09/06/2022
Luana Dandara (Portal Fiocruz)
No mesmo ano em que conquistou a certificação internacional pela erradicação da varíola, em 1973, o Brasil deu outro passo marcante no âmbito da saúde pública. Foi nessa época que, por determinação do Ministério da Saúde, foi formulado o Programa Nacional de Imunizações (PNI), com o objetivo de coordenar e sistematizar as ações de vacinação. Até então, essas iniciativas se caracterizavam por um caráter episódico e por uma reduzida área de cobertura, segundo o historiador e pesquisador Carlos Fidelis da Ponte, do Departamento de Pesquisa em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz).
Das 13 vacinas contempladas no calendário infantil nacional, sete são fornecidas pela Fiocruz (foto: Raquel Portugal)
O PNI, que acabou sendo oficialmente lançado em 1975, foi resultante de um somatório de fatores, de âmbito nacional e internacional, que convergiram para estimular e expandir a utilização de imunizantes.
Dessa forma, o PNI passou a coordenar as atividades de vacinação desenvolvidas rotineiramente na rede pública e se tornou parte fundamental do Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecido pela Constituição de 1988. Além da prevenção de doenças, o PNI também contribuiu fortemente para o avanço do sistema de vigilância epidemiológica e para o controle de qualidade das vacinas oferecidas na rede, segundo o historiador.
Dias Nacionais de Imunização
O grande salto do Programa Nacional de Imunização aconteceu a partir de 1980, com a implementação dos Dias Nacionais da Vacinação como parte da estratégia para erradicar a poliomielite no Brasil. Marcado por um forte plano de comunicação, com a criação do personagem Zé Gotinha e apoio de celebridades, o planejamento alavancou as coberturas vacinais e levou a doença a ser considerada oficialmente eliminada do país em 1994. “O Dia D foi sucesso absoluto e provou que era possível conseguir vacinar a população-alvo de um país de dimensões continentais em um único dia”, resume o historiador da COC/Fiocruz.
A Fiocruz forneceu, inclusive, uma importante contribuição no aperfeiçoamento da vacina contra a poliomielite. No início da década de 80, diante de uma epidemia no Nordeste, o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz) disponibilizou novas formulações de vacina monovalente tipo 3 e trivalente potencializada contra o tipo 3 do vírus, que passou a ser adotada pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e Organização Mundial da Saúde (OMS) para todos os países de clima tropical. “Isso foi possível a partir de uma organização da Fundação no processo de transferência de tecnologia e o incentivo à fabricação nacional de vacinas”, afirma Fidelis da Ponte.
Assim como a Fiocruz, o PNI é parte fundamental do SUS e se consolida, até hoje, como um dos melhores exemplos de garantia de acesso universal e igualitário à saúde. A partir do programa, foi possível eliminar no Brasil outras doenças como rubéola, síndrome da rubéola congênita, tétano materno e neonatal, e o sarampo, de forma temporária; além de reduzir significativamente a incidência de importantes causas de adoecimento e mortalidade, como a difteria, as meningites bacterianas, a coqueluche, entre outras. Atualmente, o calendário de rotina do PNI contempla 48 imunobiológicos, entre vacinas, imunoglobulinas e soros.
"A saúde pública é uma área que só pode ser, verdadeira e efetivamente, tocada pelo Estado. O mercado é incompatível com a saúde pública. Verificamos isso no começo do século 20, na década de 1970 com a meningite, mais tarde com a Aids e hoje com a Covid-19", salienta o historiador.
Fiocruz e PNI
O programa define as demandas de imunobiológicos considerando o atendimento ao Calendário Nacional de Vacinação e outras ações estabelecidas de acordo com a situação epidemiológica do país. Unidade produtora de imunobiológicos da Fiocruz, Bio-Manguinhos tem função primordial no fornecimento desses imunizantes. Das 13 vacinas contempladas no calendário infantil, sete são fornecidas pelo Instituto: febre amarela, pneumocócica 10-valente, poliomielite inativada, poliomielite oral, rotavírus, tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) e tetravalente viral (sarampo, caxumba, rubéola e varicela).
As vacinas demandadas pelo PNI são produzidas em Bio-Manguinhos dentro dos mais rigorosos padrões de qualidade. O Ministério da Saúde recebe os imunizantes e é responsável pelo envio às coordenações estaduais e daí para as centrais regionais, onde as vacinas são disponibilizadas para os postos de saúde. Só em 2021, mais de 233 milhões de doses foram fornecidas ao PNI. Além disso, o Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz) realiza importante papel na avalição da qualidade e eficácia dos lotes de vacina distribuídos no país.
“Outros institutos da Fiocruz, como a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca [Ensp] e Instituto Oswaldo Cruz [IOC] também desenvolvem ações importantes ao PNI, como os testes de campo das vacinas. O programa é uma referência internacional e tem um caráter público que revolucionou a saúde do Brasil, além de ter reforçado nossa capacidade técnica de desenvolvimento tecnológico. Por conta dele, hoje o Brasil tem a capacidade de produzir nacionalmente duas vacinas contra a Covid-19”, conclui o historiador Carlos Fidelis da Ponte.
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