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08/02/2017

Produtores culturais falam sobre Agenda Cultural Mandela Vive, que tem apoio da Fiocruz

Luiza Gomes (Cooperação Social da Fiocruz)


Quem são os produtores de literatura no Brasil? Provocados pelos dados da pesquisa de Regina Dalcastagnè no livro Personagens do romance brasileiro contemporâneo, que revelam um campo literário majoritariamente masculino, branco e de classe média, a equipe responsável pela Agenda Cultural Mandela Vive, em 2016, veio mais uma vez reforçar a pauta de uma produção editorial nacional que expresse a diversidade de classe, cor, gênero e subjetividades que têm existência no Brasil.

Evento cultural, o Baile Literário da Agenda Cultural Mandela Vive 2016 ocorreu na praça em frente à Biblioteca Parque de Manguinhos (foto: Luiza Gomes, Cooperação Social da Fiocruz)

 

Tendo como horizonte maior a promoção da literatura nos territórios de favelas e o incentivo à polifonia do mercado editorial nacional, a Agenda Cultural Mandela Vive, pelo seu segundo ano consecutivo, conta com apoio da Cooperação Social da Presidência da Fiocruz e do Escritório de Captação da Casa de Oswaldo Cruz (SPCOC), e patrocínio da Fundação de Apoio à Fiocruz (Fiotec). Neste ano, também teve recursos da empresa Soenergy, por meio da lei de incentivo à cultura no município do Rio de Janeiro.

Em 2016, a Agenda realizou uma residência literária na sede da REDECCAP, na favela de Vila Turismo em Manguinhos, a segunda edição do seminário Literatura no Dente que tratou das relações possíveis entre a promoção da literatura em territórios de favelas e promoção da saúde com participação do Canal Saúde e Editora Fiocruz, e o Baile Literário – evento cultural que aconteceu na praça em frente à Biblioteca Parque de Manguinhos. Abaixo, os idealizadores e produtores da Agenda Cultural Mandela Vive respondem a perguntas e contam mais sobre o processo de 2016 e as expectativas para 2017. Flora Tarumim é produtora cultural e Felipe Eugênio, coordenador do Ecomuseu de Manguinhos/REDECCAP. Ambos são também editores do Bando Editorial Favelofágico, plataforma de promoção da literatura do Ecomuseu.

Como foi a experiência da residência literária em 2016?

Flora Tarumim: Foram cinco semanas de trabalho em novembro, de segunda a sexta, com oficinas de leitura e escrita e perambulação pela cidade com seis escritoras e escritores, em Manguinhos. Fizemos uma chamada e selecionamos três escritores residentes em favelas e bairros do subúrbio carioca e convidamos outros três que participaram da residência em 2015. Também convidamos um editor-residente, que já tinha participado da residência do ano anterior. Foi bem diferente da nossa primeira experiência, quando, ao longo de dois meses, 13 autores selecionados escreveram os 22 contos organizados no volume Grãos imastigáveis, lançados no Baile Literário 2016. Este ano demos um passo além. Em gênero e formato.

Felipe Eugênio: O Grãos [livro] foi fruto dessa primeira experiência da residência literária e que provocou para o desenvolvimento do que chamamos de uma “literatura favelofágica”. Ali, trabalhamos o gênero conto, que é um gênero mais curto. Em 2016, fizemos uma espécie de depuração. Foi um experimento de escrita a quatro mãos, em que cada dupla escreveu uma novela. Dali saíram três novelas, que é um texto de maior fôlego e complexidade narrativa. Elas estão em fase de edição e têm previsão de lançamento na Agenda 2017.

Já existe algo definido para a residência de 2017?

Felipe Eugênio: Para não acabar com a surpresa, podemos dizer que apontaremos para uma depuração ainda maior e seremos mais ousados.

O seminário deste ano apontou para uma possível convergência entre a Promoção da Literatura – defendida por vocês – e o campo da Promoção da Saúde. Como essa discussão pode ser pertinente para uma instituição como a Fiocruz?

