19/06/2023
No porta-malas de uma SUV branca, cabem quatro caixotes, 600 tubos, 6 mil mosquitos em um cálculo por baixo. Uns e outros escapam dos cilindros, picam braços, pernas e orelhas, azucrinam passageiros — mas não é o caso de tentar abatê-los. Nos bancos da frente do veículo, os assistentes de projeto Fábio Costa e Fábio Rodrigues estão acostumados com as travessuras dos bichinhos. Cinco vezes por semana, a dupla repete o trajeto de 13 quilômetros da ponte Rio-Niterói na companhia dessa nuvem de pequenos seres que já foram ovo, larva, pupa e agora atingiram a fase de mosquito adulto. Não que sejam mosquitos comuns.
Esses mosquitos que em breve serão entregues a agentes de combate à endemia e agentes de controle de zoonose em Niterói, do outro lado da ponte, saíram de uma biofábrica no Rio de Janeiro. Neles, foi injetada a bactéria Wolbachia — trivial na natureza, presente em cerca de 60% dos insetos do planeta, inclusive no pernilongo comum, mas que nunca havia sido encontrada no Aedes aegypti, explica o pesquisador da Fiocruz, Luciano Moreira, coordenador no Brasil de uma bem-vinda tecnologia que tem se transformado em um poderoso aliado no controle das arboviroses.
Batizado oportunamente de método Wolbachia, consiste na liberação de Aedes aegypti com Wolbachia nos territórios para que esses mosquitos se reproduzam com os aedes locais e ajudem a estabelecer uma nova população de insetos, todos portando a bactéria e não transmitindo doenças. “Isso demonstra a grande possibilidade de utilização dessa ferramenta”, comprova Luciano.
O pesquisador brasileiro estava na Austrália, em 2008, quando uma equipe liderada pelo professor Scott O’Neill investigava a hipótese. Com uma injeção mais fina que um fio de cabelo, cientistas retiraram a Wolbachia da drosófila, a mosca das frutas, e inseriram nos ovos do Aedes aegypti. Após décadas de pesquisa, eles chegaram à conclusão de que esse microorganismo, inofensivo para seres humanos, bloqueia a replicação do vírus de dengue, zika, chikungunya e febre amarela nos insetos.
Desde 2014, o Brasil integra o rol de 11 países que compõem o Programa Mundial de Mosquitos (ou World Mosquito Program, da sigla WMP). Conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz, com financiamento do Ministério da Saúde em parceria com governos locais, é na sede da Fiocruz, mais precisamente no campus Maré, na Avenida Brasil, que ganham vida os Wolbitos — como são carinhosamente chamados os mosquitos com Wolbachia.
O sucesso do Wolbito
De início, os bairros Jurujuba, em Niterói, e Tubiacanga, na capital fluminense, foram os escolhidos para uma fase piloto do programa. Em menos de uma década, a iniciativa passou a ser executada também em Belo Horizonte, Campo Grande e Petrolina, e ganhou cada vez mais visibilidade.
O método Wolbachia foi parar até no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2022. A questão fazia referência a um ensaio clínico que apontou uma redução de 77% dos casos de dengue na cidade de Yogyakarta, na Indonésia, em áreas que receberam o mosquito Aedes aegypti com a bactéria. O estudo revelou ainda a redução de 86% das hospitalizações nesses locais.
A eficácia do método foi comprovada também por um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, publicado em outubro de 2022 na prestigiada The Lancet, a mais importante revista das ciências médicas, que analisou exatamente os dados da aplicação dessa tecnologia no Brasil.
Com resultados tão expressivos, mais recentemente, no final de março, foi anunciada a construção de uma nova biofábrica, com capacidade para produzir até 100 milhões de Wolbitos por semana — 5 bilhões ao ano. Durante o evento de lançamento em Brasília (30/3), a secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde (SVSA/MS), Ethel Maciel, disse que, ao final de quatro anos, espera ter pelo menos 70% dos municípios que enfrentam hoje a maior carga da doença cobertos pelo método inovador.
São boas notícias, principalmente quando os casos de dengue crescem assustadoramente no país. Entre janeiro e abril, foram mais de 899 mil casos prováveis da doença, um aumento de 30% em relação ao mesmo período de 2022. Este ano, já foram confirmados 333 óbitos.