24/10/2014
Os mapas estão, hoje, ao alcance de quase todos: basta um celular conectado à internet para que a pessoa consiga saber onde está ou descobrir imediatamente a distância entre dois pontos geográficos do planeta. Se a tecnologia disponível pode ajudar nas pequenas tarefas do dia a dia, como achar um restaurante ou posto de gasolina, a potência do encontro entre a cartografia e o mundo digital aumenta quando falamos de seu uso no combate às injustiças. Localizar e indicar os conflitos ambientais que se espalham por todo o Brasil, e tornar públicas vozes que lutam contra isso, tem sido a tarefa do projeto Mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e Saúde no Brasil, coordenado pelo pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) Marcelo Firpo.
A partir de dados que vêm sendo coletados desde 2006, com ajuda da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), o mapa apresenta hoje 450 pontos. Um dos possíveis mecanismos de busca é por unidades da federação. Ao escolher uma delas, um mapa com os conflitos registrados, demarcados por balões vermelhos, se abre para o leitor. Ao clicar sobre um deles, o visitante tem acesso a informações detalhadas sobre o que está acontecendo naquele local: população atingida pelo conflito, impactos e riscos ambientais, danos à saúde. "O mapa é uma tentativa de sistematizar os conflitos emblemáticos que existem em nosso país", disse Firpo.
A natureza dos conflitos é a mais diversa: é possível encontrar informações de lutas contra o agrotóxico, violência, poluição e mobilidade urbana, relatos sobre danos causados por usinas de energia ou pela mineração, entre muitos outros. O que há em comum entre todos esses conflitos é sua origem num modelo de desenvolvimento baseado na mercantilização da natureza e da vida. Mesmo onde se observa aquilo que pensador uruguaio Eduardo Gudynas classificou como neoextrativismo, ou seja, o uso de recursos da exploração mercantil da natureza para diminuir mazelas sociais, o que se produz no final das contas é uma sistemática geração de conflitos ambientais que têm por consequência principal o extermínio da vida humana. Ao dar visibilidade a esses conflitos, o que se busca, de acordo com Marcelo Firpo, é articular, questionar e propor alternativas a esse modelo de desenvolvimento.
Entre tantos casos descritos, chama atenção, por exemplo, os relatos sobre atropelamentos de crianças e animais nas ferrovias por onde passam trens carregados com os minérios extraídos pela Vale do Rio Doce, no Pará. Mesmo com os acidentes e outros danos causados pela mineração, a companhia tem o projeto de duplicar a ferrovia de Porto Carajás. O território para onde olham os técnicos da Vale e os pesquisadores do Mapa de Conflitos Ambientais pode ser o mesmo, mas o que cada um vê nele, certamente não é. E Marcelo sabe que, infelizmente, o número de dados relatados tende a aumentar. "Esperávamos que o conflito sobre a água iria demorar uns 50 anos para chegar ao Brasil. Mas já chegou. Tem caminhão pipa em Itu sendo obrigado a andar com escolta armada", lembrou o pesquisador.
O trabalho foi apresentado na mesa redonda Desenvolvimento e Conflitos Territoriais: experiências dos mapas e diálogos de saberes para a justiça ambiental, realizada em 20/10 durante o 2º Simpósio Brasileiro de Saúde e Ambiente.