres (IOC/Fiocruz)


A crise econômica e os cortes sucessivos de orçamento são alguns dos fatores responsáveis por uma realidade preocupante: pesquisadores de todo o país estão com dificuldades para iniciar ou dar seguimento a projetos científicos desenvolvidos em universidades e centros de pesquisa. O que fazer para driblar este cenário adverso para a ciência nacional? Qual a perspectiva das grandes agências de fomento nacionais? Para responder essas e muitas outras perguntas, o Núcleo de Estudos Avançados do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) convidou uma das figuras mais destacadas no panorama da ciência brasileira: o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Mario Neto Borges. O engenheiro elétrico de formação, que assumiu o cargo em um dos contextos mais desafiadores enfrentados pelo setor nas últimas décadas, ministrou a palestra CNPq, presente e futuro da ciência brasileira. Realizada no dia 29 de setembro, na Tenda da Ciência Virgínia Schall, a iniciativa foi realizada em parceria com a Presidência da Fiocruz. A sessão integrou a cerimônia de entrega do Prêmio Anual IOC de Teses Alexandre Peixoto, em edição associada ao Centro de Estudos do IOC, como encerramento da programação da Semana da Pós-graduação Stricto sensu do Instituto. Durante o evento, o presidente do CNPq garantiu o pagamento das bolsas previstas até o final de 2017 – uma fala capaz de tranquilizar cientistas e estudantes nos quatro cantos do país.

O diretor do IOC/Fiocruz, José Paulo Gagliardi Leite, abriu a sessão ressaltando a importância de se ter o CNPq como um aliado na batalha contra o não-sucateamento da ciência brasileira. “O Mario tem demonstrado muita boa vontade para lutar em prol da nossa ciência. Por isso, conte com o IOC e a Fiocruz nessa trajetória. Olhar para a plateia e vê-la repleta de jovens, deixa claro que devemos lutar para que eles tenham a oportunidade de construir um país melhor”, declarou, destacando os riscos relacionados aos cortes orçamentários da ordem de 40% no orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.“A Fiocruz, assim como o CNPq, também trabalha com a perspectiva de que recursos para a ciência e tecnologia não podem ser vistos como gastos, e sim como investimentos no futuro do país”, salientou a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima. Coordenador do Núcleo de Estudos Avançados do IOC, Renato Cordeiro destacou que o corte de 44% no orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) poderá levar ao não pagamento das bolsas de pós-graduação, bolsas de iniciação científica e desconstruir programas de pesquisa em universidades e institutos de pesquisa no país. "A desmotivação dos estudantes é dramática e poderemos ser testemunhas de uma das maiores diásporas científicas da América Latina", avaliou.

Antes abordar temas como corte orçamentário e pagamento de bolsas, Mario Neto esclareceu os motivos que o fizeram aceitar o convite do MCTIC para assumir a presidência do Conselho, no momento em que o país passa por sérias recessões orçamentárias, que impactam diretamente nas atividades das agências de fomento. “Todo mundo pensou que eu fosse louco. Mas as perspectivas são positivas. Afinal, os momentos de crise nos levam a ser criativos e a buscar opções para que possamos obter novas fontes de financiamento, por meio de parcerias com outros ministérios, com os estados, agências e empresas”, comentou, ressaltando que “o desafio é realmente contornar as restrições e voltar a colocar o CNPq como principal agência de fomento à ciência no Brasil”.
O presidente chamou atenção, ainda, para os instrumentos que envolvem o fomento à ciência, tecnologia e inovação (CT&I) e apresentou uma nova chamada do CNPq voltada para o setor empresarial. Segundo ele, a iniciativa consiste em uma ação de estímulo ao desenvolvimento tecnológico, que busca elevar a interação de empresas com instituições científicas, além de ampliar a participação do setor privado no aporte de recursos em CT&I. “O edital está direcionado também para a capacitação de recursos humanos e para apoio a ações de divulgação científica, tecnológica e de inovação, área em que, por sinal, estamos bem carentes”, sinalizou.

Durante sua palestra, também foram apresentados projetos voltados para a formação de recursos humanos no contexto de promoção da parceria entre academia e empresas. Segundo Mario Neto, um desses projetos é o Programa de Doutorado Acadêmico Industrial, que consiste em uma parceria entre o CNPq e a Universidade Federal do ABC (UFABC), cujo objetivo é favorecer estudantes interessados em desenvolver projetos para o setor industrial. “No Programa, os alunos desenvolverão suas pesquisas concomitantemente em laboratórios e centros de pesquisa de empresas e indústrias. A proposta está em oferecer ao doutorando, além de aprendizado durante a produção científica e a defesa da tese, a oportunidade de gerar, ao final, um produto que possa ser aplicado no setor produtivo”, esclareceu, acrescentando que “as agências de fomento precisam investir nessa relação empresa-academia, uma vez que, em um futuro próximo, as universidades não absorverão todos os egressos das pós-graduações Stricto sensu”.

Outras propostas com o mesmo viés − formação de recursos humanos no âmbito da parceria entre academia e empresa − foram apresentadas pelo presidente. Dentre elas, a Bolsa Jovem Talento, criada no programa Ciência sem Fronteiras e reeditada este ano com foco na inovação, e o Programa de Agentes Locais de Inovação (ALIs), que renovou a parceria CNPq-Sebrae, com a perspectiva de colocar, até 2020, mais de 2.800 agentes em campo.

Questionado sobre se o CNPq teria recursos para financiar as bolsas de estudo apenas até o fim de setembro, Mario Neto explicou que, no ano passado, o orçamento aprovado era de R$ 1,4 bilhões, uma soma do Tesouro Nacional e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Por conta do recurso da repatriação de bens que brasileiros tinham no exterior − cerca de R$ 2 bilhões − o governo federal destinou R$ 500 milhões ao CNPq. “Com a entrada desse recurso, pagamos vários compromissos de anos anteriores. O problema foi o contingenciamento de 44% em todos os ministérios no primeiro semestre. Até o início de agosto tínhamos executado 52%. Então sobrava apenas 4%, percentual insuficiente para efetuar o próximo pagamento. Mas, no momento, não há perigo de corte. Até porque o Ministério ampliou o valor da meta do déficit, e a verba do CNPq está dentro deste montante. Fecharemos 2017 de forma tranquila. A preocupação agora é em relação a 2018”, salientou. O presidente do CNPq também comentou sobre uma potencial mudança de procedimento: os pesquisadores 1A poderiam não mais estar aptos a concorrer com projetos em editais universais oferecidos pela agência.

Outro questionamento feito ao palestrante disse respeito ao orçamento destinado para os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), uma das mais destacadas iniciativas de fomento do CNPq. “A primeira parcela de 2016 já foi paga. Agora, estamos preparando o empenho da parcela de 2017”, explicou. “Nossa grande preocupação é mostrar para a sociedade que a ciência é um valor, assim como saúde e educação”, reforçou.

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