03/10/2016
Elisa Batalha e Bruno Dominguez (Radis)
O copo meio cheio (ou meio vazio) do SUS parece estar rachando, e a metade de água contida nele vazando em circunstâncias difíceis de serem contidas, avaliam sanitaristas em diversos espaços. A chegada ao poder de uma agenda rejeitada pelos brasileiros nas urnas pode quebrar os sonhos dos que lutaram para inscrever na Constituição e realizar a saúde como direito de todo cidadão, refletem pesquisadores, profissionais e usuários, que já vinham alertando para as imensas diferenças entre o SUS real e o SUS idealizado na 8ª Conferência Nacional de Saúde.
“Se antes falávamos contra o subfinanciamento, agora é um claro desfinanciamento que está proposto. É um cenário muito dramático”, afirmou José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). A frase de Temporão foi pronunciada durante a mesa-redonda SUS — o que é? o que poderá ser na atual conjuntura?, que aconteceu no campus da Fiocruz, no Rio de Janeiro, no mesmo momento em que era votado o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em Brasília. O ex-ministro se referia ao contexto de incertezas caracterizado pela transição de governos, e sinalizava para o risco que representa a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que congela os gastos públicos — inclusive os destinados à Saúde e à Educação — por 20 anos.
O público que compareceu ao debate, promovido pela Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) na manhã de 31 de agosto — trabalhadores, estudantes e sani - taristas convidados — acompanhava com apreensão as discussões, tomado por inquietações e tensões sobre o futuro da democracia, e o temor de que se esvaziem as conquistas da Reforma Sanitária. A situação do SUS, muitas vezes representada metaforicamente por um copo “meio vazio”, corre o risco de agora ser ilustrada por um copo drenado e até estilhaçado, avaliou-se.
Durante o debate, não faltaram palavras de autocrítica em relação à esquerda, reavaliação de rumos e sugestões para estratégias de luta. No geral, a tônica das falas era impedir o avanço de pautas que inviabilizem o SUS. Temporão observou que vivemos a hegemonia de um discurso no qual os gastos públicos aparecem como o principal problema do país. A mídia comer - cial, apontou ele, contribui para agravar o quadro, optando por “dar espaço em jornal defendendo copagamento de exames e consultas”, em detrimento da defesa de princípios fundamentais do SUS, como equidade, integralidade e universalidade. “Temos pela primeira vez um governo declaradamente anti-SUS”, alertou o ex-ministro.
O vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Nilton Pereira Junior, deu outro alerta: a ausência de interlocução do governo com setores que defendem a Saúde Pública. “O ministério da Saúde não está pleiteando recursos com a Fazenda”, enfatizou.
Temporão apontou que há um panorama geral de retrocessos, que põe em risco conquistas sociais históricas. “Estamos no limiar de uma nova reali - dade política e social com consequências graves. Está sendo estabelecida uma agenda de extrema direita que pretende rever benefícios dos trabalhadores e mudar regras de aposentadorias. Temos o Poder Legislativo ´travestido´ de Executivo, ou seja, um desvirtuamento que explicita, de maneira candente, outros interesses e lobbies de empresas”, diagnosticou. Para ele, o perigo é retroceder a visões superadas de saúde, restringindo o papel do SUS apenas à assistência da população mais pobre.
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