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05/02/2018

Radis de fevereiro debate austeridade na saúde pública

Adriano De Lavor (Revista Radis)


“Quando se perde o respeito por si mesmo, você está acabado”, desabafa Daniel Blake, em um momento de desânimo, quando busca os benefícios sociais a que tem direito após sofrer um ataque cardíaco. A personagem principal da trama ficcional de Ken Loach, Eu, Daniel Blake, laureada com a Palma de Ouro, o prêmio máximo do Festival de Cannes em 2016, mostra o processo de pauperização de um carpinteiro britânico por conta de um agravo de saúde, ao mesmo tempo em que expõe os efeitos dos problemas econômicos na vida de uma parcela da população excluída da sociedade de consumo. 

Daniel Blake ilustra um grupo de pessoas reais que podem ser incluídas na categoria “precariado”, como chamou atenção o sociólogo Túlio Custódio, na crítica que escreveu sobre o filme, em 2017: “Uma população, um grupo oriundo da classe trabalhadora, que se encontra à margem do mundo produtivo, com completa insegurança financeira, dependente da assistência do Estado e buscando, nas formas mais violentas e desesperadas, uma maneira de sobreviver”, resumiu no site Justificando (8/8/17), onde esclareceu que o termo, cunhado pelo economista britânico Guy Standing, surge da junção das palavras “proletariado” e  “precarizado”.

O drama da personagem no cinema está cada dia mais próximo da realidade de milhares de trabalhadores no mundo todo que, como ele, já sentem os efeitos diretos das medidas de austeridade que vem sendo adotadas em razão da “crise financeira” que atravessa o mundo. No Brasil, o sistema de proteção social também está ameaçado: além dos cortes já aprovados em programas como o Farmácia Popular, e as já previstas consequências das reformas trabalhista e previdenciária e da aprovação, em 2016, da Emenda Constitucional que congela gastos públicos por até 20 anos, mais recentemente o “ajuste justo” recomendado pelo Banco Mundial (Bird), em relatório produzido a pedido do Governo Federal, também repercutirá nas condições de saúde do brasileiro e na própria sobrevivência do SUS, avaliam especialistas. 

Mas qual será o impacto da aplicação de políticas de austeridade na saúde das pessoas? "Políticas de austeridade acentuam os efeitos perversos das crises econômicas sobre a saúde, pois reduzem os orçamentos públicos em períodos de demandas ampliadas devido às repercussões do desemprego e redução de renda sobre o estado de saúde da população”, alertou a pesquisadora Lígia Giovanella, do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), quando analisou, em dezembro de 2017, o relatório do Banco Mundial sobre os gastos públicos no Brasil. 

“As medidas de austeridade propõem cortes, são propostas sempre na linha de restringir os gastos públicos, e a saúde é uma área que acaba enfrentando este processo”, já havia alertado Fabiola Sulpino Vieira, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em entrevista concedida ao Observatório de Análise Política em Saúde (OAPS), em 2016. Autora da nota técnica “Crise econômica, austeridade fiscal e saúde: que lições podem ser aprendidas?”, publicada em agosto daquele ano, a pesquisadora explicou que, na hora que os cortes no orçamento da saúde chegam, diminui a capacidade de resposta do sistema justamente no momento em que este precisa ter mais recursos para fazer frente às demandas que estão aumentando. “Se as pessoas não têm dinheiro, se elas perderam sua fonte de renda, diminui a capacidade de pagamento direto do bolso — quando se compra o medicamento ou paga por algum serviço de saúde — e aumenta a demanda no serviço público”, previu.

Quem são os mais vulneráveis a estas mudanças? Há evidências suficientes que comprovam que o maior impacto é sobre os mais pobres, já que a austeridade aumenta as desigualdades socioeconômicas, advertiu Gulnar Azevedo e Silva, professora do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj), durante o painel que discutiu o assunto na sede do instituto, em dezembro de 2017. A partir de estudos epidemiológicos que avaliaram situações de saúde em momentos históricos de crise econômica, no Brasil e no mundo, a pesquisadora demonstrou a relação direta entre os reflexos da crise, como desemprego, falta de moradia e insegurança alimentar, com efeitos na vida das pessoas, como diminuição na expectativa de vida, aumento na incidência de doenças infecciosas, nos transtornos mentais e até nos casos de suicídio. 

As pessoas que já apresentam deficiências ou problemas em sua saúde, e aquelas que já vivem em condições precárias, seja de moradia inadequada, seja de emprego (ou de desemprego) são as maiores vítimas, sinalizou Gulnar. Ela chamou atenção para a crescente preocupação com o aumento dos casos de suicídio na Europa e nos Estados Unidos, após a crise econômica de 2007, fenômeno que foi classificado em alguns trabalhos acadêmicos como “suicídio econômico”. 

Continue a leitura da reportagem no site da revista Radis

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