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02/03/2020

Radis aborda preparo do SUS contra o novo coronavírus

Bruno Dominguez (Revista Radis)


Quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a epidemia do novo coronavírus uma emergência de saúde pública de importância internacional, em 30 de janeiro, estava acendendo seu mais forte alerta. Até então, os casos confirmados eram 7.834, desde 31 de dezembro de 2019, data das primeiras notificações de quadros inexplicados de pneumonia na cidade de Wuhan, na província chinesa de Hubei. Três dias antes, a OMS falava em “risco alto” para o mundo e “muito alto” para a região — mas não em emergência. Para a organização, emergência de saúde pública de importância internacional é “um evento extraordinário” que “constitui um risco de saúde pública para outro Estado por meio da propagação internacional de doenças” e por “potencialmente requerer uma resposta internacional coordenada”, como define no Regulamento Sanitário Internacional (RSI) — instrumento jurídico aprovado em 2005 por 196 países justamente para ocasiões como essa, em vigor desde 2007.

“Um comitê de especialistas faz uma avaliação epidemiológica do evento e recomenda ou não a designação de emergência internacional, com base em critérios como gravidade, possibilidade de expansão e necessidade de coordenação em nível global para garantir o controle da ameaça”, explica à Radis Jarbas Barbosa, diretor adjunto da Organização PanAmericana da Saúde (Opas), escritório regional da OMS para as Américas.

“No contexto do novo coronavírus, o comitê se reuniu uma primeira vez e não considerou que havia elementos suficientes para essa recomendação. Havia gravidade, por se tratar de um vírus novo, mas os casos estavam ainda muito localizados na China”, observa Barbosa, que foi diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), secretário de Vigilância em Saúde e secretário de Ciência, Tecnologia e Suprimentos Estratégicos do Ministério da Saúde.

O que mudou foi a ocorrência de infecções em pessoas que não viajaram para o território chinês — oito casos de transmissão de humano para humano na Alemanha, no Japão, no Vietnã e nos Estados Unidos. “O principal motivo dessa declaração não diz respeito ao que está acontecendo na China, mas o que está acontecendo em outros países. Nossa maior preocupação é o potencial do vírus de se espalhar por lugares com sistemas de saúde mais fracos e mal preparados para lidar com ele”, afirmou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. “Devemos todos agir juntos agora para limitar a propagação”.

Até 17 de fevereiro, data de fechamento desta edição, foram confirmados 71.429 casos, dos quais 70.635 estavam na China. Outros 794 se espalhavam por 25 países. O Brasil seguia sem registro da doença, depois de descartar 45 suspeitas — 3 casos ainda eram investigados.

Outras emergências

Esta é a sexta vez que a OMS decreta emergência de saúde pública internacional. A primeira, em 2009, foi devido à pandemia de gripe provocada pelo vírus H1N1, que estava restrito aos suínos e por uma mutação começou a infectar humanos no México, antes de se espalhar. Pelos dados oficiais da época, foram 18,5 mil mortes no mundo (mas que teriam totalizado 200 mil segundo revisões posteriores), sendo 2.060 delas no Brasil. Em 2014, a poliomielite — doença infecciosa gerada por um vírus que invade o sistema nervoso e pode causar paralisia total — saiu dos três países em que era endêmica (Paquistão, Afeganistão e Nigéria) depois de ataques contra campanhas de vacinação, atingindo Camarões, Guiné Equatorial, Etiópia, Iraque, Israel, Somália e Síria.

Em 2016, a epidemia de ebola (febre hemorrágica transmitida por contato próximo com pessoas ou animais infectados, incluindo chimpanzés, morcegos frugívoros e antílopes da floresta), detectada na África Ocidental em março de 2014, foi decretada emergência, quando já havia perto de mil mortos na Guiné, Libéria, Serra Leoa e Nigéria. No total, morreram mais de 11 mil. No mesmo ano, cerca de 30 países relataram casos de bebês nascidos com microcefalia e outras malformações congênitas relacionadas com o vírus zika, disseminado principalmente por picada de mosquito. Só no Brasil foram mais de 2.100 casos. Em 2019, outro surto de ebola, na República Democrática do Congo, também recebeu o status de emergência, quando já havia 1.600 mortos.

“Basicamente o que muda com a decretação de uma emergência é a possibilidade de melhor coordenação de esforços internacionais”, indica Barbosa. Até o fechamento desta edição, a OMS havia publicado 28 relatórios de situação para o novo coronavírus, além de relatórios técnicos sobre tópicos como vigilância, diagnóstico, tratamento, prevenção e comunicação de risco.

Isolamento de milhões

As medidas mais bruscas foram tomadas no centro do surto, na província de Hubei, onde cerca de 60 milhões de pessoas ficaram isoladas em quarentena. Às vésperas do Ano Novo chinês, cuja celebração começaria em 25 de janeiro, o aeroporto de Wuhan foi fechado, trens pararam e rodovias ficaram bloqueadas, com controle nos pontos de entrada e saída da região.

Segundo uma análise do jornal The New York Times, feita a partir de anúncios do governo em províncias e grandes cidades, os bloqueios residenciais — desde postos de controle nas entradas de edifícios até limites para sair ao ar livre — chegaram a cobrir ao menos 760 milhões de chineses, o equivalente a mais da metade da população. Em alguns bairros, se permitia que apenas uma pessoa por família saísse de casa todos os dias. O controle cabia a comitês de vizinhança, com trabalhadores voluntários, que verificavam a temperatura, registravam o movimento, supervisionavam as quarentenas e mantinham afastados os que poderiam transmitir o vírus.

“As autoridades chinesas fizeram um grande trabalho de contenção do vírus, chegando ao ponto de deixar praticamente isolados 50 milhões de pessoas. Não é pouca coisa. Certamente houve um impacto financeiro gigantesco no país, um grande desconforto do ponto de vista da qualidade de vida das pessoas que ficaram presas em suas residências sem poder se locomover, mas fato é que se conseguiu evitar a disseminação para outros países, com mais de 98% dos casos ainda registrados somente na China”, avalia o infectologista Rivaldo Venâncio, coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Fiocruz.

Notificação obrigatória

Um ponto de dúvida é quanto tempo o governo chinês demorou para admitir a gravidade do quadro de pneumonia de origem desconhecida. O primeiro alerta foi emitido à OMS em 31 de dezembro de 2019, cerca de duas semanas depois do aparecimento dos primeiros casos. “O que vemos em situações como essa é a dificuldade das autoridades de aceitarem o problema imediatamente e pedirem ajuda. Os governos ficam postergando, empurrando com a barriga e só admitem o problema quando já explodiu”, observa Rivaldo.

Uma versão anterior do Regulamento Sanitário Internacional considerava obrigatória a notificação de apenas três doenças (febre amarela, peste e cólera), enquanto a versão de 2005 obriga a notificação de uma gama maior de surtos de doenças e eventos de saúde pública. “O RSI de 2005 é uma grande conquista, com regras claras a serem seguidas em situações de emergência”, opina o infectologista.

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