Publicidade de alimentos privilegia consumo em detrimento da informação

Publicado em
Pablo Ferreira
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A propaganda de alguns tipos de alimentos para fins especiais (como os do tipo light e diet) tem escamoteado informações relevantes para a saúde do consumidor. Essa é a principal conclusão da pesquisa intitulada A propaganda de alimentos para fins especiais como estímulo ao consumo, de autoria da biomédica Bianca Ramos Marins. O projeto recebeu menção honrosa ao ser apresentado sob a forma de pôster durante três congressos, ocorridos simultaneamente e promovidos pela Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), pela International Association of Health Policy (IAHP) e pela Asociación Latinoamericana de Medicina Social (Alames), em julho deste ano. “Este trabalho é apenas um eixo da minha futura tese, que abordará a comunicação na área da vigilância sanitária”, esclarece Bianca, atualmente doutoranda da pós-graduação do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) da Fiocruz.


 O estudo questiona até que ponto o consumidor tem seu direito à informação correta respeitado, já que o consumo feito sem esclarecimento pode ter reflexos na saúde (Foto: Parlamento Europeu)

O estudo questiona até que ponto o consumidor tem seu direito à informação correta respeitado, já que o consumo feito sem esclarecimento pode ter reflexos na saúde (Foto: Parlamento Europeu)


O trabalho de Bianca inspirou-se em observar as estratégias do mercado para estimular o consumo de alimentos, classificados como “alimentos para fins especiais” pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e dirigidos a públicos populacionais com alguma necessidade, como diabéticos, idosos, pacientes hospitalares, crianças ou atletas. Trata-se, portanto, de produtos “especialmente formulados ou processados, nos quais se introduzem modificações no conteúdo de nutrientes, adequados à utilização em dietas diferenciadas e/ou opcionais, atendendo às necessidades de pessoas em condições metabólicas e fisiológicas específicas”, explica a pesquisadora.


A biomédica resolveu, então, analisar 20 peças publicitárias veiculadas na imprensa escrita entre junho e outubro de 2006, debruçando-se em questionamentos tais como “quem fala”, “a quem se dirige”, “como fala”, “o que fala” e “qual o interesse”. As peças foram extraídas de encartes semanais de dois jornais diários e de nove revistas: duas de atualidades e outras dirigidas ao público feminino ou de “vida saudável”. “É o tipo de publicação facilmente presente em salas de espera de consultórios e cabeleireiros”, exemplifica Bianca.


A doutoranda encontrou anunciados produtos como barras de cereais, pão de forma, pó para preparação de sucos, leites, adoçantes, embutidos, pizzas, dentre outros. “Observei a predominância de alimentos dietéticos, light e infantis; dentro da classificação para fins especiais da Anvisa”, diz. De modo geral, produtos com publicidade feita para atingir as mulheres, propondo o consumo sem culpa, prometendo a combinação entre estética e saúde e associando os alimentos à felicidade, à longevidade, à vitalidade e a uma vida equilibrada.


Na seqüência, a pesquisadora estabeleceu resultados que destacam as estratégias de convencimento adotadas pelos publicitários. São alguns exemplos: alertar, nas peças publicitárias, sobre a necessidade de bons hábitos de vida e de dieta equilibrada, transmitindo-se assim a imagem de que o emissor da propaganda está consciente e preocupado com a saúde do consumidor; patrocinar atividades esportivas com a marca a ser divulgada; explorar fotos ou imagens de felicidade, vitalidade, disposição e saúde mental e física; utilizar termos em outro idioma, para conferir sofisticação aos produtos; utilizar, por vezes de modo inadequado, termos como diet e light; convidar celebridades para conferir legitimidade aos produtos e induzir, em alguns casos, a substituição de refeições pelos produtos divulgados. Uma importante observação feita pela biomédica foi a inexistência ou tímida apresentação de informações nutricionais e de advertências em relação ao uso do produto nas peças publicitárias.


A partir dos dados e dos resultados observados, Bianca pôde chegar a algumas importantes conclusões. A principal, a de que a publicidade examinada desconsidera ou oculta informações necessárias ao esclarecimento do consumidor sobre os aspectos nutricionais dos alimentos divulgados. Desse modo, “até que ponto o consumidor tem seu direito à informação correta respeitado?”, questiona a biomédica. Para ela, a publicidade “deveria priorizar a educação e a informação, em vez de estritamente o consumo”, pois este, quando feito sem o devido esclarecimento, “pode ter reflexos na saúde”.


Conseqüentemente, o trabalho discute se a atual regulamentação da propaganda é suficiente, se é possível uma melhor monitoração, se o Estado tem responsabilidade no assunto e se a informação leva realmente a uma escolha crítica por parte do consumidor. “O tema pede mais estudos e investimento”, conclui Bianca.


No INCQS, Bianca Ramos Marins é orientada pela engenheira química Silvana do Couto Jacob. No entanto, como sua tese abordará a comunicação na saúde, a biomédica é também orientada pela comunicóloga Inesita Soares de Araújo, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict) da Fiocruz.