Flora Tarumim: Além de tentar provocar o debate pela escolha do local do evento – a própria Fiocruz -, a mesa Por que pensar políticas públicas para a literatura? buscou justamente abrir o horizonte dessa discussão convidando pessoas e instituições chaves para pensarmos a promoção da literatura. Nela, estavam presentes a vereadora eleita pelo PSOL, Marielle Franco, o jornalista e apresentador do programa Ciência e Letras Renato Farias, a assessora de comunicação da Editora Fiocruz, Fernanda Marques, e o Felipe Eugênio também.

Felipe Eugênio: Entendemos que promover saúde é, em grande medida, conseguir construir uma cultura de cidadania plena e ativa, o que influencia e amplifica o poder de construção de um território no qual temas como emprego e cultura sejam tão importantes quanto o saneamento básico para que uma criança possa viver plena garantia de seus direitos. E, além disso, consiga viver também a potência de escolhas de uma sociedade no século 21.

Com a literatura, que entendemos através do olhar do sociólogo e crítico literário Antonio Candido, como um direito humano, ela também é um lugar de chegada da democracia: uma sociedade democrática é aquela na qual o sonho, o fato e o artefacto ficcional tem, em diversidade de abordagens, espaço no suporte livro, e que está disponível facilmente para todos.

Mas também o inverso é igualmente importante: a possibilidade de aumentar o número de criadores de narrativas, escritores, especialmente os advindos da classe trabalhadora. Isso amplia a diversidade de realidades imaginadas, pois as narrativas saem dos perigos de uma história única, como diz a escritora nigeriana Chimamanda Adichie.

Em 2016, o Baile Literário investiu em uma parceria com coletivos de rap de Manguinhos e outras localidades. Como essa experiência se comunica com a proposta da Agenda Cultural de promover a literatura?

Flora Tarumim: No processo de construção do Baile Literário em 2016 reforçamos a articulação entre os atores culturais de Manguinhos e o coletivo Pac´Stão foi um dos nossos principais parceiros. Essa juventude faz literatura na rua toda semana, promovendo rodas de RAP – cuja sigla significa ritmo e poesia em inglês. Quer dizer, eles forjam o espaço de protagonismo da juventude negra moradora de periferia, se articulando com outros coletivos locais e da cidade.

Felipe Eugênio: Durante as nossas conversas com os agitadores do Pac’Stão surgiu a ideia de organizar uma Batalha de Poesia no Baile. As rodas de rima do Pac’Stão em Manguinhos, na União PH no Arará e na Roda Cultural de Olaria receberam as eliminatórias e a grande final foi no Baile com sete poetas e a premiação feita em livros até o quarto lugar.  Além disso, houve a exibição do filme “Filho da pátria” de Edilano Cavalcante – realizador audiovisual de Manguinhos -, o lançamento do livro Grãos imastigáveis e também um espetáculo “A música ciceroneia a literatura”, que mesclou música e literatura com a participação do grupo Música na Calçada e da cantora e compositora Nina Rosa.

Qual a avaliação que vocês fazem dessa articulação?

Flora Tarumim: O mote “literário” de “Baile literário” evidencia uma série de práticas de literatura em Manguinhos que muitas vezes passam despercebidas ao nos voltarmos para territórios marcados pela violação de direitos, como são as favelas. Ao longo desses dois anos de Agenda Cultural Mandela Vive percebemos o quanto é necessário pensar políticas públicas para a literatura e para as artes em geral. E estas têm que levar em consideração aquilo que já é feito e pensado nesses territórios.

Felipe Eugênio: Na agenda de 2016 trabalhamos a literatura como direito humano. Direito esse que também é negado às populações empobrecidas nos grandes centros urbanos. A literatura resiste, entretanto e em 2017 queremos aprofundar esse debate na Agenda e na cidade. 

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